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Estado de Minas EDUCA��O

'Cantinho da disciplina' funciona para educar crian�as?

Pesquisas sobre o funcionamento do c�rebro infantil mostram que ele ainda � imaturo para 'aprender' bons comportamentos em momento de estresse; mas especialistas dizem que 'cantos da calma' em casa podem ajudar no processo de regula��o emocional.


06/08/2022 09:37 - atualizado 08/08/2022 09:12


Criança de castigo, olhando para a parede
Como disciplinar as crian�as � uma das grandes quest�es dos pais; descobertas sobre o funcionamento do c�rebro colocam em xeque pr�ticas comuns como o 'cantinho do pensamento' (foto: Getty Images)

Adianta colocar a crian�a de castigo ou, em uma vers�o mais suave, num "cantinho da disciplina"?

Essa � uma das d�vidas mais comuns de pais e cuidadores diante da "desobedi�ncia" infantil.

Defensores do "cantinho do pensamento" dizem que sim, argumentando que o m�todo d� aos pais uma estrat�gia que evita a viol�ncia.

Mas o conhecimento recente da neuroci�ncia coloca essa ideia em xeque, ao mostrar que o c�rebro das crian�as sequer tem maturidade para aprender um "bom comportamento" ou refletir sobre as regras da fam�lia durante um castigo.

Essas evid�ncias cient�ficas apontam que a crian�a s� vai incorporar sentimentos negativos durante essas puni��es — por exemplo, ressentimento —, em vez de aprender habilidades importantes de vida e ferramentas que a ajude a controlar as pr�prias emo��es.

Ao mesmo tempo, especialistas defendem que d�, sim, para montar em casa um "cantinho" que sirva para acalmar na hora em que as tens�es e as brigas escalonam.

Tudo isso a BBC News Brasil vai detalhar a seguir:

O c�rebro infantil

Um ponto-chave das pesquisas sobre o c�rebro infantil � o chamado c�rtex pr�-frontal.


Cérebro humano
C�rtex pr�-frontal, que controla impulsos e emo��es, ainda � imaturo nas crian�as (foto: Getty Images)

� a �rea do c�rebro que "nos ajuda a pensar racionalmente, controlar impulsos, refletir sobre sentimentos e gerenciar nosso corpo e emo��es", explica Claire Lerner, pesquisadora que ajudou a elaborar as diretrizes da organiza��o desenvolvimento infantil Zero to Three, nos EUA.

Os cientistas descobriram que, durante toda a inf�ncia, mas sobretudo nos primeiros anos de vida, o c�rtex pr�-frontal est� imaturo. "O c�rtex pr�-frontal est� nos est�gios mais rudimentares do desenvolvimento nessa idade", diz Lerner.

Ou seja, do ponto de vista fisiol�gico, a crian�a ainda n�o � capaz de controlar a maior parte das suas rea��es, porque tem um controle ainda inconsistente delas. Quando � tomada por emo��es dif�ceis, como frustra��o, raiva ou medo, seu corpo reage — por exemplo, "explodindo" em crises de birra.

"Ao contr�rio das cren�as populares, crian�as pequenas que n�o cumprem o que � pedido, perdem o controle de suas emo��es ou se distraem facilmente n�o s�o 'crian�as m�s' nem est�o sendo intencionalmente beligerantes ou n�o-cooperativas", explica o Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard.

Ela cita uma das famosas pesquisas em que as crian�as s�o colocadas diante de uma guloseima — e perguntadas se preferem com�-la imediatamente ou esperar para receber um segundo doce.

Embora, nesse estudo, muitas crian�as de 3 anos tenham reconhecido que o melhor seria esperar para ter dois doces, prevaleceu na maioria delas o impulso de comer a �nica guloseima � sua frente.

"Claramente, elas sabem, pela l�gica, que � melhor esperar, mas saber n�o � suficiente" para seu c�rebro em forma��o, concluem os estudiosos.

"Sabemos que � s� pelos 20 e poucos anos que essa parte do c�rebro fica plenamente formada, o que tamb�m explica por que adolescentes s�o famosos por nem sempre tomarem as melhores decis�es ou terem grande dificuldade em controlar seus impulsos", conclui Lerner.

Mas, mesmo tendo isso em mente, como lidar com os momentos em que as crian�as perdem o controle ou se recusam a cumprir tarefas do dia a dia?

Os desafios e as birras

"Essas d�vidas provavelmente aparecem em ao menos 75% das consultas que os pais fazem comigo, porque est�o vivenciando algum tipo de desafio — batalhas sobre a hora de dormir, o tempo de tela, birras em p�blico ou em casa, todas quest�es comuns da primeira inf�ncia", diz Claire Lerner.

"Quando come�ou toda essa discuss�o sobre o 'time-out' ('castigo'), nos anos 1990, meus filhos eram novos e era uma estrat�gia muito comum: 'se voc� n�o parar com isso, vai para o quarto!'", relata. "E da� come�amos a aprender muito mais sobre o desenvolvimento do c�rebro das crian�as, e do que ele � ou n�o capaz."

A estrat�gia ainda � defendida pela educadora infantil Cris Poli, conhecida por ter protagonizado o programa Supernanny na TV brasileira.

Ela argumenta que um "cantinho da disciplina" evita gritos e agress�es nas rela��es entre crian�as e cuidadores, a partir dos 2 anos de idade.

"Desobedi�ncia? Coloque regras simples, discipline seus filhos", ela diz, citando por exemplo a import�ncia de uma regra para escovar os dentes ap�s as refei��es.


Criança chorando no colo do pai
Na pr�tica, as crian�as ainda t�m pouco controle sobre as rea��es emocionais do seu corpo (foto: Getty Images)

"Voc� explica a regra no n�vel do entendimento dela. Desobedeceu? Voc� lembra, mostra a regrinha, d� um aviso. Se desobedecer de novo em 24 horas — n�o uma semana, mas sim 24h —, vai para o cantinho da disciplina. 'Voc� vai ficar aqui sentadinho para pensar por que decidiu desobedecer'. Um minuto por ano de idade", diz.

"Quando termina o tempo, voc� pergunta � crian�a: 'voc� lembra (o motivo da puni��o)?' D� um beijo, abra�o, parab�ns. Voc� n�o fica nervosa, n�o bate, n�o grita. � di�logo. Porque disciplina n�o � agressiva, � com amor."

Habilidades de vida

De fato, quando surgiu como uma alternativa �s agress�es f�sicas, o "cantinho do pensamento" trouxe um avan�o — o problema � que ele desconsidera os conhecimentos mais recentes sobre o comportamento infantil, argumenta a psic�loga e autora Nanda Perim.

Ela cita as pesquisas da americana Jane Nelsen, cujo trabalho � base da "disciplina positiva", corrente que defende a cria��o por meio n�o da puni��o, mas do ensinamento de habilidades de vida.

Ao coibir desejos e impulsos sobre os quais a crian�a ainda n�o tem controle, o "cantinho da disciplina" desperta uma rea��o primitiva no c�rebro infantil: a de "fugir ou lutar", defende Perim.

"O c�rebro vai reagir a essa amea�a ou fugindo, ou lutando. E isso pode (se traduzir) em baixa autoestima, de ela achar que � ruim, porque faz tanta coisa errada. Ou vai querer se vingar, para sentir que est� no controle da pr�pria vida, e vai fazer (o comportamento indesejado) de novo, mas escondendo dos pais", ela diz.

"Com 6, 7 ou 8 anos, a crian�a est� come�ando a desenvolver (controle emocional). E da� ela precisa de alfabetiza��o emocional — dar nome �s emo��es dela, reconhecer como essas emo��es mexem com seu corpinho, quais os gatilhos para elas brotarem, quais os gatilhos da calma para elas melhorarem. Isso � habilidade de vida. Mandando a crian�a ficar olhando para a parede, ela n�o vai aprender nada disso", prossegue a psic�loga.

"Ali�s, eu ensino muito mais habilidades de vida quando eu mostro ao meu filho que eu tamb�m sinto raiva e que administrar minha raiva � dif�cil. Porque meu filho olha para mim e fala 'quando � dif�cil para mim, � porque eu sou uma pessoa, n�o � porque eu sou ruim e tenho problema'."

Na mesma linha, Claire Lerner diz que as pesquisas sobre o c�rebro "mostraram, para n�s no campo (da psicologia infantil), que medidas punitivas s�o contraproducentes — porque passa �s crian�as a mensagem de que suas emo��es n�o importam, de que 'voc� � uma crian�a ruim e decepcionante'. E vimos que isso n�o reduz o comportamento (indesejado) para al�m do momento do castigo".

Como lidar com comportamentos desafiadores


Birra
Especialistas dizem que � poss�vel lidar com birras e 'maus comportamentos' mesmo sem usar pr�ticas punitivas - e impondo limites claros (foto: Getty Images)

Quando a crian�a desaba porque n�o ganhou o brinquedo que viu na loja, � preciso entender que ela pr�pria tem pouco controle sobre seu corpo. Na pr�tica, diz Lerner, d� para ter empatia com isso sem deixar de impor limites claros.

"� uma linha t�nue. N�o � nem 't� bom, vamos comprar o unic�rnio', nem 'voc� est� sendo um mimado, um manipulador, nada de TV para voc� pelo resto do dia'", diz.

A primeira recomenda��o dela � manter a calma e ensinar � crian�a o que ela est� sentindo. E tamb�m refor�ar as regras e combinados da fam�lia.

"Eu diria que a maioria de n�s neste campo concorda, de modos gerais, que � disso que as crian�as precisam: compaix�o, empatia, ideias para solucionar problemas. 'Eu sei, � muito dif�cil quando voc� n�o pode assistir a mais um epis�dio do seu programa de TV favorito, mas � a nossa regra. Se voc� precisa de espa�o para lidar com isso, sem problemas. Podemos pensar em outras coisas que voc� pode fazer'. Voc� est� dando apoio, mas tamb�m estabelecendo um limite."

Nanda Perim fala que � importante olhar n�o s� ao comportamento da crian�a, mas ao que pode estar por tr�s dele.

Toda essa discuss�o tamb�m gera ressalvas aos m�todos de educa��o positiva - seja pela �nfase, em alguns casos, em atribuir o comportamento infantil a fatores como estresse e ansiedade. Seja porque algumas m�es enxergam isso como uma ferramenta de culpabiliz�-las.

Especialistas dizem que n�o � esse o caso.

"Digo que n�o traz mais culpa, mas sim mais responsabilidade. (...) Claro que d� muito mais trabalho analisar o fundo do iceberg e n�o s� a pontinha — se a crian�a est� com sono, fome, falta de rotina, ou se sentindo deixada de lado, in�meros fatores que levam a esses reflexos", diz.

No exemplo da relut�ncia em escovar os dentes, Perim sugere:

"A gente n�o vai explicar o que � c�rie para uma crian�a de dois anos. A gente vai bolar uma rotina em que ela tenha tempo para tr�s passos — entender, elaborar e aceitar que a hora de escovar os dentes est� chegando, e dar duas op��es: por exemplo, dois sabores de pasta de dente. Ao inv�s de dizer 'quer escovar os dentes?', que a crian�a vai responder 'n�o', voc� pode dizer 'quer escovar os dentes com sabor menta ou morango?' Porque a resposta imediata do c�rebro na primeira inf�ncia � n�o, por ser a resposta que defende a autonomia dela. Se a gente d� op��es, o c�rebro vai ter que pensar numa resposta", afirma.


Criança chorando e sendo abraçada
Compreender os sentimentos e seus gatilhos � uma habilidade de vida, diz psic�loga (foto: Getty Images)

"Se ela responde 'ah, nenhuma das duas'. Da� a gente vai encontrar ferramentas para suprir uma necessidade de comunica��o. Mas tem que entender que n�o � a crian�a testando a gente, n�o � um cabo de guerra. Com isso, a gente para de educar � base do medo, de 'o que a odontopediatra vai pensar do meu filho?', e passa a educar pelo lado do 'pera l�: deixa eu analisar o que pode ser (a raiz desse comportamento)?' (...) Na educa��o tradicional v�o achar que 'a m�e dessa crian�a � uma trouxa'. Mas na educa��o democr�tica � s� a gente suprindo necessidades de acordo com o desenvolvimento da crian�a."

Cantinhos de calma, e n�o de puni��o

Nessa linha, espa�os da casa ou da escola podem ser vistos como locais n�o de puni��o a um comportamento, mas de regula��o emocional em momentos de estresse. Dessa ideia surgiram os "cantinhos da calma".

"S�o espa�os que ajudam a acalmar, com livros e objetos de conforto (almofadas, brinquedos que possam ser jogados ou apertados)", explica Lerner.

A proposta � que a crian�a tope, voluntariamente, se acalmar ali — caso contr�rio, volta a ser uma medida punitiva.

Mesmo assim, nem sempre d� certo.

"Tudo isso � maravilhoso quando funciona. Porque pode acontecer de a crian�a se levantar do cantinho do aconchego e correr freneticamente, talvez em condi��es inseguras, jogando objetos pela casa, arranhando, batendo, cuspindo — coisas que observo diariamente nos meus encontros com fam�lias", afirma Lerner.

"� a� que os pais ficam confusos. O que voc� faz quando seu filho fica t�o fora de controle que se torna destrutivo? � hora de repensar. Porque no fim das contas, n�o temos controle sobre as crian�as, apenas controlamos a situa��o."

Nesses casos, uma op��o limite indicada por Lerner � manter a crian�a em um local fechado e seguro da casa, at� ela se acalmar, enquanto os pais se fazem presentes de um modo calmo.

"Percebi que era t�o prejudicial permitir que as crian�a fosse destrutiva daquele jeito, enquanto os pais imploravam para ela parar de bater, cuspir ou arranhar — mais prejudicial do que apenas dizer 'entendo, voc� est� muito nervoso porque n�o vamos ao parquinho, seu corpo est� fora de controle, voc� tem este espa�o seguro incr�vel onde pode bater, chutar, e eu estarei do outro lado da porta'. E sugiro aos pais que cantem ou falem do outro lado para mostrar sua presen�a. (...) Mas nenhum aspecto disso � punitivo. Para mim fica no limite de dar amor e apoio, calma e corregula��o emocional", defende Lerner.

Outro ponto importante: essas estrat�gias precisam ser combinadas previamente com as crian�as, mas em momentos de calma, e n�o de raiva — quando o c�rebro tem baixa capacidade de processar esse tipo de informa��o.

"Se os pais n�o t�m um plano em mente, � quando as coisas saem do controle. Porque sem um plano eles se tornam reativos, e a reatividade � o que escalona essas situa��es", afirma.

E pais tamb�m precisam ter suas necessidades supridas nesse processo todo, defende Nanda Perim.

"'O que eu preciso nessa rela��o com a minha crian�a? Por que eu estou gritando tanto? Quais os meus gatilhos? Quais estressores da minha vida est�o me fazendo t�o mal e me fazendo ser mais explosivo com a minha crian�a?' Se eu entendo a minha crian�a melhor, e me entendo melhor, � claro que a rela��o � muito mais gostosa. A crian�a se sente ouvida, amada, respeitada, e responde a isso", prossegue.

Perim cita outra pesquisadora do tema, Mona Delahooke. "Ela diz que voc� n�o precisa ser uma m�e perfeita para ter um filho incr�vel. Significa melhor do que os outros filhos? N�o. Mas algu�m que tenha habilidades de vida, que se conhece, que sabe lidar com suas emo��es, seus gatilhos. Ele vai ser perfeito? N�o. Mas pode uma pessoa incr�vel, que busque rela��es saud�veis, com habilidades de vida que n�s n�o tivemos porque nossos pais n�o tiveram acesso a essas informa��es."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62423859

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