
A um quarteir�o da entrada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na �nica casa que restou na Avenida Carlos Luz, na Regi�o da Pampulha, refugia-se, em meio a 4 mil metros quadrados de mata, 11 esp�cies de p�ssaros, 400 �rvores e cerca de 35 mil amostras de lib�lulas j� catalogadas, o professor em�rito da institui��o Angelo Machado, de 81 anos. Durante exatos 55 anos, ele percorreu, muitas vezes a p�, o curto trajeto que o separa daquela institui��o de ensino superior, onde se dedicou a dar aulas a universit�rios nas �reas de medicina e entomologia (ci�ncia que estuda insetos). Ainda hoje, o professor aposentado mant�m laborat�rio no c�mpus e � procurado, a todo tempo, para orientar teses de alunos e pesquisadores.
“Nos dias das Crian�as e dos Professores, parabenizo a todos os colegas que d�o aulas para crian�as. Se tivesse de recome�ar hoje, gostaria de ajudar a form�-las”, afirma o professor, que se intitula atualmente mais como um autor de livros infantis. J� lan�ou 37 deles e, para o ano que vem, prepara hist�ria in�dita, que vir� com a vers�o para ser adaptada em pe�a teatral. Sua obra de maior sucesso, sem d�vida, � a pe�a adaptada do livro Como sobreviver em festas e recep��es com buf� escasso, segundo recorde de bilheteria em Belo Horizonte, h� 15 anos em cartaz com o comediante Carlos Nunes.
J� na entrada da casa, na movimentada ex-Catal�o, a natureza se imp�e com toda a for�a. � direita, os visitantes s�o convidados a voltar os olhos para o Jardim da Concei��o, conforme avisa a plaqueta. O canteiro est� menos vi�oso h� oito anos, desde a morte de Concei��o Ribeiro da Silva Machado, mulher e parceira de Angelo por aproximadamente 30 anos nos estudos de neuroanatomia. “Sabia que at� hoje n�o me acostumei?”, confessa o homem, com certa melancolia, apesar de fazer fama pelo ineg�vel bom humor e tiradas inteligentes. Mas Machado logo se distrai na companhia dos p�ssaros e do canto de uma cigarra que, segundo ele, j� era esperado nesta �poca da primavera.
“� pai, quando crescer vou ser ca�ador de formigas”, conta o professor, achando gra�a nos dizeres ing�nuos do ca�ula Eduardo, irm�o de Paulo. Ao todo, vieram sete netos. Na inf�ncia, Angelo tamb�m queria ser colecionador de insetos. Lembra-se de que catou quatro besouros, guardados em uma caixa de f�sforos, que foram exibidos a um padre, que desafiou o adolescente de 16 anos a descobrir o nome cient�fico de cada um. Come�ava ali a paix�o pelos insetos, que, na maioria das pessoas, costuma provocar ojeriza. “� puro preconceito. J� fui chamado para ajudar a tirar o medo de muitos adultos. De in�cio, � uma tend�ncia da crian�a gostar dos bichos. Os adultos � que atrapalham tudo”, defende o professor, contando que certa vez levou um exemplar de bicho-pau e o colocou na pr�pria ‘careca’ para demonstrar como era inofensivo. As crian�as riram bastante, completa o autor de O dilema do bicho-pau.
Nesse momento da entrevista, Machado � despertado por um cricrilar diferente. Era o barulho do telefone fixo. Mais uma vez, Angelo Machado recebe convite para dar palestras sobre o meio ambiente e a preserva��o das esp�cies em extin��o para estudantes do Loyola, col�gio onde estudou. Em vez de confirmar presen�a, prefere sugerir em seu lugar pesquisadores da Funda��o Biodiversitas, a qual ajudou a fundar. “Se estiver bem em novembro, eu vou, mas n�o posso garantir”, avisa o professor, ironizando (como sempre) que a dor nas pernas tornou-se boa desculpa para recusar palestras. Chegou a ministrar 400 em um ano, antes de sofrer um c�ncer, seguido de pneumonia com enfarte. Sarou de quase tudo.
“Essa minha voz fanhosa � devido ao processo de miopatia benigna. Fui bem de sa�de at� os 60, mas agora me doem as pernas”, revela o professor, que faz fisioterapia duas vezes por semana e gin�stica respirat�ria diariamente. H� cinco anos, Angelo Machado passou a depender do apoio da bengala para se locomover. Gosta de brincar que a maior expedi��o que faz, atualmente, � da varanda de casa at� a caixa de correio. � pouco para quem andou por uma semana inteira no meio dos �ndios da aldeia Tiri�, na Amaz�nia. A maior parte das 96 esp�cies que ele descobriu foram batizadas com sobrenomes ind�genas, al�m das homenagens feitas a cada um dos filhos e netos. Ele pr�prio d� nome a cerca de 30 insetos, incluindo pelo menos oito lib�lulas, tr�s borboletas, sete besouros e dois sapos. “Ele � at� bonitinho”, goza o professor, referindo-se ao amigo Dendrobates machados.
Na terceira carreira na vida, depois de professor de anatomia e entomologista, Machado diverte-se publicando livros infantis da maior seriedade, que tratam de esp�cies como ararinha-azul, lobo-guar�, cobra e at� do tatu. Com semblante divertido, Machado lembra que as lib�lulas ainda n�o protagonizaram uma obra, apesar de aparecerem em cada canto da casa da Pampulha, seja em quadros na parede e at� nos azulejos do banheiro. “Elas s�o minha primeira paix�o, seguidas das borboletas”, garante o professor, exibindo exemplares fincados em alfinetes, alguns ainda in�ditos, acomodados em dezenas de gavetas no escrit�rio. De repente, o encantador de adultos e crian�as tira da cartola a borboleta At�ria, personagem do livro infantil publicado pela tia de primeiro grau, L�cia Machado de Almeida. Est� achando que acabou? Em outro esconderijo secreto, surge o verdadeiro escaravelho do diabo, que tirou o sono de muita gente na inf�ncia. Fascinante, para todas as idades.
O POVO FALA
ALGUM PROFESSOR ENCANTOU SUA VIDA?

Ad�lia Maria Salgado Lago Pinheiro , 71 anos, ex-professora
“Quando eu estava na escola, eu gostava da minha professora de desenho. Ela era minha amiga, mas eu n�o tinha o dom para a disciplina. Depois, tornei-me professora. Dava bronca mesmo nos alunos que n�o faziam o dever de casa.”

Roberto Pereira, 69 anos, corretor
“Tive sorte que meu pai e minha m�e eram professores. Eu sofri, eram muito exigentes, mas muito bons. O formador � tudo na vida, � exemplo de responsabilidade. O que falta no mundo s�o mais professores na vida e, quando eles est�o em casa tamb�m, melhor ainda.”

Thain� Roberta Santos da Silva, 20 anos, estudante
“Tenho um professor que me impressiona. Ele � muito inteligente, fala muito bem. Eu estudo ci�ncias cont�beis e ele leciona direito tribut�rio. Gosto tanto das aulas, que me inspirei nele e pretendo at� fazer o curso de direito.”

Rafaello Della Croce, 30 anos, engenheiro
“Tive um professor que me fez gostar de hist�ria. Ele contava de uma forma t�o legal, que me despertava interesse pelo assunto.”