Lula e Biden em encontro na Casa Branca em fevereiro de 2023
Na pr�xima quarta-feira, 20/9, em Nova York, os presidentes de Brasil, Luiz In�cio Lula da Silva, e Estados Unidos, Joe Biden, v�o lan�ar um documento batizado de "Coaliz�o Global pelo Trabalho", no qual defender�o liberdade sindical, garantias aos trabalhadores por aplicativo, entre outras medidas.
Ou, nas palavras do Conselheiro de Seguran�a Nacional dos EUA, Jake Sullivan, Biden e Lula ir�o se juntar "para destacar o papel central e cr�tico que os trabalhadores desempenham na constru��o de um pa�s sustent�vel e democr�tico, um mundo equitativo e pac�fico".
Embora o teor do texto ainda n�o esteja finalizado e tampouco seja p�blico, ao menos quatro pessoas envolvidas em sua elabora��o, tanto do lado americano quanto do brasileiro, disseram � BBC News Brasil que os detalhes do acordo importam menos diante do que representa a pr�pria exist�ncia da iniciativa.
Depois de uma s�rie de solavancos, o lan�amento representa um certo resgate da rela��o entre os dois l�deres.
"Essa � realmente uma agenda positiva em que os l�deres est�o trabalhando juntos, depois de muito ouvirmos falar sobre fric��es e dificuldades na rela��o entre eles", nota Alexander Main, diretor de Pol�tica Internacional no Centro de Pesquisa Econ�mica e Pol�tica em Washington, que recentemente acompanhou uma delega��o de congressistas americanos, entre eles a estrela da esquerda democrata Alexandria Ocasio-Cortez, � Bras�lia para debater com autoridades brasileiras o plano.
O entusiasmo de Lula ficou evidente ap�s uma conversa telef�nica entre ele e Biden, por telefone, em meados de agosto, na qual ambos alinhavaram detalhes da ideia. "� a primeira vez que trato com um presidente interessado nos trabalhadores", disse Lula na ocasi�o.
O assunto � tratado como uma das grandes prioridades do presidente brasileiro em sua agenda de cinco dias em Nova York. Tanto assim que, embora tenha recebido mais de 50 pedidos de bilaterais, segundo fontes do Itamaraty, a �nica que j� estava confirmada antes mesmo da partida do brasileiro para os EUA era a agenda com Biden.
Al�m disso, Lula optou por n�o participar do lan�amento p�blico de t�tulos sustent�veis brasileiros na Bolsa de Valores de Nova York, nesta segunda (18/9), porque, de acordo com um diplomata brasileiro ciente dos planos presidenciais, ele n�o queria que sua imagem na viagem ficasse vinculada ao touro de Wall Street — "um s�mbolo da especula��o capitalista" —, e sim � agenda pr�-trabalhador.
Em busca de parceiros privados para obras do PAC (Programa de Acelera��o do Crescimento) em energia renov�vel — especialmente e�lica e solar no Nordeste — e de investidores americanos para o pa�s, Lula optou por participar de um jantar fechado � imprensa, organizado pelas organiza��es patronais Fiesp e CNI, na noite de domingo, para o qual foram convidados cerca de 40 dirigentes de grandes empresas e fundos, como a Chevron, a Blackrock, o Citibank.
Solavancos

Lula foi recebido com pompa por Xi Jinping na China, em abril deste ano
Ricardo Stuckert/PREmbora prometesse uma sintonia fina, gra�as ao apoio dos EUA � democracia brasileira e ao r�pido reconhecimento da Casa Branca � vit�ria eleitoral de Lula em 2022, o come�o da rela��o entre ele e Biden foi marcada por solavancos.
Em sua primeira visita a Washington, em fevereiro, Lula n�o foi recebido para uma visita de Estado nem pode falar ao Congresso, como desejava. A pouca ambi��o da agenda nos EUA foi contrastada com a pompa com a qual Lula foi recebido na China, principal antagonista dos EUA globalmente, pouco mais de um m�s depois.
Al�m disso, os americanos anunciaram o ingresso no Fundo Amaz�nia, mas com uma contribui��o considerada t�o baixa (US$ 50 milh�es) que os negociadores brasileiros pediram para que o valor fosse exclu�do da declara��o conjunta entre Brasil e EUA.
Semanas mais tarde, Biden anunciou a inten��o de remeter US$ 500 milh�es ao fundo. A soma, por�m, precisa ser aprovada no Congresso e, sem maioria democrata na C�mara, parece cada vez menos prov�vel que isso aconte�a, ao menos esse ano.
Os dois pa�ses tamb�m se estranharam no tema da Guerra na Ucr�nia. Na China, Lula disse que os EUA deveriam parar de "incentivar a guerra", ao que o porta-voz do Conselho de Seguran�a dos EUA, John Kirby, respondeu dizendo que o l�der brasileiro "papagaiava propaganda russa e chinesa". A escalada de tens�o ganhou tal dimens�o que analistas dos dois lados come�aram a cogitar "anti-americanismo" por parte da pol�tica externa do Brasil.
At� que, segundo fontes do Brasil e dos EUA, Biden lan�ou a ideia de que os dois l�deres se juntassem em uma iniciativa focada no trabalho. A primeira vez em que o tema foi tratado com o formato pr�ximo ao atual foi durante uma reuni�o de ambos �s margens do encontro do G7, em maio, em Hiroshima, no Jap�o.
"Quando Lula veio a Washington (em fevereiro), seu grande pedido era ajuda para financiar o fundo Amaz�nia. A primeira resposta de Biden foi meio fraca, depois ele ofereceu mais, mas o presidente sabe que o Congresso (dos EUA) n�o vai aprovar isso agora. Ent�o encontrou uma forma de engajar Lula e trabalhar junto sem ter que pedir a anu�ncia do Congresso", diz Main.
Al�m de interromper a sucess�o de constrangimentos e tirar o foco das discord�ncias entre os governos, a ideia valorizaria o hist�rico pol�tico singular de Lula, como l�der grevista no ABC paulista, e refor�aria a ideia de que EUA e Brasil compartilham valores e princ�pios fundamentais, tecla em que os americanos gostam de bater para diferenciar-se da China.
"Lula � uma das maiores lideran�as sindicais do mundo e Biden � o auto-proclamado o presidente mais pr�-trabalhador na hist�ria dos EUA, h� uma conjuntura especial que est� propiciando esta iniciativa. � claro que h� essa conflu�ncia de personalidades dos dois presidentes, que � o que permite que isso ocorra agora", diz � BBC News Brasil Stanley Gacek, conselheiro do Sindicato Internacional dos Trabalhadores Comerciais e Alimentares (UFCW, na sigla em ingl�s), que representa 1,3 milh�es de trabalhadores nos EUA e no Canad�.
Gacek conhece Lula desde os anos 1980, chegou a visit�-lo na pris�o na sede da Pol�cia Federal do Paran� e agora tamb�m colaborou com a iniciativa.
Empurr�o para reelei��o
Para Biden, que enfrenta uma campanha para a reelei��o no ano que vem, refor�ar a imagem de um l�der defensor dos trabalhadores pode ser fundamental para o sucesso eleitoral. Ainda mais em estados-p�ndulo como a Pensilv�nia e Michigan, que votam ora republicano, ora democrata e possuem importantes organiza��es sindicais."Ali, onde 2 mil votos podem fazer a diferen�a, a capacidade dos sindicatos de aglutinar as pessoas e faz�-las votar � central", diz Main.
O sindicalismo vive um ressurgimento nos EUA, e o patamar de aprova��o da popula��o aos movimentos sindicais est� acima de 70%, algo alcan�ado pela �ltima vez em 1965. Ciente disso, o presidente americano relan�ou sua candidatura na sede da AFL-CIO, a maior central sindical do pa�s e uma hist�rica entusiasta e defensora de Lula.
O prov�vel oponente de Biden ser� o republicano Donald Trump, que tenta se associar aos trabalhadores a partir de uma agenda nacionalista, que defenderia os interesses do proletariado americano ao manter imigrantes fora do pa�s e proteger a ind�stria nacional, privilegiando produtos origin�rios dos EUA (algo que, ali�s, tamb�m � defendido por Biden).
No ano passado, um dos ide�logos de Trump, Steve Bannon, afirmou � BBC News Brasil que a direita populista pretendia obter cada vez mais entrada junto aos sindicatos. Auxiliares de Lula afirmam que tamb�m no Brasil o presidente est� preocupado com o avan�o da direita sobre os trabalhadores.
"Se querem consolidar a base e ter sucesso eleitoral, Lula e Biden t�m pela frente a miss�o de mostrar que seus governos podem entregar mais aos trabalhadores em um momento em que o populismo de direita apresenta uma ret�rica que t�m apelo com os trabalhadores", diz Main.

Segundo trumpista Steve Bannon, a direita populista pretendia obter cada vez mais entrada junto aos sindicatos
Ricardo Senra/BBCAfinal, o que haver� no documento?
Fontes envolvidas na negocia��o disseram � BBC News Brasil que a premissa do documento � a defini��o de "trabalho decente", da Organiza��o Internacional do Trabalho, que define como tal o trabalho produtivo e de qualidade e que garante a liberdade sindical, o direito de negocia��o coletiva, promove a prote��o social e elimina o trabalho for�ado, infantil e formas de discrimina��o.
Assim, estar�o contemplados na iniciativa princ�pios para a garantia de liberdade de associa��o com atua��o sindical, respeito a conven��es e acordos coletivos atingidos pela categoria sobre negocia��es individuais, salvaguardas a trabalhadores de aplicativos, como entregadores ou motoristas, que n�o devem ser tratados como empreendedores ou micro-empres�rios e sim como for�a de trabalho.
H� tamb�m a previs�o de que o material trate dos empregos da nova economia verde, um dos temas que mais preocupa os l�deres sindicais, j� que a transi��o econ�mica do combust�vel f�ssil para a redu��o de emiss�o de carbono tende a eliminar mais postos de trabalho do que gera.
� o que se v�, por exemplo, na ind�stria automobil�stica, na qual a f�brica de ve�culos el�tricos demanda 40% menos trabalhadores do que autom�veis � combust�o. Tanto Biden quanto Lula s�o entusiastas da transi��o energ�tica e das energias renov�veis. Nos EUA, Biden n�o � apoiado pelo maior sindicato de metal�rgicos do pa�s, a United Auto Workers (UAW), em parte pelo temor do que sua pol�tica para uma economia verde pode causar de impacto para os trabalhadores do setor. Os metal�rgicos da UAW est�o neste momento em greve contra as tr�s maiores montadoras do pa�s, General Motors, Ford e Stellantis.
Pressionada pelos movimentos grevistas, os maiores neste ver�o desde a d�cada de 1970, a Casa Branca tem dito que "ningu�m quer greve", mas que "Biden respeita o direito dos trabalhadores de usarem suas possibilidades para obter um acordo coletivo".
O lan�amento da coaliz�o deve colocar na mesma foto pela primeira vez na hist�ria de Brasil e EUA os dois presidentes e l�deres sindicais americanos, como a AFL-CIO e a UFCW, quanto do Brasil, como da CUT. Tamb�m estar�o presentes o Ministro do Trabalho do Brasil, Luiz Marinho, al�m de representantes do Conselho de Seguran�a Nacional dos EUA.
Brasil e EUA t�m leis trabalhistas muito distintas. Historicamente, o Brasil oferece muito mais garantias aos trabalhadores formais do que os EUA. Aqueles com carteira assinada no pa�s tem acesso a trinta dias de f�rias remuneradas anuais, a licen�a m�dica de 15 dias seguidas sem perda salarial, a licen�a maternidade de ao menos 4 meses e ao fundo de garantia ao trabalhador por tempo de servi�o acrescido de multa de 40% em caso de demiss�o sem justa causa.
Nada disso � padronizado nos EUA: o trabalhador precisa negociar diretamente com o patr�o suas f�rias e dias de licen�a m�dica, que com frequ�ncia s�o a mesma coisa e n�o superam os 15 dias anuais. Licen�a-maternidade tamb�m n�o � assegurada nacionalmente e depende da pol�tica do empregador e de alguma cobertura do governo local para existir. N�o h� qualquer tipo de FGTS. O funcion�rio dispensado nada tem a receber pela rescis�o do contrato, que n�o precisa ser justificada.
Ainda assim, segundo os entusiastas da iniciativa, Brasil e EUA t�m muito a trocar em rela��o ao assunto, at� porque no Brasil existe uma enorme informalidade dos trabalhadores, que estariam ainda mais desprotegidos do que a m�dia dos americanos.
"N�s vamos construir isso. Para o Brasil � importante primeiro pelo reconhecimento do presidente Lula como uma lideran�a global", disse em Nova York o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que negociou o texto.
Lideran�a global
� exatamente na condi��o de lideran�a global que Lula pretende se apresentar no p�lpito da Assembleia Geral da ONU.
Na pr�xima ter�a, 19/9, ele abrir� o evento pela s�tima vez, com um discurso no qual pretende reapresentar as credenciais do Brasil aos 193 pa�ses que comp�em a audi�ncia da ONU.
Na fala do presidente estar�o as pautas — e os resultados j� obtidos pelo governo — da prote��o ambiental, a milit�ncia pelo combate a todo tipo de desigualdade (seja econ�mica, clim�tica ou de representa��o em organismos multilaterais), e um chamado pela paz no mundo e busca por sa�das diplom�ticas, com men��o � Guerra da Ucr�nia e a outros conflitos na �frica e no Oriente M�dio.
Existe a possibilidade, ainda, de que o adiado encontro entre Lula e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky se concretize em Nova York. Depois de um desencontro no Jap�o — em que cada lado culpou o outro lado pelo desfecho — e de trocarem palavras r�spidas em p�blico, Zelensky teria sinalizado com interesse de sentar-se � mesa com o brasileiro que, segundo o senador Jaques Wagner, l�der do governo, ofereceu aos ucranianos duas possibilidades de hor�rio.
Diplomatas brasileiros v�em Zelensky em um momento de "maior baixa de popularidade" desde o in�cio do conflito. Ainda sem resultados militares robustos na contra-ofensiva � R�ssia, tendo tido que demitir seu ministro da Defesa e ouvido cr�ticas p�blicas sobre sua estrat�gia militar dos americanos, os maiores financiadores do esfor�o b�lico ucraniano, na perspectiva de diplomatas brasileiros, talvez agora Zelensky esteja mais interessado em sa�das diplom�ticas que Lula possa ajudar a costurar e menos em armas — que o Brasil j� afirmou que n�o dar�.
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