Floresta Amazônica

Imagem de desmatamento na Floresta Amaz�nica

CARL DE SOUZA/ AFP

S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil est� atrasado em todos os objetivos sustent�veis definidos pela ONU e precisa de um plano que integre meio ambiente e economia -nos moldes de um "Green New Deal"- para conseguir alavancar o PIB (Produto Interno Bruto) e tirar a popula��o da pobreza.

A avalia��o � de Paul Polman, ex-CEO da Unilever e que hoje � considerado uma das principais refer�ncias corporativas no tema da sustentabilidade.

Leia tamb�m: Ibama barra nova usina na Amaz�nia

Em entrevista � Folha de S.Paulo, o executivo disse que o Brasil seria irrespons�vel se n�o adotasse um plano integrado, n�o s� para se reposicionar na agenda verde, mas para resolver problemas econ�micos e sociais.

Polman menciona um estudo da Aya Earth Partners, hub de neg�cios focado em economia de baixo carbono, que mostra que direcionar o Brasil rumo a um modelo baseado na natureza exigiria investimento anual entre R$ 170 bilh�es e R$ 390 bilh�es. No entanto, o pa�s conseguiria aumentar seu PIB em at� US$ 150 bilh�es (R$ 770 bilh�es) por ano.

Leia tamb�m: Varejistas europeus amea�am boicote a produtos do Brasil por risco � Amaz�nia

"Ent�o � um imperativo, n�o h� escolha. E, sim, o governo precisa construir esse plano integrado. Acho que a ministra Marina Silva e outros est�o muito bem cientes disso", diz.

Polman esteve no Brasil em mar�o para participar do F�rum Ambi��o 2030, que discutiu o compromisso do setor privado com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustent�vel), 17 metas integradas elaboradas pela ONU em 2015 para serem atingidas at� 2030.

*
Durante sua apresenta��o [no evento], o sr. mencionou a Lei de Redu��o da Infla��o dos EUA, o Green Deal da Europa e tamb�m o plano da China para reduzir as emiss�es. O Brasil deveria fazer seu pr�prio programa verde?

PAUL POLMAN - A IRA [Lei de Redu��o da Infla��o, em ingl�s] ou o green deal europeu nada mais s�o do que uma pol�tica integrada coerente e consistente para se posicionar bem para o futuro. Se voc�s n�o fizerem isso, seria irrespons�vel.

Nos �ltimos dez anos, o Brasil se afastou das metas de desenvolvimento sustent�vel. N�o acho que haja uma maneira melhor do que ter essa estrutura integrada que d� sinais claros, que tem pol�ticas e regulamentos que ajudam a process�-los. Portanto, precisa ser um plano integrado.

Mas o Brasil est� bem posicionado para fazer isso. Um relat�rio sobre a Amaz�nia que a Aya publicou [mostra que] para investimentos relativamente limitados de US$ 60 bilh�es por ano, o Brasil desbloqueia US$ 150 bilh�es de PIB extra [anualmente]. E o Brasil precisa do crescimento do PIB, precisa tirar as pessoas da pobreza.

Ent�o � um imperativo, n�o h� escolha. E, sim, o governo precisa construir esse plano integrado. Acho que a ministra Marina Silva e outros est�o muito bem cientes disso.

 

Faltam apenas sete anos para 2030, podemos dizer que falhamos em implementar a agenda sustent�vel da ONU ou ainda h� tempo?

PP - � uma agenda muito ambiciosa. Quando come�amos os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Mil�nio) no ano 2000 -e que duraram at� 2015- t�nhamos a meta de reduzir pela metade o n�mero de pessoas na pobreza. Por causa do tremendo crescimento da China, alcan�amos isso tr�s anos antes.

Ent�o as pessoas disseram: vamos terminar o trabalho e n�o deixar ningu�m para tr�s, o que resultou nos Objetivos de Desenvolvimento Sustent�vel.

Era um plano mais ambicioso porque os ODMs eram voltados para os mercados em desenvolvimento. As metas de desenvolvimento sustent�vel s�o globais, mais abrangentes do que precisamos fazer para que o mundo funcione.

Sem d�vida, a Covid nos atrasou e fez os ODS retrocederem dez ou 15 anos. No Brasil, voc�s est�o atrasados em todos os ODS, infelizmente.

Acho que precisamos enxergar os ODS como um farol de onde queremos chegar. � uma estrutura moral que foi assinada por 193 pa�ses na ONU em 2015.

Vamos atingir todos esses objetivos nos pr�ximos sete anos? Provavelmente n�o. Eles ainda nos servir�o como a melhor estrutura moral que temos? Acredito que sim.

O que vemos � que qualquer empresa que internalize os ODS, qualquer governo que conduza suas pol�ticas de acordo com eles, tende a ser mais bem-sucedido, mais resiliente, tende a estar melhor posicionado para o futuro.


Mas o sr. acredita que em algum momento dos pr�ximos sete anos a sociedade, e especialmente as empresas, v�o se mover r�pido o suficiente para atingir esses objetivos? Porque n�o estamos indo na velocidade adequada.

PP - N�o estamos nos movendo r�pido o suficiente, nem na escala que precisamos. Os investimentos em energia solar e e�lica precisam ser sete vezes maiores. No caso dos carros el�tricos, nove vezes maiores. Precisamos acelerar o desenvolvimento do hidrog�nio verde.

Mas estamos vendo alguns pontos de virada. Ficamos surpresos com a velocidade da queda do custo da energia solar e e�lica, agora mais barata em 90% dos pa�ses. Os ve�culos el�tricos j� est�o se tornando mais baratos em alguns lugares do que os de motor a combust�o.

Toda a nova energia que foi instalada no ano passado foi energia verde. Na agricultura, estamos come�ando a ver os sinais iniciais de uma nova revolu��o na agricultura regenerativa.

Em alguns dos setores mais dif�ceis, como transporte mar�timo, companhias a�reas, a�o e cimento, vemos empresas assumirem compromissos net zero [emiss�es l�quidas zero].

Vamos fazer isso entre agora e 2030? Provavelmente n�o. Podemos fazer isso ainda dentro de um prazo para limitar o aquecimento global a 1,5ºC? Eu acredito que sim. E � nisso que precisamos nos concentrar.

 

Como acelerar esse processo de mudan�a?

PP - Os desafios que precisamos enfrentar s�o de tal magnitude que ningu�m pode fazer isso sozinho. H� um d�ficit de confian�a, que nos faz trabalhar juntos de maneira abaixo do ideal.

Se formarmos parcerias transformadoras focadas no interesse comum, n�o em nosso pr�prio interesse pessoal, se trabalharmos juntos de maneira diferente, com l�deres corajosos, podemos de fato resolver alguns desses problemas perversos de que estamos falando.

Sempre gosto de citar Desmond Tutu quando algu�m me pergunta se sou otimista ou pessimista. A resposta dele sempre foi: sou uma pessoa de esperan�a.

Temos a tecnologia, temos o financiamento, temos as gera��es Z e Millennials sendo mais voltadas para o prop�sito. A verdadeira quest�o �: temos for�a de vontade?

 

Estamos vendo muitos compromissos sustent�veis sendo assumidos no mundo corporativo, mas tamb�m vemos as emiss�es atingirem n�veis hist�ricos, os lucros das empresas petrol�feras baterem recordes. N�o h� uma contradi��o?

PP - N�o � f�cil. Vimos a Guerra da Ucr�nia, infelizmente, causar um estresse de curto prazo em nosso sistema alimentar e energ�tico. Algumas pessoas se beneficiaram desproporcionalmente disso, mas acho que o aprendizado geral � que, na verdade, vimos uma acelera��o. Uma acelera��o no compromisso e na a��o para mudar para uma economia mais verde.

A Europa aumentou suas ambi��es, os EUA aumentaram suas ambi��es, o Brasil est� mudando, a Austr�lia est� mudando.

H� um momento em que as pessoas entendem que nessa transi��o teremos solu�os, momentos dif�ceis para lidar, mas a dire��o est� claramente definida e o ritmo da mudan�a � realmente acelerado.

Sempre digo �s pessoas que, se voc� gosta de escalar montanhas, �s vezes � preciso um plat� para descansar. �s vezes, � preciso descer um pouco para se aclimatar e depois subir ainda mais alto. Acho que esse mesmo processo est� ocorrendo nessa transforma��o que precisamos fazer.

� lament�vel que a ind�stria de combust�veis f�sseis tenha enormes ganhos e tenda a gast�-los mais em recompras de a��es e dividendos do que numa acelera��o para uma convers�o verde.

Mas � preciso se perguntar: essas empresas s�o parte da solu��o para o futuro ou s�o parte do problema? O que vemos � que empresas que s�o parte do problema est�o indo para o cemit�rio dos dinossauros, e empresas que s�o parte da solu��o est�o se posicionando melhor para o futuro.

 

Qual � o papel que o mundo e o sr. enxergam para o Brasil na agenda sustent�vel?

PP - O mundo n�o chegar� ao net zero se o Brasil n�o chegar. Acho at� que o Brasil pode chegar ao net-positive [saldo positivo para o meio ambiente]. Voc�s s�o aben�oados com energia verde, capital natural... O Brasil deveria se tornar um absorvedor de carbono.

Neste momento, temos provavelmente 50 gigatoneladas de carbono por ano em emiss�es. O Brasil responde por 2,5 gigatoneladas, a maior parte relacionada ao desmatamento e metano.

N�o h� raz�o para que voc�s n�o possam mudar para uma agricultura regenerativa, pensando em reflorestamento, restaura��o, repara��o, regenera��o… O Brasil pode se tornar um sumidouro de carbono novamente. E o mundo precisa disso.

Ent�o o Brasil est� se tornando uma parte crucial. Com seus 215 milh�es de habitantes, � uma grande economia, precisa crescer para tirar muitas pessoas da pobreza. Ent�o deve fazer isso de forma sustent�vel.

Afinal, estamos aqui nos pulm�es do mundo, e se os pulm�es est�o resfriados, o mundo espirra.

 

O qu�o otimista o sr. est� de que o Brasil vai cooperar com isso?

PP - N�o � s� o Brasil cooperar. Todos n�s precisamos trabalhar juntos. N�o podemos simplesmente dizer ao Brasil "conserte isso, porque voc� criou os problemas". De jeito nenhum.

Todos n�s desfrutamos do desenvolvimento econ�mico, todos n�s comemoramos coisas que n�o s�o mais poss�veis agora que somos 8,5 bilh�es de pessoas e estamos ultrapassando os limites do planeta.

Todos n�s precisamos fazer parte de uma solu��o. Tamb�m significa que o mundo se apresente e recompense o Brasil por proteger e restaurar seu capital natural.

Tamb�m ser� o mundo ajudando o Brasil a se conformar com as pr�ticas agr�colas sustent�veis e recompens�-las. � uma responsabilidade conjunta e � por isso que estou aqui. N�o estou aqui para pedir nada ao Brasil, estou aqui para ver onde podemos ajudar.

 

O sr. se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em um jantar. O que foi discutido?

PP - O governo n�o est� procurando palavras, est� procurando a��es -algo com o qual eu concordo plenamente, vindo do mundo dos neg�cios.

Discutimos as enormes parcerias que existem, o trabalho que vem sendo feito sobre o cacau, a bioeconomia do Par�… Como podemos nos mover mais r�pido e como podemos mover isso para a a��o.

Historicamente, muitos no Brasil estiveram sentados � margem, na comunidade empresarial, inclusive.

O que vejo agora nessa viagem ao Brasil � que as coisas est�o come�ando a andar. Muitas grandes empresas do setor privado querem fazer parte da solu��o. Est�vamos conversando sobre como capitalizar isso e como compartilhar um pouco dessa energia para acelerar a agenda.

O ministro est� muito interessado em fazer isso. Lula tra�ou desde o in�cio [do mandato] alguns objetivos-chave, j� tomou algumas a��es, e agora precisamos ter certeza de que eles ser�o ampliados, especialmente no setor privado.

Os problemas n�o ser�o resolvidos se o setor privado n�o apoiar. N�o vamos resolver se o financiamento n�o fluir na dire��o certa, e esse � o tipo de discuss�o que tivemos.

 

Acha que � poss�vel parar as mudan�as clim�ticas e erradicar a desigualdade enquanto ainda seguimos a l�gica capitalista de crescimento?

PP - Se for um crescimento irracional -definido como usar mais coisas, num modelo de produ��o extrativa linear, desenterrando nossos minerais da terra, enfiando-os em f�bricas e depois descartando-os em aterros sanit�rios ou nos oceanos- n�o � poss�vel.

Voc� n�o pode ter crescimento infinito num planeta finito. � matematicamente imposs�vel.

[Mas] se definirmos nossos modelos de crescimento em termos de bem-estar geral, um crescimento que seja sustent�vel, um crescimento que seja inclusivo, que valorize o capital ambiental -assim como o capital humano, social ao lado do capital financeiro- ent�o acredito que podemos encontrar um mecanismo melhor, que tamb�m podemos chamar de capitalismo, se precisarmos.

*

 

PAUL POLMAN, 66

Co-autor do livro "Net Positive: como empresas corajosas prosperam dando mais do que recebem", foi CEO da Unilever entre 2009 e 2019. Antes, foi executivo em empresas como Nestl� e Procter & Gamble. Polman foi um dos respons�veis por desenvolver os Objetivos de Desenvolvimento Sustent�vel da ONU e hoje trabalha com diversas companhias para acelerar as a��es para enfrentar as mudan�as clim�ticas e a desigualdade.