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Estado de Minas

Primeira mulher a interromper gravidez de feto anenc�falo recome�a vida ap�s a dor

Regiane Rocha da Cunha Silva foi a primeira mulher em Minas autorizada a interromper a gravidez de um feto anenc�falo ap�s a decis�o do STF


postado em 19/05/2012 06:00 / atualizado em 19/05/2012 07:17

O beb� nascia, a m�e o tomava nos bra�os e observava com aten��o. Aliviada, percebia que ele era saud�vel, “perfeito”. O sonho delicado atormentou como um pesadelo as noites da cabelereira Regiane Rocha Cunha da Silva. “Eu acordava e, nossa! N�o era nada daquilo”, recorda, chorando. Ela estava gr�vida de 17 semanas e quatro dias quando a ultrassonografia acusou: seu beb� era anenc�falo. O c�rebro de forma��o incompleta o condenaria a morrer horas ou dias ap�s o parto. Regiane, de 25 anos, foi a primeira mulher de Minas Gerais a interromper a gesta��o de um feto anenc�falo ap�s a descriminaliza��o pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O pedido de Regiane, negado em mar�o pela Comarca de Brumadinho, foi acatado em segunda inst�ncia pela 18ª C�mara C�vel do Tribunal de Justi�a do Estado. Em 3 de maio, o parto do natimorto foi realizado no Hospital J�lia Kubitschek, na Regi�o do Barreiro, em Belo Horizonte. Ainda em resguardo, Regiane decidiu contar sua hist�ria em entrevista exclusiva ao Estado de Minas.

Na tarde de quinta-feira, em uma sala da Ordem dos Advogados do Brasil, Regiane estava acompanhada do marido, o bombeiro Vander Glayson Ant�nio da Silva, de 32 anos. No in�cio da conversa, estava insegura, mas, aos poucos, foi se deixando conhecer. Nascida em Vit�ria da Conquista, na Bahia, filha de lavradores de pouca terra, aos 19 anos Regiane foi tentar a vida em S�o Paulo, � maneira de tantos outros nordestinos. Aos 22 anos, mudou-se para Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, para morar com um irm�o. Acabou gostando da cidade. Em julho de 2009 ela conheceu Vander em uma festa de anivers�rio. Apaixonados, passaram a morar junto duas semanas depois e em julho de 2010 se casaram. A proposta de ter um filho partiu de Vander. “Ele me pressionou, disse que queria ser pai antes dos 35 anos”, conta. “N�o foi press�o. Eu queria ter pique para jogar futebol com o menino quando ele fosse adolescente”, explica. Cinco meses de tentativas e a gravidez foi confirmada em novembro. No in�cio, foi dif�cil saber o sexo do beb�. Nas primeiras ultrassonografias, as perninhas sempre estavam fechadas.

A not�cia

A ultrassonografia finalmente revelou que um menino estava � caminho: era Jo�o Ant�nio – nome escolhido pelos pais. Tinha 17 semanas e quatro dias de gesta��o. Por�m, na mesma sess�o, o m�dico disse que o beb� tinha “um problema”. “Que tipo de problema?”, perguntou Regiane, que havia ido desacompanhada ao posto de sa�de. “Anencefalia”, anunciou o m�dico. “O que � isso? � um rem�dio que eu vou ter que tomar?”, a m�e n�o entendeu... Depois de explicar, o m�dico a aconselhou a abortar. Regiane n�o acreditava no que ouvia. No dia seguinte, ela e o marido foram a uma cl�nica em Belo Horizonte onde outras duas ultrassonografias confirmaram o diagn�stico.

Regiane chorou quase sem parar nos dias seguintes. “Achei que ela ia enlouquecer”, recordou Vander. A m�e se desesperava, o pai se indignava. “Fiquei revoltado at� com o pr�prio Deus. Cheguei a descrer. Como � que aquilo podia acontecer comigo, que queria tanto ter um filho, que n�o tinha v�cio nenhum? Depois fui me conformando”, relata Vander. A m�e vacilava, n�o sabia se queria mesmo interromper a gravidez. “Fui pesquisar na internet e l� dizia que o beb� anenc�falo parecia uma r�. Aquelas fotos mais horr�veis do mundo. Depois que vi, fiquei pirada: ‘Quero tirar isso de mim.’”

O apoio

Na Maternidade Sofia Feldman, em Belo Horizonte, ela e Vander se tranquilizaram ao ouvir da m�dica que o beb� “era um anjinho que vinha ao mundo para passar pouco tempo”, lembra Regiane. “Foi quando voltei a amar meu filho.” Regiane continuou decidida a precipitar o parto, mas chegou a hesitar por causa do marido. Vander passou a achar que o melhor seria deixar o filho nascer, ainda que pudesse morrer logo em seguida.

“Mas, vendo a ang�stia dela, minha cabe�a mudou. Decidi apoi�-la na decis�o que ela tomasse”, contou. Foi Vander que, por telefone, explicou a situa��o para os pais de Regiane, na Bahia. A fam�lia concordou com a interrup��o, mas foi preciso lan�ar m�o de uma “pequena mentira”. Ao pai da mo�a, cat�lico fervoroso, “falei que o beb� poderia trazer at� mesmo a morte de Regiane”, revelou. A m�e de Vander, esp�rita, “foi contra e ponto final”. Em 30 de abril, uma segunda-feira, Regiane foi internada no Hospital J�lia Kubitschek. Passou a tomar comprimidos para induzir as contra��es. Na quinta-feira, �s 17h30, veio � luz, com 26 semanas e um dia de gesta��o, o menino Jo�o Ant�nio.

Minutos de conviv�ncia

Logo depois de dar � luz, ainda deitada no leito, Regiane Rocha Cunha da Silva perguntou ao marido Vander: “Ele est� feio?”. O rapaz respondeu: “N�o, est� bonito. Pode olhar”. Antes, ela pediu � m�dica que pusesse uma manta no corpo do beb� e uma gaze sobre a cabe�a. “Tinha medo de v�-lo, do impacto que seria. Queria ir aos poucos”, justifica. Primeiro ela levantou a manta e viu que o corpo do beb� era perfeito. Em seguida, tirou a gaze e viu a forma��o incompleta no topo da cabe�a. N�o se assustou. Acariciou-o e jura que ele se mexeu: voltou o rosto para seu lado e depois tornou � posi��o inicial. Vander tamb�m percebeu.

O atestado de �bito o registrou como natimorto, mas o casal tem certeza de que ele nasceu vivo. O corpo min�sculo do beb� foi enterrado em 4 de maio, em uma cerim�nia simples, � qual compareceram apenas familiares e amigos e � qual faltou Regiane, ainda internada no hospital. “Foi a decis�o mais dif�cil que tomei at� hoje, com certeza. Ainda que ele fosse morrer depois de nascer, na minha barriga ele estava vivo”, resume Regiane.

Hoje, ela se sente mais madura: “N�o � que n�o respeitasse as pessoas, mas passei a trat�-las melhor. Eu era meio arrogante, controladora. Vi que n�o vale a pena ser t�o rigorosa. Tudo o que a gente planejou n�o deu certo. As coisas fogem ao nosso controle”. Marido e mulher disseram que, agora, amam-se mais do que antes.

“Apesar do que aconteceu, a gente se aproximou pra caramba. Penso que Deus mandou para isso mesmo. A gente estava brigando muito. H� males v�m para o bem”, garantiu Vander. Regiane confirmou com um sorriso. O casal j� pensa em outra gravidez. “Ainda preciso tomar uns rem�dios, mas daqui a seis meses vamos tentar de novo”, planeja Regiane.

Gratid�o


Regiane e Vander haviam acertado que se manteriam an�nimos na reportagem do Estado de Minas. Ele n�o tinha medo de se identificar, mas a cabelereira receava vir a sofrer algum tipo de hostilidade. Ao final da conversa, inesperadamente, mudaram de ideia. “Contando nossa hist�ria e mostrando quem somos, queremos ajudar outras pessoas que venham a passar pelas mesmas dificuldades”, justificou Vander. Regiane at� se sentiu � vontade para pedir: “Voc� pode botar que n�s agradecemos o pessoal do hospital que fez o parto? Eles cuidaram muito bem de n�s”.


Decis�o hist�rica

Em 12 de abril, ap�s oito anos de discuss�o, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que mulheres que optam por abortar fetos anenc�falos e m�dicos que interrompem a gravidez n�o cometem crime. A maioria dos ministros entendeu que um feto com anencefalia � natimorto e, portanto, a interrup��o da gravidez n�o � comparada ao aborto, considerado crime pelo C�digo Penal. Em vigor desde 1940, o C�digo prev� apenas dois casos para autoriza��o de aborto legal: quando coloca em risco a sa�de da m�e e em caso de gravidez resultante de estupro. Conforme m�dicos ouvidos na audi�ncia p�blica realizada pelo STF em 2008, a gravidez de feto sem c�rebro pode provocar uma s�rie de complica��es � sa�de da m�e, como press�o arterial alta, risco de perda do �tero e, em casos extremos, a morte da mulher. Por isso, ministros afirmaram que impedir a mulher de interromper a gravidez nesses casos seria compar�vel a uma tortura. “O que se pede � o reconhecimento desse direito que tem a mulher de se rebelar contra um tipo de gravidez t�o an�mala, correspondente a um desvario da natureza. Dar � luz � dar � vida e n�o � morte”, afirmou o ministro Ayres Britto.

Normas para a interrup��o da gravidez

o Conselho Federal de Medicina definiu as regras a serem seguidas para o aborto de fetos anenc�falos
A interrup��o da gesta��o s� ser� recomendada quando houver um “diagn�stico inequ�voco de anencefalia”
O exame ultrassonogr�fico dever� ser feito a partir da 12ª semana de gravidez (tr�s meses de gesta��o)
O exame precisa ser assinado por dois m�dicos
� necess�rio o registro de duas fotografias que mostrem o feto verticalmente e outra em polo cef�lico, detalhando a caixa encef�lica
A cirurgia para interromper a gravidez deve ocorrer em local com estrutura adequada
Os conselhos regionais de medicina dever�o atuar como “julgadores e disciplinadores” da decis�o seguindo “a �tica”

 

 


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