
A forma como a mineradora Vale lida com as popula��es que podem ser atingidas pelo rompimento de suas barragens constitui uma forma de “terrorismo e viola direitos”. A afirma��o � do Gabinete de Crise – Sociedade Civil criado por ambientalistas e ativistas para monitorar as a��es da empresa, do setor miner�rio e do poder p�blico ap�s o rompimento da Barragem 1 da Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, na Grande BH – a trag�dia deixou 229 mortos e 48 desaparecidos at� o momento. “H� tr�s meses, as barragens estavam est�veis e garantidas.
Ap�s o rompimento de C�rrego do Feij�o, ningu�m mais tem certeza. As sirenes tocam quando o alerta est� em n�vel 2 (barragem inst�vel, com perigo de rompimento), quando est� em n�vel 3 (risco iminente de rompimento), as pessoas s�o removidas, deixam suas casas, escolas e trabalhos”, afirma o presidente do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio das Velhas (CBH-Rio das Velhas), Marcus Vin�cius Polignano, tamb�m membro do Gabinete. “A inseguran�a � muito grande. A incerteza gera esse terrorismo. Pessoas ficam sendo conduzidas a hot�is, como se isso resolvesse a sua vida. Quando essas pessoas ter�o informa��es sobre a sua situa��o? N�o tem cronograma de nada. � preciso que a Vale mostre o que vai ser feito”, completa.
Outra situa��o que preocupa o CBH � a inseguran�a h�drica, uma vez que o Alto Rio das Velhas abastece cerca de 60% da Grande BH, mas est� amea�ado por dezenas de barramentos, muitos deles sem garantia de estabilidade. O comprometimento da capta��o de �gua do Rio Paraopeba torna essa situa��o de inseguran�a ainda mais cr�tica. “Com os reservat�rios atuais (Rio Manso, Cerra Azul e Vargem das Flores) a regi�o tem um ano de reserva��o garantida. Os sistemas Velhas e Paraopeba precisam de atuar juntos para funcionar. Se ocorrer um rompimento esse impacto no Velhas ser� imediato na Grande BH e ainda pior em v�rios munic�pios que t�m depend�ncia total do Velhas”, alerta.
A advogada Let�cia Aleixo, da Cl�nica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) avalia que as li��es de enfraquecimento das comunidades atingidas ou vulner�veis, aprendidas pela Samarco ap�s o rompimento da Barragem do Fund�o em Mariana, em 2015, foram aprendidas pela Vale e seguem sendo utilizadas. “Se conversar com qualquer atingido, os relatos s�o semelhantes. A Samarco se movimentou para desarticular as comiss�es de atingidos e desvincular os habitantes dos centros urbanos como n�o atingidos. N�o � preciso que a barragem se rompa para desarticular”, disse. A advogada enumera uma s�rie de viola��es sofridas pelas pessoas atingidas. “Percebemos o aumento de drogadic��o, alcoolismo, encarceramento e viol�ncia dom�stica. E quem paga essa conta n�o � a Vale, � o estado. Tribunais entendem grandes viola��es � repara��o integral. � obrigat�rio ao causador e o poder p�blico deve zelar pelo cidad�o. N�o � s� indenizar”, afirma.
Segundo a advogada da Cl�nica de Direitos Humanos, as a��es da Vale deveriam contemplar pontos considerados essenciais. “O primeiro � a restitui��o de direitos (apropria��o da liberdade). Em seguida, a compensa��o. Por exemplo, uma pessoa que tinha um terreno plano onde plantava, n�o pode ser levada para um lugar acidentado, onde n�o conseguir� exercer a atividade que o sustentava. A reabilita��o, que n�o pode ser contabilizada como indeniza��o, a satisfa��o e ado��o de medidas de n�o repeti��o”, cita Let�cia Aleixo.
POSICIONAMENTO Procura pela reportagem, a Vale, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que est� “utilizando a m�dia para informar e orientar as pessoas impactadas pelo rompimento da barragem em Brumadinho e a popula��o a jusante de barragens em n�veis de emerg�ncia sobre os canais de comunica��o com a empresa e as a��es de repara��o que v�m sendo realizadas”.
Sobre o monitoramento das barragens – Sul Superior da Mina Gongo Soco, B3/B4 da Mina Mar Azul, Vargem Grande, Forquilhas I, II e III e Grupo –, a mineradora afirmou, por meio de nota, que tem adotado medidas preventivas, com instala��o de radares 24 horas por dia, al�m de inspe��es t�cnicas e acompanhamento a cada quatro horas. Em Congonhas, por exemplo, outras a��es tamb�m est�o sendo tomadas. “A Vale tamb�m est� tomando as medidas necess�rias para o rebaixamento do n�vel d’�gua, como instala��o de po�os, bem como desvios de �guas superficiais e manuten��o da drenagem interna da barragem.”
Por fim, a Vale ressalta que “todas as barragens mencionadas acima fazem parte das 10 barragens a montante inativas remanescentes da Vale e integram o plano de acelera��o de descaracteriza��o anunciado pela empresa. A Vale est� apresentando os projetos de descomissionamento para autoriza��o dos �rg�os competentes. As barragens ser�o descomissionadas adotando medidas de prote��o adicionais nas comunidades em articula��o com o poder p�blico, at� a reincorpora��o das barragens ao relevo e ao meio ambiente”.
Moradores relatam os dramas
O professor Rafael Gomes, morador de Bar�o de Cocais, sente na pele a inseguran�a provocada pela falta de informa��es sobre a seguran�a da Barragem Sul Superior, da Mina de Gongo Soco. O drama dele e de seus conterr�neos come�ou em 8 de fevereiro, quando as sirenes tocaram, levando � evacua��o nos distritos de Socorro, Piteiras e Tabuleiros. Foram 500 pessoas removidas para hot�is da regi�o. No dia 14, a barragem passou para o n�vel 3, e a sirene de evacua��o tocou de novo. “Todos acharam que ia romper a barragem. A�, foi um caos. S� que, mesmo sem romper, a paralisa��o das atividades da mina est� prejudicando muito, pois o munic�pio � totalmente dependente da minera��o. N�o teve uma transi��o econ�mica e o poder p�blico nada, ou pouco, pode fazer quanto a essa depend�ncia”, afirma.
Na vis�o do professor, a Vale tenta dividir os atingidos em grupos. “Formaram v�rios grupos para enfraquecer movimentos e associa��es, conversando apenas individualmente com as pessoas. Foram divididos em comerciantes, sitiantes e moradores. Separam e negociam individualmente. N�o h� transpar�ncia. Da desinforma��o, nasce a incerteza e as fake news”, disse. O sofrimento tamb�m � vis�vel nas popula��es, mesmo com a realiza��o de procedimentos de emerg�ncia. “A lama continua na barragem, mas j� destr�i o futuro dessas pessoas e a sua paz. Tive alunos que se sentiram mal durante as simula��es. Fora isso temos tamb�m falhas no atendimento das pessoas deslocadas. Os hot�is est�o separando �reas para atingidos e h�spedes normais. Toda a assist�ncia da Vale � equivocada. At� os psic�logos n�o se mostram interessados. Tudo � s� propaganda”, acusa.
Das barragens inst�veis que constam na lista da Ag�ncia Nacional de Minera��o (ANM), 12 est�o localizadas na Bacia do Rio das Velhas, respons�vel pelo abastecimento de 70% de Belo Horizonte. Outras cinco, em Brumadinho, se encontram na cabeceira do Rio Paraopeba, outro importante ponto de capta��o de �gua. “Se uma barragem do Velhas se romper, cinco milh�es de pessoas poder�o ficar sem �gua, por tempo indefinido e n�o h� um plano de conting�ncia”, afirma o engenheiro Euler Cruz, que � membro do F�rum Permanente do Rio S�o Francisco e integrante do Gabinete de Crise – Sociedade Civil. “O perigo � maior do que aparenta. Vale lembrar que mesmo as barragens est�veis podem se romper. As duas que se romperam (Brumadinho e Mariana) eram consideradas est�veis. Precisamos do plano de conting�ncia para saber como v�o abastecer milh�es de pessoas”, cobra Cruz.