
Uma disserta��o, conclu�da em 2010, no mestrado do engenheiro Washington Pirete da Silva, funcion�rio da Vale h� 22 anos, sobre a Barragem 1 do C�rrego do Feij�o, conclui que a esta��o, a partir do quarto alteamento (s�o oito as barreiras de conten��o), quando a empresa alterou o sistema de aterro compactado para uso dos pr�prios rejeitos, transformou-se em um empreendimento que exigiria cuidados e monitoramento de seguran�a. Tamb�m houve, segundo o estudo, um deslocamento do eixo para dentro da barragem, o que comprometeu o n�vel de liquefa��o (aumento e movimento da �gua dentro da massa de rejeitos) e, portanto, a press�o interna nas paredes da barragem. Por fim, ele deixa sugest�es de medidas corretivas e de classifica��o de seguran�a da liquefa��o, aparentemente, a causa do rompimento.
De acordo com o estudo, na implanta��o do quarto alteamento, o eixo foi deslocado de 60 metros para montante em rela��o ao eixo anterior (correspondente ao terceiro alteamento). Essa decis�o foi tomada no sentido de se garantir uma maior condi��o de seguran�a para a estrutura. “Embora satisfat�ria do ponto de vista geom�trico por parte do projetista, o sistema de fluxo interno � barragem n�o se mostrou adequado, induzindo o aparecimento de diversas surg�ncias ao longo do p� do dique do quarto alteamento e r�pida eleva��o das leituras piezom�tricas (piez�metros s�o equipamentos usados para medir a press�o das barragens). Assim, em 2000, foi instalada uma trincheira ao longo da base do quarto alteamento, interligada a trincheiras transversais ao eixo da estrutura com a finalidade prim�ria de se garantir o rebatimento da linha fre�tica (Geoconsultoria 2006).”
O documento indicava que a Barragem I do C�rrego do Feij�o apresentava boas condi��es de seguran�a em rela��o � susceptibilidade a eventos de fluxo por liquefa��o e tra�ava diretrizes “essenciais para uma opera��o segura de uma barragem de rejeitos alteada para montante e garantem baixa susceptibilidade � liquefa��o para esses dep�sitos”.
Acionada a Assessoria de Comunica��o da Vale, a empresa n�o se manifestou sobre a pesquisa de seu funcion�rio at� o fechamento da edi��o e informou que Washington ainda trabalha na empresa, mas n�o falaria sobre sua tese de mestrado.

EXEMPLO A SEGUIR Em 1938, a ruptura de um talude de 500 metros e 6,5 milh�es de metros c�bicos de rejeitos de uma barragem em Fort Peck, no estado de Montana, nos Estados Unidos, norteou minuciosos estudos para estabelecer exig�ncias m�nimas de compacta��o de areias fofas e praticamente acabou com o emprego de barragens hidr�ulicas naquele pa�s, segundo o relat�rio “Acidentes de Barragens”, apresentado por Victor V. B. De Mello, durante o III Congresso Brasileiro de Mec�nica de Solos, em 1966, em Belo Horizonte.
Na madrugada de 25 de mar�o de 1989, o superpetroleiro Exxon Valdez, derramou sobre os mares do Alasca 36 mil toneladas de petr�leo bruto, causando o maior desastre ecol�gico dos Estados Unidos. Uma supermancha se deslocou por 750 quil�metros e cobriu de piche 1.800 quil�metros de praias, em alguns pontos com uma camada de 90 cent�metros. O desastre provocou uma mudan�a na ind�stria naval e os superpetroleiros passaram a ser constru�dos com cascos duplos.
A trag�dia da Samarco em Mariana, na Regi�o Central de Minas, em 5 de dezembro de 2015, deveria acender o sinal de alerta para se rever a ind�stria mineradora no pa�s, entretanto, nem puni��es e nem mudan�as de posturas ocorreram. Agora, uma nova cat�strofe atingiu as terras e �guas mineiras, com a ruptura da Barragem Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, na Grande BH.
A gest�o de riscos deve fazer parte do cotidiano de todas as empresas, pois �, por meio dessa pr�tica, que uma organiza��o pode se antecipar a poss�veis falhas e planejar a��es que evitem colapsos em sua produ��o e provoquem verdadeiras trag�dias humanas e ambientais.
“Poder�amos nos inspirar em um programa criado nos anos de 1970 nos Estados Unidos, quando veio a p�blico a contamina��o do solo em in�meras cidades, cujas �reas industriais foram desativadas. Criou-se um fundo federal com um cronograma para verificar e intervir nas �reas de contamina��o mais problem�ticas e um plano ambiental com proje��es para 30 anos. � o m�nimo que poder�amos esperar por aqui”, sugere Bruno Milanez professor do departamento de Engenharia de Produ��o e Mec�nica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Diretrizes essenciais
» Redu��o dos espa�amentos entre os pontos de disposi��o, visando n�o formar camadas de finos com caracter�sticas de elevada compressibilidade e baixa resist�ncia e drenabilidade;
» Utiliza��o de barragem alteada para montante prioritariamente para conten��o de rejeitos e n�o para conten��o de rejeitos de �gua (reservat�rio de �gua m�nimo necess�rio para recircula��o)
» Manuten��o de uma praia extensa de rejeitos, afastando o reservat�rio do maci�o e, promovendo do deplecionamento da linha fre�tica da estrutura e aumentando as tens�es efetivas nas camadas suscet�veis
» Implanta��o da estrutura hidr�ulica que permita controlar o n�vel de �gua do reservat�rio em fun��o da forma��o e extens�o da praia de rejeitos
» Opera��o alternada dos pontos de disposi��o dos rejeitos ao longo da crista, devendo operar por trechos ao longo do maci�o, sempre buscando uma forma��o de praia homog�nea. A opera��o alternada em trechos oferece o adensamento e ressecamento dos rejeitos, com ganhos de resist�ncia e melhoria da capacidade de suporte dos futuros diques.
Transi��o a discutir
Para Bruno Milanez, professor do departamento de Engenharia de Produ��o e Mec�nica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o pa�s criou um problema de dif�cil solu��o, mas vive um momento de transi��o que precisa ser discutido e que n�o pode se exaurir apenas na recupera��o das �reas degradadas, no armazenamento de rejeitos, ou de contamina��o do solo e do len�ol fre�tico. As barragens imp�em risco agudo, que � o rompimento, e cr�nico, que � a contamina��o da �gua. O professor aponta como exemplo a mina da Anglo Gold, em Concei��o do Mato Dentro, na Regi�o Central de Minas, onde as comunidades a jusante come�aram a registrar problemas de morte de animais que consumiam �gua vinda da barragem, ou na explora��o de ni�bio, pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Minera��o (CBMM) em Arax�, no Alto Parana�ba, que compromete as �guas subterr�neas.
Milanez defende que as empresas planejem as etapas de explora��o e destina��o de rejeitos, desde a planta inicial de uma mina. Em um terreno em que ser�o exploradas duas cavas, a empresa pode planejar abrir uma de cada vez. Quando a primeira se esgotar, os rejeitos poder�o ser utilizados na recupera��o da cava, incluindo os da nova frente de extra��o, exemplifica. As mudan�as “podem ser em etapas, atacando primeiro os pontos de maior vulnerabilidade”.
“O problema n�o � s� da Vale, mas das tecnologias empregadas por diversas mineradoras, que s�o menos seguras. Depois desses dois desastres, ningu�m se sente seguro.” Para Bruno Milanez, qualquer cen�rio que se trace de imediato subestima impactos e defende que as auditorias devam ser contratadas pelo poder p�blico e n�o pelas mineradoras.