
Metade das mulheres s�o desligadas da empresa cerca de dois anos ap�s a licen�a maternidade, segundo estudo realizado pela Funda��o Get�lio Vargas (FGV-Rio), com de 247 mil m�es, entre 24 e 35 anos. Isso em um pa�s onde a m�o de obra feminina representa mais de 54% da for�a de trabalho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
Em contrapartida, mulheres que s�o promovidas gr�vidas ou ap�s a licen�a maternidade integram um grupo seleto de situa��es em empresas que priorizam as compet�ncias profissionais. Sequer h� dados estat�sticos robustos a respeito, j� que elas ainda s�o a exce��o, n�o a regra.
A l�der de recrutamento e sele��o Jennifer Paloma de Moraes, de 27 anos, sabe bem que est� numa situa��o privilegiada — visto que foi promovida assim que voltou de sua licen�a maternidade, em 2021.
Em entrevista � BBC News Brasil, Jennifer, que entrou na atual empresa em novembro de 2019, n�o esconde que ficou extremamente surpresa quando foi comunicada sobre sua promo��o, afinal, ela diz que esperava o inverso, a demiss�o.
A jovem profissional n�o teve uma gesta��o planejada e conta que levou um susto quando descobriu — havia se casado quatro meses antes e tinha ambi��es profissionais que, at� ent�o, eram suas prioridades. Al�m disso, ela conhecia bem a desclassifica��o da maternidade do mercado.
Jennifer vinha tendo uma atua��o bem avaliada no trabalho e, com apenas dois meses de casa, foi promovida de j�nior para pleno, e havia uma promessa de que seria promovida novamente. Pouco depois, a gesta��o foi descoberta.
"Esse foi um momento bem dif�cil para mim, porque a gente sabe como � o mercado. Eu fiquei muito magoada, porque a gravidez n�o foi planejada, j� tinha iniciado o pagamento de uma p�s-gradua��o e tinha muito enraizado na minha cabe�a o quanto a maternidade prejudica uma mulher no mercado de trabalho", diz.Assim que soube da gravidez, Jennifer ligou para a sua antiga chefe contando a novidade, pedindo desculpa e dizendo que n�o merecia a promo��o que estava por vir, porque estava "naquela situa��o".
"E ela me deu uma resposta pronta: 'voc� est� doida? A sua entrega n�o tem nada a ver com a sua gravidez e o seu momento", recorda-se, com rigor de detalhes, aquela conversa, que fez toda a diferen�a, mas n�o inibiu seu estresse emocional.
Jennifer teve um descolamento e ficou afastada por 15 dias do trabalho, o que, segundo ela, aumentou ainda mais o seu desespero, tendo em vista que ela j� estava sonhando com a nova promo��o que, na sua cabe�a, n�o aconteceria mais.
Entretanto, na contram�o das estat�sticas, aos seis meses de gesta��o, a atual l�der de recrutamento e sele��o foi promovida de pleno para s�nior.
"Na minha cabe�a, eu n�o merecia porque ia ficar muito tempo fora. Mas foi bem gratificante, e eu comecei a acreditar que pessoas e empresas reconhecem mulheres, coisa que at� ent�o n�o seria palp�vel para mim. Eu tenho muito orgulho e ainda mexe bastante comigo voltar no tempo para falar sobre isso", comenta, emocionada.
Em mar�o de 2021, sua filha Lu�sa nasceu, ela saiu de licen�a, ficou quase seis meses afastada e estava certa de que seria desligada assim que retornasse ao trabalho.
"Assim que voltei, conversei com a minha atual gerente sobre as minhas inseguran�as, medos, tudo. E ela disse que n�o poderia prometer nada, mas que faria de tudo para me acolher e fazer com que eu realmente me sentisse parte do time", conta. "Ela me abra�ou e me levou para um outro lado", diz, ressaltando a import�ncia da empatia.
Novamente, depois de tr�s semanas do seu retorno, em setembro de 2021, Jennifer foi convidada pela gerente para fazer parte do time de lideran�a, ou seja, mais uma promo��o.
"Foi dif�cil de acreditar que isso estava acontecendo, mas quando a gente tem uma l�der mulher e que � m�e, ela sabe bem das dores que a gente passa. E hoje eu me sinto acolhida, faz tr�s meses que estou no time de lideran�a", comemora.
Toda essa trajet�ria — ela foi promovida tr�s vezes em tr�s anos de empresa — finalmente fez com que Jennifer acreditasse que � poss�vel ser m�e, profissional e o que mais ela quiser. O medo, desespero e inseguran�a deram lugar �s muitas alegrias profissionais que teve desde quando soube de sua gesta��o.
"Voc� s� precisa de algu�m que acredite em voc�. Eu tive v�rias pessoas que lembraram de quem a Jennifer era antes da gravidez e que me puxaram para cima, por isso, eu tive oportunidade de crescer junto com a (empresa) FCamara", conclui a l�der de recrutamento e sele��o, que segue trabalhando em home office e perto da filha.
Contratada durante a gravidez
A jornalista Julia Boarini, de 32 anos, remou contra a mar� e hoje � coordenadora de conte�do. Ela sempre teve vontade de engravidar, mas postergava o desejo justamente para priorizar sua carreira.
Mas o momento chegou. Em maio de 2021, descobriu que estava gr�vida.
Ela estava participando de alguns processos seletivos, pois pensava que se a gesta��o fosse vista como um problema pela futura empresa, a maternidade tamb�m seria. "E eu acho que toda m�e vai ter que se ausentar em algum momento por causa do filho. Ent�o a maternidade tinha que ser bem percebida pela empresa, isso era muito importante para mim", afirma.
E, para sua surpresa, segundo ela, a informa��o da gesta��o foi muito bem recebida pelas empresas. "Talvez porque em 90% dos casos eu estava sendo entrevistada por mulheres, e isso trouxe mais empatia."

Na empresa idwall, era um processo seletivo para uma vaga de assessoria de imprensa e, assim que come�ou a entrevista j� disse que estava no primeiro trimestre da gesta��o — o que n�o impediu a continuidade do processo. Ao contr�rio. Julia foi parabenizada pelos futuros colegas de trabalho. "Para mim essa foi uma sensa��o de felicidade, al�vio e um clima muito bom", confessa.
Ainda na entrevista com o gestor, Julia foi sinalizada de que quando voltasse da licen�a maternidade, ela poderia caminhar para uma vaga de coordenadora/lideran�a.
"Mas quando eu fui fazer a entrevista de emprego admissional com o m�dico, e falei que estava gr�vida, ele olhou para mim e perguntou: 'a empresa sabe?'. Eu disse que sim. Da� ele perguntou se eu tinha certeza e se ele podia escrever na minha ficha. Ele era um senhor de um pouco mais idade, ficou chocado e disse nunca ter visto isso", recorda-se, aos risos.
Ela foi contratada em julho e seu filho nasceria em janeiro, ou seja, trabalharia seis meses, e depois ficaria seis meses afastada de licen�a maternidade. "Mas no final de outubro de 2021, meu chefe me chamou e disse que queria me promover para coordenadora. Ent�o eu fui contratada e promovida durante a minha gesta��o", explica Julia, ressaltando que ficou surpresa com tudo que viveu em t�o pouco tempo.
A promo��o veio antes do esperado e, com ela, um turbilh�o de emo��es, nesse caso, positivas. Mesmo assim, o medo e a inseguran�a persistiram no final da gesta��o. As ang�stias s�o semelhantes a que muitas mulheres devem passar: "vou ficar seis meses fora, e se ocuparem meu lugar, e se a empresa mudar, e se n�o compreenderem minha nova fase?"
Mas Julia diz que recebeu todo apoio da equipe durante sua licen�a maternidade, e o time fez o que p�de para acalm�-la frente a tantos anseios pertinentes.
O beb� nasceu prematuro, em dezembro de 2021, e ela ficou preocupada por ter que deixar o trabalho antes do "esperado". "Mandei mensagem para o meu chefe pedindo desculpas e pensando 'meu Deus, eu t� pedindo desculpas por ter meu filho'. E a rea��o dele foi dizer exatamente que era um absurdo eu estar pedindo desculpa, que era uma not�cia maravilhosa. E eu fui muito bem acolhida ali", conta, emocionada.
Na �poca, como j� exercia um cargo de chefia, recebia singelas informa��es do que estava ocorrendo na empresa, mas o foco sempre foi que ela aproveitasse a licen�a para cuidar do filho. "Eu realmente tive um excelente l�der, super-humano, e sou muito grata por todo suporte que recebi", afirma.
Depois, a coordenadora de conte�do voltou do afastamento ainda preocupada com o que estaria por vir, mas as coisas caminharam normalmente.
Ambas as hist�rias, de Jennifer e Julia, s�o inspiradoras, mas � importante lembrar que s�o exce��es.
Mulheres desligadas do mercado de trabalho
O estudo citado no in�cio desta reportagem, com 247 mil m�es, foi realizado pela economista, pesquisadora e professora da Escola Brasileira de Economia e Finan�as (EPGE) da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) Cec�lia Machado e alguns colegas.
"N�s reproduzimos esse estudo com dados mais recentes, de 2019 e 2020 e � tudo mais ou menos a mesma coisa. Esse � um resultado bastante est�vel, que n�o muda com tanta frequ�ncia. O (resultado) l�quido � de uma perda de emprego ap�s a licen�a maternidade, ou seja, elas saem do mercado de trabalho", diz a pesquisadora.
Ela pondera que os resultados obtidos mostram que entre 40 e 50% das m�es s�o desligadas. Isso significa que elas foram demitidas, mas tamb�m podem ter pedido demiss�o, tendo em vista que n�o houve um recorte espec�fico apenas para demiss�es. Al�m disso, o mesmo efeito do desemprego, em parte, tamb�m � visto como uma penalidade em sal�rio, ou seja, essas mulheres, posteriormente, podem passar a ganhar menos.
"No l�quido, o que a gente observa � muito mais uma tend�ncia de sa�da de desligamento do que uma tend�ncia de contrata��o ou de promo��o", avalia a economista.
Machado lembra que esses s�o dados administrativos do Minist�rio do Trabalho, por isso, n�o h� como saber o que est� acontecendo em tempo real, mas acredita que a pandemia favoreceu o trabalho para essas mulheres, devido a flexibilidade nos arranjos, como o home office para algumas.
Outro ponto a ser levado em conta para a reten��o dessas m�es no trabalho � a melhora da economia. A taxa de desemprego no Brasil recuou para 8,7% no terceiro trimestre de 2022 — a menor marca desde o segundo trimestre de 2015, que ficou em 8,4%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad), divulgados pelo IBGE.
"Com essa recupera��o do mercado de trabalho que temos visto, aumenta a consci�ncia de que h� uma for�a de trabalho muito qualificada que, sendo desligada, voc� perde v�rios tipos de investimentos que as pr�prias firmas fazem nas mulheres. Existe um valor em ret�-las no mercado", salienta a professora da FGV.

Pol�ticas p�blicas s�o necess�rias para melhorar cen�rio econ�mico para m�es
Para a economista e professora da FGV, uma forma de melhorar a situa��o das m�es seria ampliar a pol�tica de licen�a maternidade para licen�a parental, ou seja, tanto m�e quanto pai terem os mesmos direitos. Ela argumenta que, quando h� uma pol�tica que designa apenas �s mulheres o afastamento do trabalho para cuidar dos filhos, enquanto os homens n�o t�m esse direito, a desigualdade no mercado de trabalho � alimentada.
"Uma pol�tica p�blica importante � a discuss�o e efetiva��o das licen�as parentais, flexibilidade no mercado de trabalho e a pr�pria consci�ncia das empresas de que a m�o de obra feminina nas empresas � muito produtiva", pontua Machado.
Vale ressaltar que m�es, j� com filhos pequenos, t�m ainda mais dificuldade de se estabilizar economicamente. Segundo dados do IBGE de 2021, o n�vel de ocupa��o das mulheres de 25 a 49 anos que vivem com crian�as de at� tr�s anos era de 54,6%, contra 89,2% no caso dos homens, que estavam na mesma faixa et�ria e situa��o.
Isso ocorre, em parte, porque no Brasil e em v�rias partes do mundo, ainda patinamos na ideia de que apenas a mulher deve deixar seu trabalho para cuidar do filho.
Por fim, chegamos no mesmo ponto: os principais entraves s�o a desigualdade das responsabilidades dom�sticas e a falta de pol�ticas p�blicas que realmente incentivem as empresas a mudar essa realidade.
"Licen�a paternidade de uma semana ou um pouco mais � uma piada. O homem tem que ter a mesma propor��o da licen�a maternidade", defende tamb�m a psic�loga, especialista em psicologia perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline, Rafaela de Almeida Schiavo.
A especialista, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia, prossegue dizendo que "ap�s a licen�a, esse homem tamb�m teria que dizer 'olha, hoje eu n�o vou trabalhar porque o meu filho est� com febre e eu preciso lev�-lo ao m�dico'. Isso facilitaria (combater) a desigualdade que vivemos hoje", prossegue Schiavo.
Desigualdade dom�stica � um dos principais entraves
Atualmente, a legisla��o brasileira determina que mulheres com carteira assinada n�o podem ser demitidas sem justa causa a partir do momento em que a gravidez � concebida at� cinco meses ap�s o parto.
Em geral, a licen�a maternidade � de 120 dias corridos. Portanto, quando a profissional retorna desse per�odo, ela ainda ter� um m�s de estabilidade. "� muito comum, por�m, que a mulher emende a licen�a com alguns dias de f�rias. Se ela fizer isso, por exemplo, unindo 120 dias de licen�a a 30 dias de f�rias, ao retornar � empresa ela j� ter� esgotado seu prazo de estabilidade", alerta a advogada especialista em direitos das mulheres, Karoline Soares Chaves.
H� tamb�m, acrescenta a advogada, empresas que aderem ao Programa Empresa Cidad� e oferecem licen�a maternidade de 180 dias corridos. Nesses casos, o per�odo de estabilidade pode ser prorrogado em at� 60 dias, dependendo do pedido da profissional ou da ades�o volunt�ria da pr�pria empresa.
Ao contr�rio das mulheres cujas hist�rias foram contadas nesta reportagem, a psic�loga Rafaela de Almeida Schiavo lembra outro lado ainda obscuro no cen�rio. "Muitas vezes, essa mulher estava para ser promovida de cargo na empresa, mas vem uma gesta��o e, quando ela volta da licen�a maternidade, outra pessoa j� est� no lugar que, at� ent�o, seria dela", lamenta a especialista.
Essa situa��o, al�m de atingir economicamente a fam�lia, especialmente as m�es solo, tamb�m pode afetar a sa�de mental. Ou seja, em vez da maternidade ser um per�odo de descobertas e, em geral, positivo, pode gerar uma instabilidade emocional que pode prejudicar a m�e e a estrutura familiar.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64252528