
Uma das figuras centrais do Plano Real, o economista e ex-presidente do Banco Central P�rsio Arida recorda que o projeto era de estabiliza��o inflacion�ria, mas tamb�m de moderniza��o do pa�s. Ele reconhece que, ap�s 28 anos do lan�amento do real, houve avan�os e retrocessos e diz que o momento atual, com uma taxa de infla��o que voltou a incomodar a popula��o, pode servir de impulso para que o pr�ximo governo retome as reformas liberais e modernizantes.
"Muita coisa ficou para tr�s. N�s t�nhamos superavit fiscal e, hoje, temos deficit. Mas, como um todo, o legado � muito positivo, apesar de tudo que se perdeu no caminho desde ent�o. O ideal � que esse epis�dio inflacion�rio de hoje, que � substantivamente diferente do epis�dio inflacion�rio do Plano Real, possa tamb�m servir de base e de impulso para retomar as reformas liberais e modernizantes", destaca o co-autor do Plano Larida, paper acad�mico escrito nos anos 1980, em parceria com o economista Andr� Lara Resende, que serviu de base para o desenho do Plano Real.
Para ele, o grande risco da volta da hiperinfla��o � a indexa��o, que foi implementada durante os governos militares. "Tem um limiar cr�tico, que � quando a economia toda se reindexa. N�o estamos nesse limiar cr�tico. Tem que se lembrar que boa parte da indexa��o do Brasil n�o foi exatamente resultado de for�as de mercado", destaca. A seguir, principais trechos da entrevista concedida por Arida ao Correio Braziliense:
O Plano Real completou 28 anos e colocar em circula��o a nova moeda foi uma opera��o log�stica sem precedentes para a �poca. Para o senhor, um dos pais do plano, como foi ter participado do processo?
� verdade. O real foi precursor. Olha, o projeto do Plano Real era um projeto de estabiliza��o inflacion�ria, mas tamb�m um projeto de moderniza��o do pa�s. Se olharmos as principais reformas, digamos, que estruturaram a economia brasileira nas d�cadas seguintes, foram feitas ali com o Plano Real. Foi l� que se criaram os programas de solidariedade social, que come�aram as privatiza��es, que come�ou o sistema de ag�ncias reguladoras… Na sequ�ncia do Plano Real se fez o marco fiscal, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Aos poucos, foi no per�odo de oito anos seguintes ao Plano Real quando, justamente, a necessidade de manter a estabiliza��o de pre�os foi o principal motivador para as reformas modernizantes. E essas reformas, inclusive o trip� macroecon�mico e tudo mais, geraram as bases para o crescimento posterior.
Qual o principal legado do Plano Real? � estabilidade da infla��o?
Claro que o plano teve um efeito extraordin�rio sobre a infla��o. Provocou uma desinfla��o no pa�s que ningu�m acreditava que fosse poss�vel, mas talvez o mais importante, ou t�o importante quanto, � que a necessidade de preservar o plano criou a vontade pol�tica de implementar reformas modernizantes na economia que deram continuidade ao programa de estabiliza��o. Acho que a mensagem mais importante � de combater a infla��o, sem sombra de d�vida, mas tem que aproveitar o combate � infla��o para fazer as reformas de que o Brasil precisa.
Mas muitas reformas ficaram pelo caminho…
Sim. Muita coisa se perdeu no caminho. A primeira tentativa de reforma da Previd�ncia perdeu por um voto no governo Fernando Henrique Cardoso e s� foi retomada no governo Michel Temer (e aprovada no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), em 2019). N�s t�nhamos uma superavit fiscal e, hoje, temos um deficit. Mas, como um todo, o legado � muito positivo, apesar de tudo o que se perdeu no caminho, desde ent�o. E o ideal � que esse epis�dio inflacion�rio de hoje, que � substantivamente diferente do epis�dio inflacion�rio do Plano Real, possa tamb�m servir de base e de impulso para retomar reformas liberais e modernizantes.
Ali�s, hoje em dia, vemos a infla��o em dois d�gitos. Na sua avalia��o, n�o bate aquele temor de ela voltar a ficar incontrol�vel como no passado?
Tem um limiar cr�tico, que � quando a economia toda se reindexa. N�o estamos nesse limiar cr�tico. Tem que se lembrar que boa parte da indexa��o do Brasil n�o foi exatamente resultado de for�as de mercado. Mas foram leis que criaram a indexa��o feitas supostamente no sentido de proteger os trabalhadores da infla��o, e dentro de uma busca de legitimidade do governo militar. O processo de indexa��o da economia brasileira come�ou no final da d�cada de 1960 e foi motivado, como eu falei, foram processos legais no �mbito normativo, e foram feitos no sentido de evitar as consequ�ncias ruins da infla��o. � um erro muito comum dizer: eu vou tentar neutralizar a infla��o em vez de combat�-la. Vamos lembrar que a corre��o monet�ria das obriga��es do Tesouro Nacional foi feita em 1965-1966. As leis de indexa��o salarial obrigat�rias foram feitas nos anos 1960 e 1970. Uma vez que voc� entra nesse caminho (de indexa��o), torna tudo muito dif�cil. N�s n�o estamos nesse caminho ainda. Corremos o risco. Tem sempre o risco, mas n�o estamos l�.
Esse "pacote de bondades" do governo e do Congresso, com a PEC Kamikaze aprovada pelo Senado, pode se transformar em maldades a partir de 2023?
O pacote � um modelo t�pico de populismo. S�o medidas que n�o t�m l�gica econ�mica, de curto prazo, feitas sob medida para melhorar a popularidade do governo. E v�o na contram�o do combate � infla��o. Ent�o, como um todo, � uma pol�tica econ�mica desastrosa.
E tamb�m na contram�o do discurso liberal do governo e do ministro Paulo Guedes (Economia)…
Pois �. Um liberal tem que ser, antes de tudo, consistente. Consistente com suas ideias e consistente com a pr�tica. O que estamos vendo � um populismo que poderia ser de esquerda tamb�m. N�o faz diferen�a na pr�tica (risos).
Mas com a covid, esse discurso pr�-reforma est� meio perdido dentro de um processo desenvolvimentista adotado por v�rios pa�ses como forma de justificar o aumento de gastos …
Tem uma diferen�a enorme entre o que se chama de desenvolvimentismo e o que se chama de pol�tica fiscal. Uma coisa � pol�tica fiscal expansionista, que � quando o governo aumenta o deficit p�blico. Outra coisa, que muitas vezes � ligada, mas � diferente, � quando h� uma pol�tica desenvolvimentista. Quer dizer: o governo usa os seus instrumentos para estimular determinados setores da economia a crescer. Pode ter uma coisa e pode n�o ter outra. Se olhar o que acontece nos Estados Unidos e na Europa, n�o foram governos desenvolvimentistas, foram governos que usaram pol�tica fiscal quando a taxa de juros estava no seu m�nimo e n�o era mais poss�vel reduzir. � isso.
Mas, agora, est� sendo um certo momento para muitos criticarem a pol�tica liberal, quando vemos um ministro que se diz liberal aceitando medidas populistas…
A� acaba desfigurando o liberalismo.
Na sua avalia��o, o Plano Real est� consolidado?
O Plano Real teve a parte de reformas. Muito foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso, mas ainda precisamos fazer outro tanto agora, a partir de 2023. Tem a parte inflacion�ria que, se o governo evitar o erro da indexa��o, tende a ser resolvida.