
O presidente Jair Bolsonaro (PL) encerrar� seu mandato deixando como heran�a um pa�s mais endividado do que encontrou ao assumir o cargo, em 1º de janeiro de 2019, e um estoque de despesas represadas que vai impulsionar ainda mais o indicador da d�vida brasileira a partir de 2023.
Ao longo de sua gest�o, o chefe do Executivo precisou abrir os cofres p�blicos para enfrentar a pandemia de Covid-19, uma crise sem precedentes que obrigou pa�ses a despejar dinheiro para socorrer fam�lias e dar sustenta��o � atividade econ�mica.
Mas a atual administra��o tamb�m abortou parte dos esfor�os que poderiam acelerar o processo de ajuste e ajudar na estabiliza��o do quadro fiscal.
Sob o comando de Paulo Guedes, o Minist�rio da Economia manteve uma s�rie de benef�cios tribut�rios e ampliou desonera��es, medidas que drenam receitas do governo e acabam aumentando a necessidade de emitir d�vidas.
Bolsonaro, por sua vez, interditou o debate de revis�o de despesas ao dizer que n�o iria "tirar de pobres para dar a paup�rrimos". Dali para frente, as press�es pol�ticas e sociais foram convertidas em licen�as para gastar acima do teto de gastos —regra que limita o crescimento das despesas � varia��o da infla��o.No fim de 2018, a d�vida bruta do governo estava em 75,3% do PIB (Produto Interno Bruto), um n�vel j� elevado para pa�ses emergentes como o Brasil e que foi alcan�ado ap�s d�ficits acumulados desde 2014, no governo Dilma Rousseff (PT).
O indicador da d�vida at� baixou em 2019, mas subiu com a pandemia, alcan�ando 88,6% em dezembro de 2020. No ano seguinte, voltou a cair com a maior arrecada��o e as devolu��es de recursos do Tesouro pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social).
Em julho deste ano, a d�vida alcan�ou 77,6% do PIB. Ela deve encerrar 2022 em 78,6% do PIB, segundo as expectativas coletadas no Boletim Focus. O valor � maior do que no in�cio do mandato de Bolsonaro.
A mesma trajet�ria � observada na d�vida l�quida do setor p�blico, que desconta os ativos como reservas internacionais. O indicador estava em 52,8% do PIB no fim de 2018 e deve terminar o ano em 59% do PIB, segundo as estimativas de mercado.
Al�m de elevada, a d�vida brasileira tem um custo n�o desprez�vel. Os juros nominais pagos por governo federal e Banco Central nos 12 meses at� julho alcan�aram 5,63% do PIB. � mais de quatro vezes o gasto com o Aux�lio Brasil (1,2% do PIB).
Quando Guedes assumiu a Economia, havia a expectativa entre t�cnicos de que ele comandasse um grande esfor�o para reduzir a d�vida de forma mais contundente.
O ministro chegou apresentando credenciais de liberal e prometendo zerar o d�ficit j� em 2019. Quase quatro anos depois, Guedes centrou-se na defesa de medidas pontuais para derrubar a d�vida, como privatiza��es, e desperdi�ou a chance de enviar uma proposta de Or�amento 2023 com super�vit prim�rio, algo in�dito desde 2014.
Em vez disso, ele atendeu aos desejos do presidente e manteve R$ 80,2 bilh�es em desonera��es, das quais R$ 52,9 bilh�es correspondem ao corte de tributos federais sobre diesel e gasolina, adotado em ano eleitoral ap�s a disparada de pre�os de combust�veis.
O argumento da equipe econ�mica � que h� melhora estrutural das receitas. Do lado de fora, por�m, muitos especialistas s�o c�ticos quanto ao vigor duradouro da arrecada��o, uma vez que o impulso vem de fatores tempor�rios, como infla��o e valoriza��o de commodities (que turbina receitas com royalties e participa��es especiais).
O pr�prio governo foi mais conservador nas proje��es oficiais e enviou a pe�a or�ament�ria prevendo um d�ficit de R$ 63,7 bilh�es no ano que vem.
O rombo deve ser ainda maior porque a proposta de Or�amento para 2023 exclui uma s�rie de gastos, como os R$ 52,5 bilh�es necess�rios para pagar o Aux�lio Brasil m�nimo de R$ 600 —compromisso j� firmado pelos quatro principais candidatos � Presid�ncia da Rep�blica.
Outros fatores contribuir�o para recolocar a trajet�ria da d�vida em rota de ascens�o, como o menor crescimento em 2023, a alta na taxa de juros e a redu��o da infla��o, que atenua os ganhos de arrecada��o.
O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e colunista da Folha, projeta que a fatura adicional ser� de R$ 124,6 bilh�es, elevando o d�ficit a R$ 188 bilh�es (1,8% do PIB).
Ele alerta que esse resultado � muito distante do super�vit de ao menos 1% do PIB que seria necess�rio para estabilizar a d�vida p�blica —isso adotando premissas otimistas de avan�o de 2,5% da economia em 2023 e taxa real de juros de 4% (abaixo do praticado hoje).
"Se a hip�tese da melhoria tempor�ria [nas receitas] for prevalecer, estamos em uma emboscada. N�o temos tranquilidade fiscal para o futuro", disse Mendes em semin�rio na UnB (Universidade de Bras�lia) na �ltima sexta-feira (16).
"Mesmo que a hip�tese de melhoria permanente prevale�a, tamb�m n�o estamos num cen�rio tranquilo porque tivemos uma piora sens�vel da economia pol�tica", acrescentou, em refer�ncia � tomada de controle do Or�amento pelo Congresso por meio das emendas.
O economista Manoel Pires, coordenador do Observat�rio de Pol�tica Fiscal da FGV (Funda��o Getulio Vargas), estima um impacto maior, de R$ 215 bilh�es, pois inclui na conta uma receita menor de royalties de petr�leo.
Ambos ressaltam que, diferentemente das elei��es de 2018 (quando a pauta da reforma da Previd�ncia marcou o debate econ�mico) ou de per�odos anteriores, h� certa fadiga na discuss�o de ajuste fiscal e reformas, sobretudo no contexto social atual.
Nesse cen�rio adverso, o crescimento esperado da d�vida ainda � "lento e controlado", diz Pires, e isso tem sido suficiente para tranquilizar o mercado. Nas proje��es do Boletim Focus, a d�vida bruta chega a 87,9% do PIB em 2029, caindo lentamente nos per�odos seguintes. J� a d�vida l�quida subiria continuamente at� atingir 70% do PIB em 2031.
Mas uma explos�o de despesas poderia trazer turbul�ncias. "� importante ter uma compreens�o do que � razo�vel fazer [ap�s as elei��es], para n�o absorver todo esse impacto de uma s� vez", diz Pires.
A economista Julia Braga, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), ressalta que uma alta na d�vida n�o � problem�tica no curto prazo e n�o deve afetar o c�mbio ou os �ndices de risco. "Ela � necess�ria para viabilizar um aumento do gasto que est� sendo demandado pela sociedade", diz.
"J� num prazo mais longo, vai depender muito da capacidade de ter um crescimento econ�mico mais vigoroso para que a rela��o entre juro e crescimento seja favor�vel", afirma ela, que recomenda foco no controle do custo da d�vida. Planejamento de despesas e aprova��o de reformas tribut�rias que reduzam desigualdades ser�o essenciais nessa tarefa, diz Braga.
Ao encerrar o mandato com d�vida maior, Bolsonaro repete Dilma, cuja gest�o foi marcada pela deteriora��o das contas, e Michel Temer (MDB), que assumiu ap�s o afastamento da petista e herdou a situa��o fiscal delicada.
Lula reduziu o indicador em seus dois mandatos, ap�s o aumento na gest�o de Fernando Henrique Cardoso —quando a d�vida subiu ap�s o controle da infla��o e as emiss�es do pa�s ainda eram mais atreladas ao c�mbio.
O cen�rio atual permite tra�ar alguns paralelos com o quadro de 2002, avalia Manoel Pires. Naquele ano, a incerteza das elei��es fez a d�vida l�quida saltar a 60% do PIB, patamar semelhante ao de hoje.
"A taxa de juros era muito alta, e isso gerava algum tipo de inseguran�a quanto ao controle da d�vida. Depois que o novo governo deu os sinais corretos, isso se dissipou", lembra.
Para ele, os sinais corretos esperados para 2023 ainda n�o est�o claros. "Uma das primeiras coisas necess�rias � resolver o imbr�glio do Or�amento, e a partir da� montar uma estrat�gia fiscal que possa sinalizar com reequil�brio. Tomando decis�es consequentes do ponto de vista fiscal, que s�o defens�veis do ponto de vista pol�tico e econ�mico, o mercado entende. Negativo � discutir todo ano o tamanho da mudan�a do teto", diz.