Em alguns pa�ses de alta renda onde homens s�o mais participativos, taxas de fecundidade t�m subido entre alguns subgrupos, ou seja, mais mulheres t�m decidido ter mais filhos
Falar das taxas de natalidade em geral � falar das escolhas e conquistas das mulheres: ao aumentar seus n�veis de educa��o e avan�ar no mercado de trabalho, elas tiveram, em geral, menos filhos. No mundo, a m�dia por mulher caiu de 5 filhos em 1950 para 2,3 no ano passado.
Em muitas na��es ricas, essa m�dia acabou ficando em �ndice muito abaixo do m�nimo necess�rio para repor as pessoas que morrem todos os anos. Em pa�ses como Alemanha, It�lia e Espanha, cada nova gera��o � cerca de 25% menor que a anterior.
Embora esse movimento costume ser acompanhado de alta na riqueza e nos n�veis educacionais e traga potenciais benef�cios ambientais, tamb�m levanta o debate: como manter a popula��o jovem e produtiva em tamanho suficiente para sustentar as aposentadorias e custos de sa�de de uma popula��o idosa cada vez mais numerosa e longeva?
Os pesquisadores argumentam que em alguns pa�ses de alta renda onde homens s�o mais participativos, taxas de fecundidade t�m subido entre alguns subgrupos, ou seja, mais mulheres t�m decidido ter mais filhos.
J� nos pa�ses onde a taxa de fecundidade est� abaixo de 1,5 filho por mulher, "os homens fazem menos de um ter�o do trabalho dom�stico", diz o estudo.
Al�m do papel masculino, outros fatores que influenciam isso positivamente, segundo os economistas, s�o pol�ticas p�blicas bem desenhadas de creches e licen�as-maternidade e paternidade, normas sociais favor�veis �s mulheres e ambientes de trabalho mais flex�veis.
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Economistas argumentam haver novas tend�ncias moldando a fertilidade, para al�m da educa��o da mulher e sua entrada no mercado de trabalho
BBCEmbora o estudo enfoque em pa�ses de alta renda, as conclus�es podem trazer ensinamentos para o futuro do Brasil, onde a m�dia de filhos por mulher - que foi de 1,7 em 2020 - j� est� abaixo do n�vel m�nimo de reposi��o. E onde o chamado "b�nus demogr�fico" - quando a popula��o economicamente ativa supera bastante a aposentada - est� a poucas d�cadas de terminar (confira mais detalhes abaixo).
'Nova era da economia da fecundidade'
O grupo de economistas, das universidades alem�s de Mannheim e Regensburg e da americana Northwestern, argumenta que parecem haver novas tend�ncias moldando a "economia da fecundidade".
Se antes estava consolidada a cren�a de que, ao entrar no mercado de trabalho, a mulher passava a ter menos filhos, agora, n�o � mais necessariamente assim.
Nos cruzamentos de dados de pa�ses de alta renda estudados pelo grupo, "se reverteu a rela��o (negativa) entre o trabalho feminino e a fecundidade. Hoje, em pa�ses onde mais mulheres trabalham, mais beb�s nascem", diz o estudo.
A� entra o papel masculino: nesses estratos de alta renda, h� indicativos de que "a distribui��o dos custos e benef�cios dos filhos entre m�es e pais em parte determina a fertilidade". Especificamente, se um dos pais tem de arcar com a maior parte dos custos de ter um beb� e, em consequ�ncia, tiver menos probabilidade de concordar em ter um segundo filho, a fertilidade vai ser baixa, n�o importa o quanto o outro pai queira ter mais um filho".
Um dos destaques da pesquisa s�o os pa�ses n�rdicos (Su�cia, Dinamarca, Noruega, Finl�ndia e Isl�ndia), que combinam alt�ssima renda per capita com um ac�mulo de d�cadas de divis�o menos desigual nos cuidados com os filhos, normas sociais mais igualit�rias e pol�ticas generosas de apoio �s fam�lias.
Embora a taxa de fecundidade de todos esses pa�ses continue sendo baixa - de no m�ximo 1,7 filho por mulher, na Isl�ndia e na Su�cia -, dados da Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE) usados pelos pesquisadores apontam que, quanto mais crescia o Produto Interno Bruto (PIB) per capita e a participa��o feminina na economia, mais crescia o n�mero de filhos por mulher.
Padr�es de fertilidade x renda

Pol�ticas p�blicas bem desenhadas de creches e licen�as-maternidade e paternidade, normas sociais favor�veis �s mulheres e ambientes de trabalho mais flex�veis tamb�m beneficiam taxas de natalidade
Getty ImagesO caso n�rdico n�o significa que esses pa�ses caminhem rumo a taxas de fecundidade substancialmente mais altas, nem que as teorias de fecundidade estivessem erradas. Apenas significa que novos padr�es de comportamento est�o emergindo, explica � BBC News Brasil Anne Hannusch, professora-assistente de Economia da Universidade de Mannheim e coautora do estudo.
"Padr�es (de baixa fecundidade) que se mantiveram por mais de cem anos est�o mudando para pa�ses ricos. Isso s� quer dizer que, em pa�ses de alta renda, parece que estamos indo em uma nova dire��o, em que n�o parece ser mais uma verdade universal que a fertilidade declina � medida que a renda cresce", afirma.
Nessa transi��o, prossegue a economista, muitas mulheres ambicionam mais do que apenas voltar ao mercado de trabalho. Da� a import�ncia do que Hannusch e seus colegas chamam de "pais cooperativos" e de outras pol�ticas, al�m de mudan�as em rela��o � carga moral imposta a m�es.
Isso inclui tanto um compartilhamento maior dos cuidados com crian�as e das tarefas dom�sticas, quanto mudan�as nas normas sociais em geral. Hannusch acha que at� mesmo seu pa�s, a Alemanha, tem normas sociais que ela enxerga como r�gidas.
"Na Alemanha, h� uma percep��o de que, se voc� n�o fica em casa para cuidar do seu beb�, voc� � uma m�e ruim. Essas normas afetam escolhas como: 'cuido das crian�as ou volto ao mercado de trabalho?'", explica a economista.
Para al�m da licen�a-maternidade
Ou seja, mesmo havendo em muitos pa�ses de alta renda - como a Alemanha - licen�as-maternidade longas, mulheres ainda enfrentam barreiras como normas sociais desfavor�veis, pouca flexibilidade no mercado de trabalho (por exemplo, jornadas que n�o coincidem com hor�rios de creches) e menor progress�o salarial que os homens.

Mesmo em pa�ses com licen�a-maternidade generosa, mulheres enfrentam normas sociais desfavor�veis e pouca flexibilidade para acomodar a vida com filhos
Getty ImagesEsse conjunto cria o que os economistas chamam no estudo de "penalidade da maternidade". "S�o coisas que parecem ter muita import�ncia para as mulheres que querem ter filhos e continuar no mercado de trabalho", diz Hannusch.
Como estamos falando de grupos sociais mais economicamente favorecidos, essas mulheres j� n�o se contentam apenas em voltar da licen�a-maternidade, mas sim "voltar ao trabalho em um emprego com a possibilidade de promo��o", acrescenta a economista.
Por isso, pol�ticas p�blicas nessa �rea, para serem bem-sucedidas, precisam ir al�m da licen�a-maternidade, ela explica.
"Na Europa, a licen�a-maternidade geralmente � o primeiro ano de vida da crian�a, e, depois, as mulheres voltariam ao mercado de trabalho, que � quando o debate se converte em: 'vou conseguir pagar por um servi�o de cuidado da crian�a? Tenho um parceiro para compartilhar as responsabilidades comigo? Meu empregador � flex�vel?'. Porque as crian�as n�o precisam do cuidado apenas no primeiro ano - s�o 18 anos ou mais (risos), talvez a vida inteira."
� a� que as pol�ticas e normas sociais mais enraizadas nos pa�ses n�rdicos come�aram a fazer diferen�a nas taxas de fecundidade, argumentam Hannusch e seus colegas no estudo.
"Em pa�ses como a Su�cia, onde as tarefas dom�sticas s�o compartilhadas mais igualmente, h� uma aparente correla��o entre aumento na fertilidade quando os homens participam mais do trabalho dom�stico. Tamb�m h� pol�ticas familiares (de creches) e compartilhamento da licen�a-parental. Mas n�o � algo que aconteceu da noite para o dia, � um longo processo", afirma a economista.
"Por isso, nosso estudo n�o diz que h� uma solu��o simples e imediata (para a fertilidade baixa de muitos pa�ses de alta renda), porque qualquer pol�tica familiar vai interagir com normas sociais, decis�es do casal, disposi��o dos homens em contribuir - n�o � um fator s� que, se mudado, vai ajustar tudo. S�o coisas que interagem entre si, e normas sociais mudam lentamente. Leva tempo."
Segundo os dados do estudo, em pa�ses desenvolvidos onde � mais f�cil conciliar trabalho e fam�lia, "as mulheres t�m ambos". "Nos pa�ses onde os dois (trabalho e fam�lia) est�o em conflito, as mulheres s�o for�adas a fazer escolhas, resultando tanto em menos nascimentos de crian�as quanto menos mulheres trabalhando", diz a pesquisa.
Uma reportagem do jornal brit�nico Financial Times reuniu outros exemplos de estudos acad�micos sugerindo que padr�es tradicionais de fecundidade est�o mudando em pa�ses desenvolvidos. Em alguns deles, diz a reportagem, a probabilidade de ter um segundo filho passou a ser maior entre profissionais de n�vel educacional mais alto, e menor entre faixas de escolaridade mais baixa, algo que contradiz percep��es enraizadas sobre fecundidade.
E o Brasil?
No Brasil, as taxas de fecundidade ainda parecem seguir a l�gica de que, quanto maior a renda e a educa��o femininas, menor a quantidade de filhos por mulher - que caiu de 6,2, em m�dia, em 1940, para 1,7 em 2020.

Brasil tamb�m ter� de lidar em breve com o fim do b�nus demogr�fico e menor propor��o de jovens em rela��o a idosos
Getty Images"Em um extremo, mulheres com mais anos de estudo e uma progress�o maior na carreira profissional t�m cada vez menos filhos, muitas vezes menos do que o desejado, em especial por n�o conseguirem conciliar trabalho e fam�lia", aponta o relat�rio Fecundidade e Din�mica da Popula��o Brasileira, feito em 2018 para o Fundo de Popula��o da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU).
"O mesmo acontece quando se analisam os �ndices de acordo com a renda: nos 20% dos domic�lios com maiores rendimentos no pa�s, as mulheres t�m taxas de fecundidade que n�o chegam �s taxas de reposi��o. Na outra ponta, e com n�mero significativo de pessoas, percebe-se que as mulheres com menos anos de estudo ainda t�m mais filhos do que desejam. Isso porque, em geral, mulheres com menos escolaridade, rendimento e oportunidades tamb�m acabam tendo filhos quando s�o jovens - e, na maioria, filhos nascidos de gesta��es n�o planejadas."
Ao mesmo tempo, como a popula��o brasileira tem envelhecido em ritmo r�pido, o pa�s est� nas �ltimas d�cadas do chamado "b�nus demogr�fico", ou seja, de um contingente grande de popula��o jovem e economicamente ativa em rela��o ao grupo et�rio com mais inativos (como crian�as e idosos).
Por volta da d�cada de 2040, as estimativas da ONU s�o de que o grupo de brasileiros de 15 a 64 anos alcan�ar� seu pico e come�ar� a cair. A partir da�, vai crescer proporcionalmente a faixa de brasileiros com mais de 60 anos. Tudo isso vai acontecer antes de o pa�s ter conseguido elevar sua renda para o patamar dos pa�ses ricos.
� nesse contexto que a discuss�o em torno das taxas de fecundidade pode ganhar relev�ncia.
O estudo de Hannusch e seus colegas n�o incluiu o Brasil. Mas ela aponta que, se as normas sociais do pa�s se mantiverem "muito tradicionais", ou seja, a carga dos cuidados com os filhos se mantiver excessivamente sobre os ombros femininos, � improv�vel que eventuais pol�ticas favor�veis � fecundidade funcionem, mesmo entre as mulheres com mais renda.
"Trata-se de identificar onde o Brasil est� neste momento em seu desenvolvimento e talvez pensar para onde as coisas v�o daqui 20 ou 30 anos. Pode ir para caminhos diferentes a depender das normas sociais e de como esses fatores s�o implementados no futuro", diz a economista.
Na vis�o de Hannusch e seus colegas, "a fecundidade ultrabaixa n�o � um destino inescap�vel, mas sim um reflexo de pol�ticas, institui��es e normas prevalentes na sociedade".
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64119658
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