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Estado de Minas FOME

Ratos, ossos e lama: os 'alimentos do desespero' a que famintos recorrem para sobreviver

Itens que para muitos s�o b�sicos para outros s�o um luxo. A fome extrema � um desafio di�rio em muitas partes do mundo, como mostram os relatos de pessoas que tentam sobreviver a uma situa��o cr�tica.


16/10/2022 06:38 - atualizado 16/10/2022 09:04


Mulher somali com criança em Baidoa
Muitas crian�as t�m graves problemas de sa�de devido � falta de comida na Som�lia (foto: Getty Images)

Fome, pobreza, guerra, doen�a — h� muitos fatores que podem alterar drasticamente o que comemos.

Em circunst�ncias extremas, pessoas desesperadas podem recorrer a lama, frutos de cactos, flores, ratos, ossos descartados ou pele de animais para se manterem vivos.

A fome severa e a desnutri��o s�o um desafio di�rio em muitas partes do mundo e sua escala � verdadeiramente gigantesca: o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) diz que "at� 828 milh�es de pessoas v�o para a cama com fome todas as noites" e "345 milh�es est�o enfrentando inseguran�a alimentar aguda".

Antes do Dia Mundial da Alimenta��o, em 16 de outubro, a BBC conversou com quatro pessoas de diferentes partes do mundo que passaram fome extrema e perguntou como sobreviveram.

'Carne de rato � a �nica que posso comprar'

"Eu como ratos desde a inf�ncia e nunca tive problemas de sa�de. Eu alimento minha neta de 2 anos com ratos. Estamos acostumadas com isso", diz Rani, que vive no sul da �ndia.

A mulher de 49 anos mora perto de Chennai e faz parte de uma das comunidades mais marginalizadas do pa�s — ela saiu da escola ap�s o quinto ano.

Na estrutura social hier�rquica baseada em castas da �ndia, seu povo sofreu anos de discrimina��o, e Rani trabalha para uma ONG que resgata pessoas de sua comunidade — a irula — que est�o presos a esquemas de servid�o.

"Sempre moramos fora das cidades e vilas. Nossos pais e av�s nos diziam que �s vezes n�o tinham nada para comer — nem mesmo tub�rculos. Naqueles tempos dif�ceis, os ratos nos forneciam a comida necess�ria", disse Rani � BBC. "Aprendi a peg�-los desde muito jovem."

As habilidades de sobreviv�ncia que Rani adquiriu quando crian�a agora ajudam sua pr�pria fam�lia a comer — eles cozinham ratos pelo menos duas vezes por semana.

Os irula comem uma esp�cie de rato encontrada em arrozais, n�o aquelas normalmente encontradas em casas.

"N�s descascamos a pele de ratos e grelhamos a carne sobre uma chama e comemos. ï¿½s vezes, cortamos em pequenos peda�os e cozinhamos com lentilhas e molho de tamarindo", diz Rani.

Gr�os escondidos pelos ratos em suas tocas tamb�m s�o coletados e comidos pelos irula.

"S� posso me dar ao luxo de comer frango ou peixe uma vez por m�s. Ratos est�o dispon�veis em abund�ncia e s�o gratuitos", acrescenta ela.

'Bebi �gua barrenta e vi pessoas comendo carne de carca�as'

A ONU diz que a Som�lia est� enfrentando uma crise de fome catastr�fica e a pior seca do pa�s em 40 anos que j� for�ou mais de 1 milh�o de pessoas a deixarem suas casas.


Sharifo Hassan Ali com seus filhos
Sharifo Hassan Ali diz que algumas pessoas estavam comendo das carca�as de animais mortos h� muito tempo (foto: Abdulkadir Mohamed/NRC)

Sharifo Hassan Ali, de 40 anos, m�e de sete filhos, � uma delas.

Ela teve que abandonar sua aldeia e viajou por mais de 200 km — principalmente a p� — da regi�o de Shabeellaha Hoose at� um assentamento tempor�rio nos arredores da capital, Mogad�scio. Ela levou cinco dias.

"Durante a viagem, com�amos apenas uma vez por dia. Quando n�o havia muita comida, aliment�vamos as crian�as e pass�vamos fome", diz ela.

No caminho para a capital, ela testemunhou algumas cenas chocantes. "O rio secou completamente. H� anos, tem pouca �gua fluindo, ent�o, tivemos que beber �gua barrenta", diz Hassan Ali.

"Vi centenas de animais mortos a caminho de Mogad�scio. As pessoas est�o comendo at� mesmo as carca�as e as peles dos animais."

Hassan Ali costumava ter 25 vacas e 25 cabras. Todas morreram na seca. "N�o h� chuva e nada est� crescendo na minha fazenda", diz ela.


Imagem aérea de um campo de desabrigados perto de Mogadício
Mais de 1 milh�o de pessoas foram for�adas a deixar suas casas por causa da seca na Som�lia (foto: Abdulkadir Mohamed/NRC)

Ela agora ganha o equivalente a menos de R$ 11 por dia lavando as roupas de outras pessoas — o que n�o � suficiente para pagar a comida.

"Dificilmente posso comprar um quilo de arroz e legumes com isso, e nunca d� para todos. Esta seca tem sido muito dura para n�s."

Ela recebe ajuda de algumas ag�ncias humanit�rias, mas diz que n�o � o bastante. "N�o temos nada", diz Hassan Ali.

'Minha fam�lia depende de pele e ossos descartados'

Nos �ltimos dois anos, Lindinalva Maria da Silva Nascimento, uma av� aposentada de 63 anos de S�o Paulo, vem comendo ossos e pele descartados por a�ougueiros locais.


Lindinalva em frente à sua geladeira
Lindinalva diz que n�o tem nada na geladeira (foto: FELIX LIMA/ BBC NEWS BRASIL)

A aposentada tem um or�amento di�rio de apenas R$ 21 para alimentar ela, o marido, um filho e dois netos. Ela n�o pode comprar carne, ent�o vai a diferentes a�ougues e compra carca�as e peles de frango. Mesmo que custe cerca de R$ 3,70 por quilo.

"Eu cozinho os ossos com peda�os de carne que ficam na pele e adiciono feij�o para dar gosto."

A pele do frango, diz ela, � frita em uma panela sem �leo, e a gordura que se acumula � ent�o coletada e armazenada. Lindinalva guarda em potes vazios de maionese e requeij�o e frita outros alimentos depois.

"Nem penso em comprar frutas, verduras ou doces. Antes, eu tinha um freezer cheio de carnes e verduras, e a geladeira tinha repolho, tomate, cebola, tinha bastante coisa", conta. "Hoje est� vazio, e a �nica coisa que tenho � uma cebola na fruteira."

Lindinalva perdeu o emprego durante a pandemia, e seu filho tamb�m est� desempregado.

"Conto com doa��es de alimentos de pessoas que conhe�o e tamb�m com a ajuda da igreja local. � assim que sobrevivo", diz ela.


Lindinalva cortando carne
Lindinalva tem dificuldade em conseguir at� sobras de carne (foto: BBC )

Mais de 33 milh�es de pessoas no Brasil vivem com fome, de acordo com um relat�rio recente da Rede Brasileira de Seguran�a Alimentar. O estudo divulgado em junho tamb�m constatou que mais da metade da popula��o sofre de inseguran�a alimentar.

"Os a�ougueiros costumam dizer que n�o t�m ossos", reclama Lindinalva.

Ela diz que tem que comer o m�nimo poss�vel para conservar os alimentos.

"Eu sobrevivo tamb�m gra�as � minha f� de que as coisas devem melhorar em algum momento."

'Eu e meus filhos sobrevivemos com frutos de cactos vermelhos'

"N�o h� chuva e n�o h� colheita. N�o temos nada para vender. N�o temos dinheiro. N�o posso me dar ao luxo de comer arroz."

Fefiniaina � uma m�e de dois filhos de 25 anos da ilha de Madagascar, no Oceano �ndico.

Dois anos de poucas chuvas destru�ram colheitas e dizimaram o gado. Isso est� empurrando mais de 1 milh�o de pessoas para a fome, de acordo com a ONU.


Fefiniaina com seu filho
O fruto do cacto d� diarreia no filho de Fefiniaina, diz ela (foto: Unicef/Rakoto/2022)

Fefiniaina mora na cidade de Amboasary, uma das �reas mais afetadas pela seca. Ela e o marido ganham a vida vendendo �gua.

"Quando ganho algum dinheiro, compro arroz ou mandioca. Quando n�o tenho nada, tenho que comer o fruto do cacto ou ir para a cama sem nada", diz ela � BBC.

"A maioria das pessoas aqui come frutos de cacto. Tem gosto de tamarindo. N�s comemos nos �ltimos quatro meses, e, agora, meus dois filhos est�o com diarreia."

O PMA informou no ano passado que, no sul de Madagascar, "as pessoas estavam comendo barro com suco de tamarindo, folhas de cacto, ra�zes silvestres, apenas para acalmar a fome".

A fruta pode ajudar a manter a fam�lia de Fefiniaina viva, mas n�o fornece as vitaminas e minerais de que precisam — seu filho de 4 anos est� entre muitos que recebem tratamento para desnutri��o.


Fefiniaina comendo frutos de cacto
Fefiniaina adiciona um pouco de molho de tamarindo ao fruto do cacto (foto: Unicef/Rakoto/2022)

"Quanto tem um pouco de chuva, podemos colher alguma coisa. Podemos comer batata-doce, mandioca e frutas", diz Fefiniaina. "E n�o precisamos comer frutos de cactos."

O PMA diz que o mundo est� mais faminto do que nunca e atribui essa "crise s�smica da fome" a quatro fatores: conflitos, choques clim�ticos, consequ�ncias econ�micas da pandemia de covid-19 e aumento dos pre�os.

"Os custos operacionais mensais do PMA est�o US$ 73,6 milh�es (R$ 388 milh�es) acima da m�dia de 2019 — um aumento impressionante de 44%", afirma o relat�rio de 2022. "O gasto extra em custos operacionais teria alimentado anteriormente 4 milh�es de pessoas por um m�s."

Mas a organiza��o diz que o dinheiro por si s� n�o vai acabar com a crise: a menos que haja uma vontade pol�tica para acabar com os conflitos e um compromisso para conter o aquecimento global, "os principais motores da fome continuar�o inabal�veis", conclui o relat�rio.

*Com reportagem de Felipe Souza, da BBC News Brasil em S�o Paulo.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63251273

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