

“Fala, parceiro, posso estacionar aqui? S� vou ali beber uma cervejinha e j� volto”, pergunta o jovem ao frentista ao entrar em um posto de gasolina que oferece bebidas alco�licas na Zona Sul de Belo Horizonte. Essa frase resume bem a conduta do motorista quando o assunto � o respeito � Lei Seca. Oito meses depois das blitzes que ca�am quem bebe e dirige, muita gente ainda ignora a pol�cia nas ruas e prefere correr o risco de ser pego. O EM percorreu ruas e avenidas da cidade, mediu a velocidade dos carros onde o movimento da boemia � grande e constatou que v�rios motoristas n�o t�m o menor pudor em beber por horas e depois assumir o volante. Alguns chegam at� a entrar no carro com garrafas de cerveja. E os dois casos mais recentes da mistura de �lcool e volante na Grande BH mostram que a situa��o � preocupante. Em dois acidentes, tr�s pessoas morreram.
Na semana santa, o securit�rio Rodrigo de Oliveira Campos, de 26, dirigia um Vectra quando bateu em um Fiat Uno e causou a morte de um casal na Rua Jacu�, no Bairro Ipiranga, Nordeste da capital. Ele seguia em alta velocidade e h� suspeita de que estivesse sob influ�ncia de bebida alco�lica. No outro caso, Marcus Vinicius Claudino Fonseca, de 29, conduzia um Fiat Stilo nas proximidades do Viaduto da Mutuca, na BR-040, em Nova Lima, na Grande BH, quando o carro bateu em t�xi, arrancou um poste e capotou oito vezes. Uma jovem de 27 anos, que era passageira, morreu. O grupo de quatro pessoas voltava de uma festa no Bairro Jardim Canad� e, segundo a Pol�cia Rodovi�ria Federal, o motorista estava em alta velocidade e tinha claros sintomas de embriaguez. Os motoristas que causaram os dois acidentes respondem ao processo em liberdade.
O avan�o da imprud�ncia far� a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apertar mais a fiscaliza��o. A partir de julho, as blitzes ser�o ampliadas para todos os dias da semana, como ocorre no Rio de Janeiro, refer�ncia nesse tipo de trabalho. Hoje, a Pol�cia Militar tem 386 baf�metros e a Pol�cia Rodovi�ria Federal 140. De acordo com a Seds, o governo ainda n�o sabe quantos aparelhos novos ser�o adquiridos.
O quadro preocupante na capital � ilustrado por n�meros. Apenas nos quatro primeiros meses deste ano, segundo o Departamento Estadual de Tr�nsito (Detran), foram registrados 605 boletins de ocorr�ncia por embriaguez ao volante, mais da metade dos 1.207 de 2011. O n�mero de acidentes causados por motoristas b�bados sem v�timas tamb�m tende a superar o total do ano passado. De janeiro a abril deste ano, foram 264 ocorr�ncias, 47% do verificado em 2011, quando houve 553 batidas relacionadas ao uso de �lcool. J� o n�mero de acidentes com v�timas ligados � embriaguez segue uma tend�ncia de fechar o ano mais baixo do que em 2011. At� abril foram 143 registros, o que corresponde a 27% do ano passado.
Abusos na noite
Para mostrar os exemplos do desrespeito, n�o � preciso procurar muito. Postos de gasolina, bares e casas noturnas ficam lotados de gente que bebe antes de dirigir. No Bairro Belvedere, Centro-Sul da capital, em plena quarta-feira � f�cil ver os abusos. O EM flagrou um grupo de motociclistas bebendo por v�rias horas num posto. No in�cio da madrugada, cada um subiu em sua moto e foi embora. Animado, um grupo de amigos bebe v�rias garrafas de cerveja e vai para um canto do posto. Ressabiados, olham para os lados e acendem um cigarro de maconha. Por volta das 2h da manh� de quinta, chega a hora de ir embora para dois colegas. Cada um est� em seu carro. Eles se despedem e, depois de beber e fumar, cada um sai em alta velocidade.
Um funcion�rio do posto garante que a situa��o se repete quase todos os dias. “Eles bebem, falam alto, arrumam brigas e saem dirigindo sem nenhum problema. A pol�cia costuma entrar para ver se est� tudo bem, mas ningu�m deixa de dirigir”, afirma.
Outro ponto da capital onde bebida e dire��o andam juntas � a Avenida Francisco S�, no Prado, Oeste de BH. Fregueses dos dois bares na esquina da Rua Ametista lotam a avenida. Na quinta-feira, era dif�cil at� encontrar passagem de carro em meio � quantidade de pessoas que se aglomeravam com copos ou garrafas de cerveja nas m�os. O administrador de empresas Fred Avelar, 31 anos, admite que bebe e dirige, mas s� faz isso perto de casa. “Eu sei que a Lei Seca precisa ser mais eficaz, mas as pessoas tamb�m precisam ter consci�ncia. Admito que bebo, mas reduzo consideravelmente a velocidade e saio sempre perto de casa”, garante.
Segundo o subsecret�rio de Promo��o da Qualidade e Integra��o do Sistema de Defesa Social, Robson Lucas da Silva, a Lei Seca � dimensionada dentro das possibilidades do efetivo da Pol�cia Militar e da Guarda Municipal, que tamb�m cede homens para as blitzes. “Atualmente, trabalhamos com quatro pontos de fiscaliza��o em cada dia do fim de semana, sendo que as equipes tem entre 20 e 25 homens. J� estamos adquirindo equipamentos eletr�nicos para ganhar mais tempo nas abordagens e novos baf�metros. O efetivo ser� ampliado para termos fiscaliza��o sob a bandeira da Lei Seca todos os dias da semana. Vamos come�ar essa etapa at� o meio do ano”, garante o subsecret�rio. Um estudo que vai definir o n�mero de pontos nos dias de menor movimento ainda ser� conclu�do. “Vamos ver qual � a demanda para planejarmos da maneira mais eficaz poss�vel”, completa Robson Lucas.
BEBER, DIRIGIR, ACELERAR...
Uma das avenidas preferidas de quem curte a vida noturna em Belo Horizonte � a Raja Gabaglia, nas proximidades dos bairros S�o Bento e Santa L�cia, Centro-Sul da capital. A via abriga v�rias boates e sal�es de festas em que h� consumo de bebida alco�lica, muitas vezes por pessoas que bebem e saem dirigindo. O EM contou com a colabora��o da empresa ImTraff Consultoria e Projetos de Engenharia, especializada em engenharia de tr�fego, para medir a velocidade de carros que passaram em um trecho da avenida na madrugada de sexta-feira e constatou que, em apenas 15 minutos, oito ve�culos estavam acima do limite permitido. Um deles foi registrado pelo radar port�til trafegando a 111 km/h, quase duas vezes o limite de 60 km/h.
O analista Rog�rio D’�vila, da empresa que fez as medi��es, ficou surpreso com o resultado. “Dos oito carros que passaram acima do permitido, dois estavam a 72 km/h, um a 73km/h e os outros cinco acima de 90 km/h, velocidade muito alta para a via”, diz ele. Enquanto os carros cortavam a Raja, a reportagem presenciou frequentadores de uma boate saindo do local com garrafas de cerveja. Dois amigos se dirigiram a um estacionamento e entraram cada um em um carro ostentando as bebidas. Um retorno proibido na avenida e eles seguiram rumos diferentes, acelerando os ve�culos e fazendo barulho para quem estava do lado de fora da boate.
Ao lado da casa noturna, um posto de gasolina funciona � noite como estacionamento. Um dos funcion�rios j� perdeu a conta de quantas vezes viu motoristas embriagados sentando no banco do motorista. “J� precisei conversar com muitos pedindo para dar uma melhorada antes de sair. Tem gente que entra no carro e n�o d� conta nem de virar a chave. E isso aqui � quase todo dia, s� domingo e segunda que n�o”, diz o seguran�a. Assim que ele termina a frase, o barulho dos pneus de um Palio corta os ouvidos de quem est� na avenida. O motorista saiu de repente do estacionamento e fez um movimento brusco para chegar ao asfalto, onde pisou fundo e foi embora.
Para o doutor em engenharia de transporte e professor de seguran�a vi�ria Frederico Rodrigues, a alta velocidade medida na Raja e a voca��o da avenida para o consumo de bebida alco�lica s�o um fator preocupante. “Como boa parte da via � uma descida no sentido bairro/Centro e h� v�rias curvas fechadas, a possibilidade de acidentes � muito maior para o indiv�duo embriagado, pois ele tem menos reflexos. E os valores das velocidades observados mostram que a potencialidade � muito grande em caso de acidentes, pois uma batida a 100km/h nessas condi��es tem um poder destrutivo muito grande”, afirma.
Estrat�gia De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), a Raja Gabaglia � um dos principais pontos de fiscaliza��o. “Uma vez por semana, nos reunimos com representantes de todas as autoridades envolvidas e escolhemos os pontos de acordo com experi�ncias e a programa��o da cidade. “A Raja � um ponto importante de consumo de �lcool e na maioria das vezes estamos por l�, assim como outros pontos, como a Rua S�o Paulo, Avenida Nossa Senhora do Carmo, Afonso Pena, entre outros”, informa o subsecret�rio de Promo��o da Qualidade e Integra��o do Sistema de Defesa Social, Robson Lucas da Silva.
“Para diminuir o problema da embriaguez ao volante, os motoristas t�m de se conscientizar e parar de combinar �lcool e dire��o. O poder p�blico n�o tem condi��es de estar em todos os lugares, ent�o, as pessoas t�m de mudar as atitudes. Noventa e cinco por cento de quem bebe e dirige tem at� 30 anos e n�o mede as consequ�ncias dos seus atos”, afirma o delegado Ramon Sandoli, coordenador de Opera��es Policiais do Departamento Estadual de Tr�nsito de Minas Gerais (Detran/MG).
Trecho da BR-040 considerado cr�tico
No trecho de 10 quil�metros da BR-040 onde o representante comercial Marcus Vinicius Claudino Fonseca, de 29 anos, capotou um Fiat Stilo no dia 5, e causou a morte de Nathalia Azeredo Coutinho e Rosa, de 27, 84 pessoas j� foram autuadas por embriaguez ao volante e 40 presas, entre janeiro de 2010 e 30 de abril deste ano. O trecho � considerado cr�tico pela Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF), porque liga o Bairro Jardim Canad�, em Nova Lima, na Grande BH, � entrada de BH. Como h� casas noturnas que promovem casamentos e formaturas e a bebida � liberada, v�rios motoristas abusam do �lcool e pegam a rodovia, conforme suspeita da PRF no caso do representante comercial. Ele saiu de uma festa por volta das 6h com sinais claros de embriaguez e assumiu a dire��o do carro, o que, para a Pol�cia Civil, caracteriza o dolo eventual.
Segundo o assessor de comunica��o substituto da PRF em Minas Gerais, inspetor Adilson Souza, se comparados ano a ano, os n�meros demonstram queda nos acidentes, nas pris�es e nas autua��es relacionadas � embriaguez, o que, segundo ele, comprova a atua��o da pol�cia. Em 2010, foram 16 acidentes relacionados ao uso de bebida alco�lica no trecho, n�mero que caiu para sete em 2011 e chegou a tr�s este ano. “A PRF � totalmente sens�vel a essa situa��o e faz ronda rotineira no trecho. Nos locais de festa atuamos registrando outras infra��es, como estacionamento irregular, para mostrar a presen�a da pol�cia. Os promotores de alguns eventos j� chegaram at� a publicar a informa��o de que a PRF estaria presente na rodovia para fiscalizar o abuso de �lcool depois das festas”, garante o inspetor.
Se os �ndices de acidentes est�o em queda nesse trecho considerado perigoso por ser �ngreme e ter curvas acentuadas, no geral, as mortes relacionadas a bebidas alc�olicas est�o subindo, na an�lise do conjunto das rodovias federais que cortam Minas Gerais. Em 2010, 28 pessoas perderam a vida em acidentes com motoristas embriagados, n�mero que aumentou 28,5% em 2011 e chegou a 36 �bitos. Em 2012, 12 pessoas j� morreram em acidentes.
A esse fato, a PRF credita o aumento da frota e o surgimento de carros cada vez mais possantes. “As ocorr�ncias est�o ficando mais graves por conta das caracter�sticas dos ve�culos, que correm mais e est�o mais presentes nas rodovias. Para tentar diminuir esse quadro, j� fizemos nos quatro primeiros meses deste ano mais de 30 mil testes de alcoolemia, enquanto nos �ltimos quatro meses do ano passado foram 16,4 mil exames”, completa o inspetor.
Lei Seca pode ficar mais rigorosa
O Projeto de Lei 5.607/09, que prev� o endurecimento da Lei Seca, aprovado em 11 de abril pelo plen�rio da C�mara dos Deputados, aguarda o parecer do relator na Comiss�o de Constitui��o, Justi�a e Cidadania do Senado. Depois de submetido � aprova��o da comiss�o, tem um prazo para receber emendas e segue para vota��o no Senado. Se aprovado sem emendas, vai � san��o da presidente Dilma Rousseff. Se for vetado, volta � C�mara dos Deputados para nova vota��o. O projeto prev� que novas provas como v�deos ou testemunhos provando a embriaguez podem servir no momento de abertura de um processo criminal. Al�m disso, a multa para quem dirige b�bado subiria de R$ 957,70 para R$ 1.915,40. Caso o condutor n�o concorde com as provas, pode fazer o teste do baf�metro como contraprova. Tanto o baf�metro quanto o exame de sangue continuam valendo para provar a embriaguez.
Fiscaliza��o mais rigorosa
Valdir Ribeiro Campos, psiquiatra especializado em depend�ncia qu�mica, membro da Comiss�o de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e uso de outras Drogas da Associa��o M�dica de Minas Gerais
O texto da legisla��o que trata da proibi��o de beber e dirigir � bom e funciona como boa medida para redu��o dos acidentes de tr�nsito tendo em vista que qualquer quantidade de �lcool no sangue aumenta o risco de envolvimento em desastres automotivos. Entre os jovens, que geralmente t�m comportamento mais agressivo no tr�nsito, o problema � ainda maior. Condutores com idade entre 18 e 30 anos s�o geralmente mais impulsivos, dirigem com mais velocidade, n�o usam cinto e n�o respeitam sinaliza��o. Entre os acima de 30 anos, tamb�m h� risco, mas h� um cuidado um pouco maior com a vida. De todo modo, n�o se pode desprezar o risco em todas as situa��es. Para isso, as a��es de fiscaliza��o devem ser mais rigorosas. N�o adianta fazer blitzes apenas no fim de semana e, al�m disso, privilegiar a Regi�o Centro-Sul. Existem pessoas que bebem e dirigem por toda a cidade. Para que a lei tenha credibilidade, ela precisa de boa aplica��o e cumprimento.