
Betim, Congonhas e Jeceaba – Os mananciais que enchem copos, panelas e caixas-d’�gua da Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte s�o os mesmos que recebem diariamente toneladas de esgoto dom�stico, sujeira industrial, restos de minera��o e toda sorte de lixo. Na segunda reportagem da s�rie Rios de Minas, percorremos trechos do Velhas e do Paraopeba, afluentes da maior bacia hidrogr�fica mineira, a do S�o Francisco, e constatamos as agress�es �s fontes que abastecem nossas mesas e torneiras: al�m das descargas t�xicas, a devasta��o de matas ciliares e o assoreamento que os investimentos n�o foram capazes de conter. No Velhas, foram R$ 1,2 bilh�o gastos em revitaliza��o desde 2007, pouco para dar conta dos dejetos produzidos por 2,3 milh�es de pessoas e um n�mero n�o contabilizado de empresas e ind�strias. Menos sorte tem o Paraopeba, que ajuda a encher a Represa Tr�s Marias, mas, com menor aten��o do poder p�blico e 1,2 milh�o de pessoas lan�ando esgotos sem nenhum tratamento em suas �guas, amarga progn�stico alarmante para a pr�xima meia d�cada.
As �guas mais caudalosas no curso de seus 537 quil�metros sempre se limitaram � �poca das chuvas. A caracter�stica ajuda a explicar o nome Paraopeba, na tradu��o do tupi: “rio de �guas rasas e pouca profundidade”. O que n�o se esperava era que a degrada��o levaria um dos afluentes mineiros do Velho Chico, manancial de onde se tira a maior parte do abastecimento da Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, ao retrato extremo desse significado. L� se foi parte dos peixes e, ao que tudo indica, as pr�ximas v�timas ser�o as �guas que correm de Cristiano Otoni at� desaguar na Represa de Tr�s Marias, na altura de Felixl�ndia, na Regi�o Central de Minas. Levantamento in�dito prev� que, em cinco anos, trechos do Paraopeba v�o secar, caso o rio continue nas margens do descaso.
Desviar o leito desse progn�stico alarmante, tra�ado pelo Cons�rcio Intermunicipal da Bacia Hidrogr�fica do Rio Paraopeba (Cibapar) – bra�o executivo do Comit� do Paraopeba, formado por sociedade civil, poder p�blico e empresas –, representa um desafio e tanto para uma bacia hidrogr�fica onde as �guas marrons ganharam outros tons. No rio, o cinza do esgoto se une ao vermelho dos res�duos da minera��o e a subst�ncias t�xicas de efluentes industriais invis�veis aos olhos, mas nocivas � sa�de. An�lises do Cipabar mostram que n�veis de metais pesados como chumbo, ars�nio e alum�nio, subst�ncias que podem levar a problemas neurol�gicos e ao c�ncer, extrapolam os limites da lei.
ABASTECIMENTO
Em Congonhas, o esgoto jorra com abund�ncia no Rio Maranh�o, um dos principais e mais castigados afluentes do Paraopeba. H� muito lixo nas margens e, logo � frente, o curso d’�gua recebe a sujeira do min�rio. Ainda que pare�a uma contradi��o, mesmo com tantas press�es, a bacia hidrogr�fica carrega tamb�m a responsabilidade de abastecer 53% da regi�o metropolitana. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) conta com tr�s sistemas de capta��o de �gua em afluentes do Paraopeba – Serra Azul, V�rzea das Flores e Rio Manso, este �ltimo o maior operado pela estatal e capaz de abastecer sozinho 30% da Grande BH.
Somada a capta��o de ind�strias, minera��o e agropecu�ria, o estudo do Cipabar mostra que o �ndice de uso das �guas superficiais no Paraopeba (0,53) extrapola em 34% o limite considerado cr�tico de 0,4. Apenas no Rio Maranh�o, que corta Lafaiete, Ouro Branco e Congonhas, na Regi�o Central, a raz�o entre a demanda e a disponibilidade chega a n�veis cr�ticos, no caso das �guas superficiais. “Lugares onde a r�gua de medi��o marcava um metro de profundidade hoje chegam a meio metro. Precisamos de pensar em um reservat�rio de �gua duas vezes maior que o Sistema Rio Manso para equilibrar a quest�o”, alerta o secret�rio executivo do Cipabar, o engenheiro civil e sanitarista Mauro Costa Val. O estudo considerou as 775 outorgas para �guas superficiais com portarias do Instituto Mineiro de Gest�o das �guas (Igam) publicadas no Di�rio Oficial do Estado at� o fim de 2011.
SEM CRIT�RIO
“O �rg�o ambiental analisa separadamente o empreendimento, sem considerar, por exemplo, que j� h� outros usu�rios de �gua na regi�o. N�o � feita uma an�lise cumulativa do impacto e h� dificuldade t�cnica em avaliar isso”, ressalta o promotor de Justi�a das Bacias dos Rios Paraopeba e Velhas, Carlos Eduardo Ferreira Pinto. Apesar dos vis�veis problemas, de acordo com a diretora de Pesquisas, Desenvolvimento e Monitoramento das �guas do Igam, Jeane Dantas de Carvalho, n�o h� risco de falta de �gua na regi�o. “Dentro do que est� regularizado, com as outorgas que constam no Igam, n�o h� �rea de conflito para o uso da �gua no Paraopeba”, afirma.
Mas gente como Geraldo Ferreira Filho, de 52 anos, n�o tem familiaridade com esse universo t�cnico. Morador de Jeceaba, que significa “encontro de rios”, � na ponta da vara e no fio do anzol que o pescador descreve o Paraopeba h� mais de 40 anos. “Tenho notado que a �gua tem baixado muito.” Na zona rural de Congonhas, a pouco mais de 100 passos do Rio Maranh�o e ao lado da Companhia Sider�rgica Nacional (CSN), Maria L�cia de Santana, a dona Maria, de 51, fala com saudade de um tempo em que dava gosto morar ali. “Atravessava o Maranh�o com a �gua no pesco�o. Agora � dif�cil passar da cintura. E nem tem como entrar. Estragaram a nossa �gua. O rio tamb�m n�o subia tanto, n�o tinha enchente”, conta.
“Os picos de cheia e as �pocas de pouca �gua s�o consequ�ncia do que est� acontecendo no entorno do rio”, explica Isabela Claret Torres, Ph.D em ci�ncia do solo e da �gua pela Universidade da Fl�rida (EUA). “Quando se pavimenta demais o solo, a �gua n�o infiltra e n�o fica armazenada na bacia. E, sem a cobertura vegetal, tudo o que � lavado vai sendo jogado para dentro do rio”, afirma, em frente ao encontro das �guas podres e cinzentas dos rios Betim e Paraopeba, em Juatuba, na regi�o metropolitana.
Enquanto isso...
...situa�a� de etes preocupa
O Plano de Incremento do Tratamento do Esgoto na Bacia Hidrogr�fica do Rio Paraopeba, elaborado pela Feam, revela que, das 48 Esta��es de Tratamento de Esgoto (ETEs) da bacia, apenas sete (14,6%) est�o em boas condi��es. Para agravar o quadro, essas estruturas recebem as descargas de apenas 265 mil habitantes, pouco mais de um d�cimo dos moradores. “Al�m de poucas ETEs, muitas n�o est�o regularizadas. O sistema de esgotamento sanit�rio de forma geral est� p�ssimo no Paraopeba”, afirma o gerente de Monitoramento de Efluentes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), Rodolfo Penido. A Feam informou que far� um trabalho de regulariza��o junto aos munic�pios com problemas. O Paraopeba � alvo de projeto de revitaliza��o do governo que aplicar�, at� 2015, R$ 430 milh�es em quatro bacias hidrogr�ficas.
CONTA-GOTAS
Mais etes
Segundo superintendente de servi�os e tratamento de efluentes da Copasa, Eug�nio Alvares, al�m dos
R$ 102 milh�es de investimento na Lagoa da Pampulha, afluente do On�a e do Velhas, R$ 180 milh�es ser�o destinados � amplia��o da ETE Arrudas, que n�o incluir� a desinfec��o da �gua. “� prefer�vel investirmos em outras ETEs em cidades que ainda n�o t�m tratamento”, afirma.
Qualidade cai
A Bacia do Rio Paraopeba est� na lista das que registraram piora no �ndice de qualidade da �gua (IQA), par�metro que avalia, principalmente, a contamina��o por esgoto dom�stico. Segundo o Igam, ano passado, em compara��o a 2010 o percentual de amostras boas caiu de 18% para 6%.
T�xico dilu�do
A contamina��o por t�xicos tamb�m aumentou na Bacia do Rio Paraopeba. Enquanto em 2010, a ocorr�ncia de contamina��o alta e m�dia foi de 11%, no ano passado, esse percentual subiu para 18%. A an�lise avalia a presen�a de 13 subst�ncias, entre elas chumbo, merc�rio e ars�nio.