O texto foi apresentado com alguns ajustes em rela��o ao anunciado anteriormente, como a exclus�o de receitas extraordin�rias da base de c�lculo para o aumento real das despesas
Depois de v�rias idas e vindas, o governo finalmente entregou ao Congresso Nacional, ontem, a proposta do novo arcabou�o fiscal, que vai substituir o teto de gastos — emenda constitucional de 2016 que limita o aumento da despesa � infla��o do ano anterior. O projeto da lei complementar da nova �ncora fiscal foi assinado pelo presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) em cerim�nia, no Pal�cio do Planalto, com a presen�a do vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do R�go (MDB-PB), e do presidente da C�mara, Arthur Lira (PP-AL).
A regra ainda incluiu precat�rios — d�vidas judiciais do governo —, na lista de exce��es para o c�lculo dos gastos totais, o que est� gerando desconfian�a sobre a sustentabilidade do novo limite para as despesas
O arcabou�o prev� metas de resultado prim�rio (receitas menos despesas) positivos a partir de de 2025. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu as excepcionalidades. "Elas est�o na Constitui��o. A �nica coisa que n�s fizemos foi reproduzir no texto aquilo que j� est� na Constitui��o e que n�o pode ser alterado por lei complementar nem por lei ordin�ria", disse o ministro a jornalistas.
Haddad refor�ou a necessidade de redu��o nas ren�ncias fiscais — que chegam a R$ 600 bilh�es — como fundamental para o cumprimento das metas previstas. "Estamos querendo rever um quarto dessa ren�ncia para garantir a sustentabilidade fiscal do pa�s", afirmou.
Ap�s receber a vers�o final do arcabou�o fiscal, Arthur Lira afirmou que "at� 10 de maio" ser� poss�vel aprovar o texto na C�mara. A proposta precisa de 308 votos para passar pelo Casa em dois turnos. O relator da proposta deve ser escolhido nesta quarta-feira.
Desconfian�a
Apesar de ser uma demanda do mercado para sinalizar o compromisso do novo governo com a responsabilidade fiscal, projeto gerou d�vidas entre especialistas. De acordo com analistas ouvidos pelo Correio, h� risco de a nova �ncora entrar para o rol de regras que n�o s�o cumpridas, a exemplo do teto de gastos, que vem sendo ampliado desde 2019.
Para eles, as exce��es de itens como precat�rios dos limites de gasto podem provocar "furos" no novo teto para as despesas. "� mais uma lei que n�o ser� cumprida, porque n�o � operacional e depende de aumento de impostos que dificilmente ser�o aprovados pelo Congresso", ressaltou o economista e professor da Universidade de S�o Paulo (USP) Sim�o Davi Silber. Para ele, Haddad n�o vai conseguir apoio do Congresso para elevar a arrecada��o em at� R$ 150 bilh�es para cumprir as regras do novo arcabou�o e as metas fiscais a partir de 2024.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considerou o novo arcabou�o pouco cr�vel. "Perdemos uma boa oportunidade de entregar o equivalente ao 'Plano Real Fiscal'", afirmou.
De acordo com um t�cnico da Esplanada dos Minist�rios, o desenho do novo arcabou�o nasce com a ideia de limite frouxo para as despesas. "O importante, num ajuste fiscal, � limitar o gasto, mas criaram 13 exce��es, incluindo precat�rios do novo teto de gastos. Numa primeira vis�o, me parece um teto todo furado", destacou o economista, que pediu anonimato.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, reconheceu que h� sempre o risco de as exce��es nas despesas acabarem gerando brechas para o aumento de gastos. "Algumas dessas exce��es j� estavam na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transi��o, e o governo n�o quis mexer. Vamos ter que acompanhar para ver se, no ano que vem, o governo n�o estar� gastando fora da regra por esses escapes", acrescentou.
Tr�s perguntas para: Monica De Bolle, economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics
Qual a sua avalia��o do novo arcabou�o fiscal enviado ao Congresso?
Nunca enxerguei a necessidade de um novo arcabou�o fiscal. O Brasil j� tem um excesso de regras fiscais e o maior problema � a falta de um mecanismo de governan�a para elas serem cumpridas. E isso n�o temos. Sem esse mecanismo, o Brasil d� mais um passo na dire��o errada. O novo arcabou�o cria uma complexidade em excesso, na realidade, para uma outra meta fiscal, al�m das existentes, que n�o � necess�ria. Tudo o que o governo precisa para reduzir a rela��o d�vida-Produto Interno Bruto (PIB), a m�dio prazo, est� dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. Bastaria cumpri-la.
E como seria esse mecanismo de governan�a?
A discuss�o econ�mica no Brasil � de baixa qualidade e n�o acompanha o debate internacional. Os agentes financeiros est�o por fora do que se passa no resto do mundo. N�o adianta achar que a Institui��o Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, seria esse mecanismo, mas � um embri�o. � preciso um conselho fiscal independente, como o da Uni�o Europeia, ou CBO (Escrit�rio de Or�amento do Congresso), nos Estados Unidos. A IFI faz um bom trabalho, mas � pequena e n�o tem a envergadura pol�tica para funcionar como mecanismo de governan�a. Por isso, � preciso uma conscientiza��o generalizada do problema fiscal a fundo. N�s n�o temos um mecanismo de governan�a. Ent�o, a gente pode inventar a regra que quiser, pode fazer a regra mais bonita do mundo sem um mecanismo de governan�a. Esquece. A regra vai sempre ser alterada em algum momento. Pode ser uma regra porcaria, como foi o teto de gastos, ou pode ser uma regra mais bem feita.
E qual seria a sa�da?
Incluir um limite para os gastos na Constitui��o foi um erro ou ingenuidade. Nos �ltimos seis anos, a Constitui��o foi descaracterizada toda vez em que o teto foi alterado, em um prazo menor do que o rito tradicional de tramita��o de uma emenda constitucional. Com isso, foi aberto o espa�o para o or�amento secreto. O teto foi mal feito e n�o podia ficar na Constitui��o. O importante � que ele ser� substitu�do com esse novo arcabou�o, mas sem um mecanismo de governan�a, a nova regra tamb�m n�o vai funcionar. Na verdade, para conseguir a sustentabilidade da rela��o d�vida-PIB, o governo n�o precisava enviar um projeto de lei complementar ao Congresso. Bastava o presidente da Rep�blica publicar um decreto. O regime de metas de infla��o, por exemplo, � uma resolu��o do Banco Central com for�a de um decreto. Se o governo quisesse fazer uma coisa razo�vel para ter uma �ncora fiscal, ele poderia estabelecer um horizonte para a d�vida-PIB por decreto.
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