Definir a taxa de juros, a Selic, � uma das atribui��es do BC
O presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) vem fazendo reiteradas e duras cr�ticas � atua��o do Banco Central (BC), a autoridade m�xima respons�vel por executar a pol�tica monet�ria brasileira.
Mais especificamente, em rela��o ao presidente da institui��o, o economista Roberto Campos Neto, indicado por seu antecessor no cargo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A insatisfa��o de Lula, manifestada publicamente em v�rias ocasi�es nos �ltimos dias, vem causando incertezas no mercado, com impacto na curva de juros e no c�mbio, por exemplo.
Mas por que o petista est� "em p� de guerra" com o BC de Campos Neto?
O motivo do embate � a discord�ncia de Lula quanto � execu��o da pol�tica monet�ria atual, de responsabilidade do Banco Central, uma autarquia federal de natureza especial, que antes era vinculada ao Minist�rio da Economia (hoje Minist�rio da Fazenda).
-
09:19 - 08/02/2023 Lula contra BC pressiona alimentos e amea�a sua popularidade
-
20:31 - 07/02/2023 Meirelles sugere a Lula declara��o conciliadora para amenizar crise com BC
-
08:36 - 07/02/2023 Presidente do BC pode ser exonerado por descumprir metas de infla��o e tem compet�ncia questionada pelo governo Lula
"� uma vergonha esse aumento de juros e a explica��o que eles deram para a sociedade brasileira", disse Lula na segunda-feira (6/2) em discurso durante um evento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES), referindo-se � decis�o do Comit� de Pol�tica Monet�ria (Copom) do BC de manter a taxa b�sica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano, no in�cio deste m�s.
No dia seguinte, voltou ao assunto em entrevista a ve�culos de m�dia alternativa.
"N�o � poss�vel que a gente queira que este pa�s volta a crescer com taxa de 13,75%. N�s n�o temos infla��o de demanda. � s� isso. � isso que eu acho que esse cidad�o [Campos Neto], indicado pelo Senado, tenha possibilidade de maturar, de pensar e de saber como vai cuidar deste pa�s. Ele tem muita responsabilidade", afirmou.
Campos Neto, por outro lado, rebateu as cr�ticas em palestra nos Estados Unidos nesta ter�a-feira (7/2) e destacou apenas que a autonomia do BC serve para separar as diretrizes monet�rias da esfera pol�tica.
"A principal raz�o no caso da autonomia do Banco Central � desconectar o ciclo da pol�tica monet�ria do ciclo pol�tico porque eles t�m planos e interesses diferentes. E quanto mais independente voc� for, mais eficaz voc� � e menos o pa�s pagar� em termos de custo de inefici�ncia na pol�tica monet�ria", afirmou.
Em meio ao duelo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentou acalmar os �nimos e disse nesta quarta-feira (8/2) que buscar� uma reuni�o entre Lula e Campos Neto.
Segundo ele, tanto Campos Neto quanto Lula t�m boa inten��o e, "quando homens de boa inten��o se re�nem, os problemas se resolvem".

Por meio dos juros, BC promove controle da moeda em circula��o na economia
Getty ImagesTaxa de juros
Definir a taxa de juros, a Selic, � uma das atribui��es do BC que, criado em 31 de dezembro de 1964, tem por fun��o, "garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro s�lido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econ�mico da sociedade".
Periodicamente, um comit� formado pelo presidente do BC e seus diretores, al�m de chefes de departamentos da institui��o, se re�ne para defini-la.
Esse conselho se chama Copom (Comit� de Pol�tica Monet�ria) e foi institu�do em 1996, com o objetivo de estabelecer as diretrizes da pol�tica monet�ria e de definir a taxa de juros. Formalmente, o Copom determina a taxa Selic e divulga o Relat�rio de Infla��o.
A Selic acaba influenciando os juros cobrados pelos bancos p�blicos e privados, al�m de impactar a economia como um todo.
Via de regra, quando existe uma percep��o de que a infla��o (aumento geral de pre�os) est� alta ou pode subir, o BC aumenta os juros.
Isso aumenta o custo do dinheiro, o que, na pr�tica, se traduz em cr�dito mais caro, afetando, por exemplo, quem toma financiamento para comprar casa ou carro — e tamb�m quem tem d�vidas com cart�o de cr�dito.
Como resultado, as pessoas tendem a gastar menos, o que, por sua vez, freia a subida dos pre�os.
Mas os juros mais altos acabam tamb�m afetando o crescimento econ�mico, pois impactam o emprego e a renda.
Se fica mais caro pedir dinheiro emprestado e o consumo diminui, as empresas investem menos e deixam de contratar mais funcion�rios.
Do ponto de vista do investidor, quando os juros sobem, mais vale a pena deixar o dinheiro "parado" rendendo a tomar o risco de investi-lo sem qualquer contrapartida.
E, para o governo federal, juros mais altos prejudicam as finan�as p�blicas, j� que pa�ses tamb�m tomam empr�stimos ao emitir t�tulos de d�vida (uma das formas como governos se financiam — outra � a arrecada��o de impostos).

Brasil tem a taxa de juros reais mais alta do mundo
BBCBrasil, campe�o de juros
Aumentar ou reduzir juros � uma decis�o complexa e requer o acompanhamento rotineiro da economia, de modo a permitir ao BC esse ajuste fino.
Atualmente, com a Selic a 13,75% ao ano, o Brasil tem a taxa de juros reais mais alta do mundo, segundo levantamento feito pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management, e se mant�m na lideran�a desde maio do ano passado.
Na �ltima reuni�o, o Copom decidiu mant�-la nesse patamar. A decis�o era esperada, e em comunicado, o BC considerou que as expectativas de infla��o pioraram, principalmente devido � perspectiva de gastos p�blicos mais elevados.
Segundo o Copom, o �ndice de pre�os continua acima do intervalo compat�vel com o cumprimento da meta de infla��o e, para mant�-lo sob controle, deve manter os juros elevados por um "per�odo mais prolongado".
Desde mar�o de 2021, os juros v�m subindo no Brasil, ap�s atingirem a m�nima hist�rica de 2% ao ano, em agosto de 2020.
No entanto, a alta dos pre�os resultante da paralisa��o das cadeias de suprimento em meio � pandemia da covid-19 for�ou o BC a desencadear um intenso ciclo de aperto monet�rio — ou seja, aumentar os juros.
Foi a maior sequ�ncia de alta deste s�culo.
'Pedra no sapato'
Na pr�tica, juros elevados acabam sendo uma "pedra no sapato" de qualquer governo, pois todos visam colher os benef�cios de uma atividade econ�mica mais aquecida.
E isso tem um custo pol�tico, evidentemente, para Lula.
Quanto mais emprego e renda gerado por seu governo, melhor tende a ser sua avalia��o junto � popula��o.
Mas, se cabe � equipe de Lula, por meio do Minist�rio da Fazenda, liderado por Fernando Haddad, definir a pol�tica econ�mica conforme a estrat�gia do governo, dificilmente esta conseguir� ser implementada em separado da pol�tica monet�ria, sob a al�ada do BC, comandado por Campos Neto.

Juros elevados acabam sendo uma 'pedra no sapato' de Lula
Getty Images'Autonomia'
Mas, se Lula escolheu Haddad para comandar a Fazenda, por que n�o escolheu tamb�m o presidente do BC?
Por um empecilho institucional: uma lei sancionada por Bolsonaro em 2021 que estabeleceu a autonomia do Banco Central.
Por essa lei, o presidente e diretores do BC t�m mandatos fixos de quatro anos, n�o coincidentes com o do Presidente da Rep�blica.
O de Campos Neto termina apenas no fim de 2024.
Quando seu mandato terminar, portanto, Lula ter� a oportunidade de escolher algu�m para substitui-lo.
Mas nem sempre foi assim.
At� a san��o da lei, o presidente do BC tinha status de ministro de Estado, caso de Henrique Meirelles, por exemplo, que ocupou o cargo durante os dois primeiros governos de Lula (ele tamb�m foi ministro da Fazenda de 2016 a 2018, durante o governo de Michel Temer), e a institui��o era vinculada ao Minist�rio da Economia (hoje Minist�rio da Fazenda).
Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, Meirelles sugeriu que Lula fizesse uma fala conciliadora para amenizar a crise com o BC. No entanto, ele n�o tem previs�o otimista para o conflito.
"Minha recomenda��o � que ele diga que as medidas de ajuste fiscal ser�o implementadas ao mesmo tempo que as medidas sociais", disse Meirelles.
Em suas falas recentes sobre o Banco Central, Lula tem citado Meirelles. O presidente afirma que, em seus governos anteriores, Meirelles n�o era menos independente do que Roberto Campos Neto � hoje.
Mas essa independ�ncia, contudo, n�o era sin�nimo de autonomia, como o �rg�o tem agora na forma de lei.
Diferentemente de Campos Neto, Meirelles podia ser demitido por Lula — e, de fato, o petista o pressionou mais de uma vez a n�o subir os juros.
Em abril de 2008, a rela��o entre os dois chegou ao pior momento, quando, segundo o jornalista Jo�o Borges, em seu livro Eles N�o S�o Loucos — os Bastidores da Transi��o Presidencial FHC-Lula, Lula teria resolvido demitir Meirelles.
A alta taxa de juros era o motivo de irrita��o do petista, para quem isso atrapalhava seus planos para o r�pido crescimento da economia.
Segundo o livro, Lula teria chegado a comunicar sua decis�o a seu ent�o ministro da Fazenda, Antonio Palloci, e lhe pedido para preparar o terreno para sa�da de Meirelles.
Mas acabou recuando quando a ag�ncia de classifica��o de risco Standard & Poor’s concedeu o grau de investimento ao Brasil e passou a considerar o pa�s como de baixo risco.
Atua��o pol�tica?
Existe uma percep��o entre integrantes do governo de que o BC de Campos Neto age politicamente e n�o apenas de forma t�cnica, a partir de evid�ncias sobre a sa�de da economia brasileira.
Isso porque Campos Neto, ex-executivo do mercado financeiro, foi posto no cargo por Bolsonaro, ap�s recomenda��o do ex-ministro da Economia Paulo Guedes.
O atual presidente do BC � neto do famoso economista Roberto Campos, que comandou o Minist�rio do Planejamento no governo Castelo Branco (1964 - 1967) e foi um dos idealizadores do BNDES.
E uma fotografia do jornal Folha de S.Paulo mostrou que ele fazia parte, pelo menos at� 11 de janeiro deste ano, de um grupo de WhatsApp intitulado "Ministros Bolsonaro".
O pr�prio mercado acredita numa queda futura da Selic, mas ao mesmo tempo prev� uma infla��o maior neste ano e no seguinte.
Segundo o mais recente boletim Focus, um apanhado das proje��es do mercado para a economia divulgado toda segunda-feira pelo BC, a taxa de juros deve terminar 2023 a 12,50%.
Mas, apesar de a perspectiva de uma infla��o mais alta, isso significa que n�o h� espa�o para os juros ca�rem neste momento?
N�o necessariamente.
Na vis�o de Andr� Perfeito, que atuou como economista-chefe da Necton Investimentos, os juros no Brasil s�o "altos — e muito".
Segundo ele, "h� no Brasil algo muito al�m do razo�vel. Estamos na companhia de pa�ses que n�o guardam qualquer semelhan�a com nossa economia e este excesso de juros revela 'pela diferen�a' aspectos profundos da economia e pol�tica brasileiras. � como se tiv�ssemos resolvido a infla��o jogando esta para debaixo do tapete da Selic".
Perfeito ressalva, no entanto, que "dois erros n�o fazem um acerto".
"N�o � porque os juros est�o altos que se pode achar que � poss�vel remover por decreto a lei da oferta e da procura", diz.
"Atacar institui��es — como o Banco Central — � o caminho da destemperan�a e de anomia", acrescenta.

Ex-executivo do mercado financeiro, Campos Neto � presidente do BC e seu mandato termina no fim de 2024
ReutersAtaques
Os ataques de Lula ao BC escalaram a tal ponto que o petista falou em rever a autonomia da institui��o.
Nos bastidores, petistas insinuaram um movimento de levar adiante um pedido de exonera��o de Campos Neto, algo dif�cil de ser alcan�ado, pois requer aprova��o do Senado e envolve significativo desgaste pol�tico.
O pr�prio Lula cobrou nesta ter�a-feira (7/2) "vigil�ncia" dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) e de senadores da Rep�blica sobre o BC, mas afirmou que n�o quer criar "confus�o".
Haddad e Tebet integram com Campos Neto o CMN (Conselho Monet�rio Nacional), �rg�o respons�vel por definir a pol�tica monet�ria e que pode encaminhar ao presidente da Rep�blica o pedido de destitui��o do presidente do BC em caso de "comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos" da autarquia, segundo a lei que criou a autonomia da institui��o.
J� ao Senado caberia aprovar essa troca de nomes, se receber o pedido do chefe do Executivo.
Na segunda-feira (6/2), Lula j� havia classificado a autonomia do Banco Central como uma "bobagem".
"O problema n�o � de banco independente, n�o � de banco ligado ao governo. Problema � que esse pa�s tem uma cultura de viver com os juros altos", afirmou.
"Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. O �nico dia em que a Fiesp [federa��o da ind�stria paulista] falava era quando aumentava os juros. Era o �nico dia [...]. Agora, eles n�o falam", disse o presidente na segunda-feira.
Nesta quarta-feira (8/2), parlamentares da base aliada deixaram a reuni�o com o presidente Lula com discurso alinhado ao do presidente em rela��o �s cr�ticas ao Banco Central devido � taxa de juros.
Em entrevista � imprensa, o deputado federal Paulinho da For�a, presidente do Solidariedade, disse que Campos Neto "tem que ser enquadrado".
"O que estou dizendo � que o senhor presidente do Banco Central � um representante da Faria Lima e est� fazendo o jogo da Faria Lima em detrimento do pa�s", afirmou ele, em alus�o � avenida de S�o Paulo que concentra bancos de investimento.
J� os l�deres do Governo e do PT na C�mara, Jos� Guimar�es (PT-CE) e Zeca Dirceu (PT-PR), afirmaram que assinar�o o convite para Campos Neto ir � Casa dar explica��es sobre a pol�tica monet�ria do BC.
Por outro lado, o ministro de Rela��es Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo n�o cogita alterar a lei que garantiu autonomia para o Banco Central, mas destacou que a autoridade monet�ria precisa cumprir os objetivos estabelecidos pela legisla��o.
"N�o existe qualquer discuss�o dentro do governo sobre mudan�a da lei do Banco Central. Existe sim uma vontade de aquilo que est� nos objetivos do Banco Central seja cada vez mais perseguido por todos", disse.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy9dllgwy84o
*Para comentar, fa�a seu login ou assine