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Estado de Minas ENTREVISTA

'O Brasil n�o � um pa�s perdido', diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo

Para especialista, guerra entre R�ssia e Ucr�nia custar� caro ao Brasil, que j� sofre com a disparada dos combust�veis. Contudo, para ele, o pa�s tem jeito


13/03/2022 11:28

economista Luiz Gonzaga Belluzzo
(foto: Arquivo Pessoal)
O Brasil est� em uma situa��o vulner�vel para enfrentar um per�odo prolongado de guerra entre R�ssia e Ucr�nia, acredita o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Al�m de a economia do pa�s estar flertando com a recess�o, a infla��o est� em disparada e os juros, de 10,75% ao ano, v�o subir mais. Para tentar minimizar os impactos econ�micos provocados pelos conflitos no leste europeu, ele defende programas como os adotados durante a pandemia da covid-19, em que a presen�a do Estado foi preponderante.

No caso espec�fico dos combust�veis, que foram reajustados em at� 25% pela Petrobras na �ltima quinta-feira, Belluzzo defende a cria��o de um fundo de estabiliza��o de pre�os para absorver choques externos. Esse instrumento, inclusive, seria importante para preservar a pol�tica de pre�os da estatal, que acompanha o mercado internacional de petr�leo. N�o h�, no entender dele, porque sacrificar a estatal. "A sa�da � criar um fundo de estabiliza��o e n�o deixar passar o choque de pre�os para dentro. E esse fundo pode ser criado com imposto sobre exporta��o de petr�leo", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.


Estamos diante do conflito no leste europeu, com a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia. Que impactos isso pode ter para o Brasil e para o mundo?

Esse conflito � complicado. � muito mais complicado do que a m�dia em geral est� falando.


Por qu�?

Quando a gente olha, de imediato, parece um conflito dos Estados Unidos com a R�ssia. Mas tem processos mais profundos que, na verdade, envolvem a emerg�ncia da China. � um fen�meno muito curioso esse da China, porque, de uma certa forma, lembra bem as emerg�ncias dos Estados Unidos e da Alemanha no final do s�culo XIX e in�cio do s�culo XX, que soterraram a hegemonia inglesa. O poder econ�mico dos EUA e da Alemanha n�o pode ser entendido sem ver a forma como a Inglaterra se relacionou com eles, como uma pot�ncia industrial mercantil. Isso � muito parecido com o que aconteceu com os Estados Unidos ap�s o reconhecimento da China como pa�s considerado confi�vel e democr�tico com (Richard) Nixon (ex-presidente americano), em 1972. A partir da�, a China come�a a fazer reformas, e, logo depois, os EUA promovem a abertura financeira e comercial. A China foi a grande benefici�ria da abertura financeira do ponto de vista do investimento estrangeiro direto. E, nesse mesmo movimento, o Brasil perdeu o protagonismo. Naquela �poca, o pa�s era o mais industrializado entre os ditos, hoje, emergentes, e foi perdendo posi��o para a China, que conseguiu se transformar em uma pot�ncia mundial.


Como fica o Brasil neste contexto global de guerra?

O Brasil deixou de ser um protagonista importante, um receptor de capitais. Agora, o que est� entrando, � capital de portf�lio. � a arbitragem de c�mbio e juros e dos pre�os dos ativos na Bolsa. Mas � uma opera��o puramente financeira. Voc�s t�m uma ideia de um novo investimento estrangeiro de constru��o de f�brica nos �ltimos anos? Eles s� compram um ativo, empresas preexistentes. Isso � t�pico de um capitalismo que est� financeirizado no mundo inteiro. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, est� tentando reverter essa tend�ncia, assim como os europeus, em seu programa de facilita��o de investimentos. Mas a verdade � que isso ainda est� no in�cio. E, no caso do Brasil, o pa�s est� em uma situa��o em que sofreu uma regress�o industrial. N�o s� porque perdeu muitos setores, como da inform�tica, que estava come�ando a construir, como n�o conseguiu incluir os setores da quarta revolu��o industrial. Portanto, quando se fala em reindustrializa��o, essa tarefa � muito mais complexa do que foi nos anos 1950, com Juscelino Kubitschek, quando o capital estrangeiro veio aqui e foi usado para articular a ind�stria nacional, como a automobil�stica, de autope�as, de bens de capital. Essa tarefa, agora, vai exigir, sobretudo, aten��o para essa mudan�a da natureza da ind�stria. Um dia desses eu vi uma pessoa, amigo meu at�, falando que o mundo est� vivendo um per�odo de desindustrializa��o. N�o � isso. O mundo est� vivendo um per�odo de hiperindustrializa��o.


Por qu�?

Porque todas as atividades, servi�os, agricultura, est�o se tornando industrializadas, e a din�mica delas � movida pelo avan�o tecnol�gico. Olha a agricultura avan�ada no pa�s, com colheitadeiras, semeadeiras, sistemas de irriga��o. Tudo isso � muito industrializado, assim como servi�os. � muito diferente do que vivemos no passado. O Brasil est� em uma situa��o subordinada e teve a m� sorte de contar com, digamos, sobretudo depois dos anos 2015 e 2016, de forte retra��o, com pol�ticas econ�micas ditas liberais. Francamente, n�o queria pensar t�o mal do liberalismo econ�mico, que � uma coisa realmente deplor�vel, prim�ria, e eu chamo de liberalismo das cavernas. At� o (Jeremy) Bentham, um dos pais do tributarismo, advogou a estatiza��o do cr�dito para poder desenvolver no come�o do s�culo XIX. Um liberal viu uma oportunidade. Depois da Segunda Guerra Mundial, todos os pa�ses olharam a possibilidade do capitalismo se renovar e se transformar em um sistema inclusivo e com muita capacidade de expans�o. O que eu quero dizer � que o Brasil n�o � um pa�s perdido, de maneira nenhuma, mas precisa de uma outra energia.


E qual � essa outra energia?


O Brasil tem US$ 356 bilh�es de reservas e a R�ssia, US$ 630 bilh�es. Isso nos coloca em uma posi��o diferente e distinta de outros pa�ses, por exemplo, da Argentina, que tem uma vulnerabilidade externa permanente desde os anos 1930. O Brasil teve oscila��es e fez essa asneira de se entupir de d�vida externa. E todo mundo hoje sabe que � um risco enorme, que desabou nos anos 1980 e que nos levou a essa situa��o atual. Estamos pagando o pre�o por essa decis�o, ainda que tenhamos revertido, em parte, por causa das reservas, o que nos deixa em uma posi��o mais confort�vel. Mas o projeto de pol�tica econ�mica tem que respeitar, da maior maneira poss�vel, a vontade popular. Tem que ser baseado nos desejos da popula��o, como melhorar sua vida, sair dessa situa��o prec�ria em que est� todo mundo metido. Est� muito claro o que se precisa fazer na pol�tica econ�mica imediatamente. � salvar essas pessoas que est�o submetidas a esse padecimento. A essas dores terr�veis de comer em caminh�o de lixo.


O Brasil, hoje, est� mais preparado para enfrentar uma guerra ou est� mais vulner�vel?

Vou responder com a maior sinceridade. A depender da continuidade da execu��o dessas pol�ticas, o Brasil vai ficar muito vulner�vel e muito enfraquecido.


As pol�ticas que o senhor fala s�o as neoliberais que v�m sendo tocadas pelo ministro Paulo Guedes?

Na verdade, o governo n�o tem pol�tica nenhuma. � uma s�rie de promessas, de coisas que n�o est�o se realizando. Al�m disso, tem uma vis�o da rela��o do Estado com o mercado que � completamente esdr�xula, sem nenhum fundamento, porque n�o existe oposi��o entre o Estado e o mercado. E existe, sim, �s vezes, a contradi��o. E contradi��o n�o � uma coisa ruim, porque quer dizer que voc� est� em uma passagem. Na pol�tica monet�ria existe, o tempo inteiro, essa contradi��o e � a mesma coisa na pol�tica fiscal. Agora, todo mundo est� reconhecendo que existe uma capacidade fiscal e monet�ria do Estado que pode socorrer o setor privado. Na teoria econ�mica, no fundo, � que se cria uma defesa para evitar avan�o do Estado sobre o setor privado. Mas existe uma articula��o interna fundamental entre ambos desde o in�cio do capitalismo.



Mas existe limite para o Estado. O que importa � a articula��o entre o Estado e o setor privado?

Sim, mas depende. � um ecossistema onde um depende do outro. E o que interessa nesse ecossistema � que gere o que � desejado, como crescimento, cria��o de empregos e boas oportunidades para todos. � isso que interessa. A�, vem um e outro criticando que tem muito Estado. O que � isso? Isso � um neg�cio prim�rio. Economistas que falam isso s�o pouco estudados.


O senhor acha que muito do que o Brasil est� passando hoje tem a ver com essa vis�o equivocada de que h� muita presen�a do Estado e economia privada de menos?

Seguramente. Na verdade, se fossemos rever o per�odo de crescimento brasileiro, que vem l� dos anos 1930, � uma rela��o permanente entre Estado e setor privado. Eu ajudei no Documento Dezoito, que foi escrito em 1979 por todos os grandes industriais brasileiros. Se voc� ler o documento, ver� a concep��o, o conhecimento, a no��o que eles tinham das rela��es entre Estado e mercado e do projeto de industrializa��o brasileira. O que aconteceu nos anos 1980 e 1990 foi varrido, porque as concep��es, como diria (Joseph) Schumpeter, s�o muito importantes. Os economistas incultos s�o muito narrativos e n�o d�o import�ncia ao sentido das coisas e n�o veem direto a realidade. Como mostraram alguns fil�sofos, como (Georg Wilhelm Friedrich) Hegel, sobre o intelecto e a raz�o. O intelecto � quando voc� entra em contato com as coisas e a raz�o, quando voc� compreende as coisas. � muito diferente.


O Brasil foi pego pela guerra no Leste Europeu com infla��o alta, juros subindo e a economia flertando com a recess�o. Como ficamos se essa guerra perdurar por muito tempo?

Essa situa��o de anomalia, de anormalidade, j� estava posta na sa�da da pandemia, que foi assim�trica. Alguns setores sa�ram mais r�pido do que outros, porque houve um choque de oferta. Vamos lembrar que, no p�s-guerras, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, houve choque de oferta e controle do choque de pre�os criando um fundo de estabiliza��o, n�o deixando passar tudo para a economia. Eu n�o consigo, francamente, entender como � que um governo minimamente respons�vel e esclarecido possa trazer para dentro os choques de pre�os de petr�leo quando o Brasil � autossuficiente na produ��o de �leo cru. Mas faz o que a Noruega fez, um fundo de estabiliza��o. Voc�s viram o lucro da Petrobras (de R$ 106,7 bilh�es em 2021) e n�o fizeram nada?


O que o senhor est� dizendo � que tem que mudar a pol�tica de pre�os da Petrobras?

N�o. Tem que, na verdade, estabilizar. N�o se pode danificar a Petrobras como empresa. A sa�da � criar um fundo de estabiliza��o e n�o deixar passar o choque de pre�os para dentro. E esse fundo pode ser criado com imposto sobre exporta��o de petr�leo. Agora, que o petr�leo passou de US$ 100 e querem danar a vida de todo mundo, encarecer o g�s de cozinha, dos combust�veis etc. A ideia dessa (equipe da) Economia � n�o mexer na pol�tica de pre�os. N�o vou falar Michel Foucault (fil�sofo franc�s) para eles, porque v�o pensar que � o ponta esquerda da Fran�a. O Foucault diz que o mercado � visto como locus da verdade, que conta a verdade na vis�o dos conservadores. Ele n�o � o lugar da Justi�a, mas da verdade. Mas, no caso do petr�leo, tem oferta demais, mas tem um cartel (controlando os pre�os). Ali�s, n�o h� nenhuma livre concorr�ncia em nenhum setor da economia. H� um grau de concentra��o e de centraliza��o de controle. Hoje em dia, 2% dos acionistas controlam 70% dos ativos financeiros do mundo. E o que eles est�o fazendo? Forma��o de pre�o, de cartel.


Voltando para infla��o, juros e recess�o. Como fica o Brasil nisso?

H� um choque de oferta e � preciso ter estoques reguladores para o controle de pre�os. O mercado de derivativos era para se defender de uma situa��o e acabou gerando valor em si mesmo. O (Milton) Friedman (pai do liberalismo) dizia que a infla��o � um fen�meno monet�rio. O Brasil n�o poderia ter chegado em pior forma neste momento. Na verdade, n�s n�o fizemos o que eles chamam de dever de casa, que era aplainar o choque de pre�os, sobretudo do petr�leo e das commodities, se tivesse os instrumentos, e a� poderia se fazer uma pol�tica monet�ria mais suave. Mas, agora, o que vai ser feito: dar uma cacetada nos juros e nas expectativas de crescimento. A economia vai patinar e vai demorar para derrubar a infla��o. Diante do risco de o PIB cair de maneira violenta, acho que o Roberto Campos Neto ser� um pouco mais moderado do que outros banqueiros centrais. Vamos lembrar que, nos Estados Unidos, com um novo choque de oferta, o Fed pode subir a taxa de juros em 3,0 pontos, em vez de 0,25 e 0,50 ponto. Se isso acontecer, vai interromper o crescimento l� e aqui.


O choque de oferta que pode vir dessa guerra pode ser maior do que vimos na pandemia?

Pode ser maior, dependendo da intensidade da guerra e dos setores que ser�o atingidos.


E isso � mais infla��o e mais juros?

Sim, mas a� seria preciso adotar os princ�pios de uma economia de guerra. Ou seja, tratar esses fen�menos como an�malos e danosos para a economia e adotar procedimentos de uma economia de guerra.


O senhor acha que o Brasil vai sofrer mais do que outros pa�ses?

O Brasil toma muitas decis�es erradas. Quando � que vamos parar com isso? S� podemos parar com a��o coletiva. Se conseguirmos eleger um grupo de dirigentes que tenha uma preocupa��o diferente, com uma outra vis�o. Isso tamb�m precisa de uma mobiliza��o da sociedade. Ela n�o est� mobilizada para pedir para participar das decis�es e do debate p�blico. As redes sociais n�o s�o espa�o adequado para o debate, porque s� t�m afirma��es. Por isso, a grande imprensa teria um papel muito importante desde que se desvencilhasse do unilateralismo. � muito importante o debate p�blico, com a participa��o das v�rias for�as sociais que est�o comprometidas com o crescimento, porque eu n�o acredito em automatismo e nem sabedoria cient�fica dos economistas. Se n�o tivermos um debate muito intenso, vai ser muito dif�cil sair dessa enrascada.


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