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Estado de Minas EPIDEMIA DO DESPEJO

Moradores de rua em BH j� superam popula��o de 450 cidades mineiras

Desalojados relatam empobrecimento que lhes tomou a casa na pandemia e a ang�stia de viver ao relento - especialmente agora, no inverno


12/07/2021 06:00 - atualizado 12/07/2021 15:53

Primeiro, vem o corte dr�stico da renda, normalmente provocado pela perda do emprego de um ou mais integrantes da fam�lia. Algum tempo depois, a cruel escolha entre necessidades b�sicas: moradia ou alimenta��o. O desfecho � t�o implac�vel, quanto triste: barracas montadas nas cal�adas, colch�es sob marquises, mudan�as para ocupa��es prec�rias.


Esse � o roteiro padr�o dos relatos de in�meras fam�lias que passaram a morar nas ruas de Belo Horizonte desde o in�cio da pandemia. Um total estimado em 8.840 pessoas pelo Projeto Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais, em relat�rio publicado em abril deste ano. Se esse grupo formasse uma cidade, teria mais habitantes que a popula��o individual de 450 munic�pios mineiros, e equivaleria ao n�mero de moradores estimado pelo IBGE para Coluna, no Vale do Rio Doce.

� um contingente 20% maior em rela��o aos registros do fim de 2019, quando os mesmos pesquisadores contabilizaram 7.390 cidad�os vivendo ao relento na capital. O levantamento foi feito com base em dados do Cadastro �nico para Programas Sociais do Governo Federal (Cad�nico).

Os dados divergem dos c�lculos da prefeitura. Segundo o �ltimo censo municipal, divulgado em janeiro de 2020, h� 4,6 mil sem-teto na capital mineira. Os estudiosos da UFMG, contudo, contestam o munic�pio e alegam que os cadastros da Secretaria de Assist�ncia Social, Seguran�a Alimentar e Cidadania est�o desatualizados.

Retrato da vulnerabilidade: de acordo com projeto da UFMG, capital tem 8.840 pessoas vivendo ao relento, 20% a mais que o estimado em 2019
Retrato da vulnerabilidade: de acordo com projeto da UFMG, capital tem 8.840 pessoas vivendo ao relento, 20% a mais que o estimado em 2019 (foto: Ed�sio Ferreira/EM/DA Press)
Esse aumento da popula��o vulner�vel tamb�m � notado por entidades de assist�ncia e movimentos sociais. No Canto da Rua Emergencial, projeto aberto em junho na Serraria Souza Pinto, Centro de BH, a coordenadora Claudenice Rodrigues diz receber at� 30 novos desabrigados diariamente.

Na Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, outra institui��o em que a assistente social atua, o movimento dobrou. “At� o in�cio de 2020, atend�amos em torno de 350, 400 pessoas por dia. Atualmente, j� s�o mais de 800. Tamb�m notamos que as condi��es de quem j� vivia na rua pioraram. Est� mais dif�cil achar trabalho, e a concorr�ncia por doa��es aumentou. A pandemia veio como um trator sobre essas pessoas”, compara Claudenice.

 

"Ningu�m imagina. At� que acontece"

Na rua há três meses, Daniel Fidelis passa as noites em colchões posicionados em passeio público da área hospitalar
Na rua h� tr�s meses, Daniel Fidelis passa as noites em colch�es posicionados em passeio p�blico da �rea hospitalar (foto: Maria Pereira/EM/DA Press)
Entre 29 de junho e 1º de julho, a equipe do Estado de Minas percorreu diversos pontos da cidade, onde foi f�cil encontrar pessoas dos mais variados perfis rec�m-chegadas �s ruas.

Uma delas � Daniel Fidelis, de 24 anos. H� cerca de tr�s meses, ele passa as noites em colch�es posicionados em passeio p�blico da �rea hospitalar, pr�ximo � Avenida Alfredo Balena. Pai de uma filha de 1 ano, o rapaz conta que perdeu o emprego durante a pandemia. Sem dinheiro para custear despesas dentro de casa, conta que acabou expulso pelos parentes.


"O pior momento � � noite. N�o tem como explicar, n�o tem como dizer. Voc� passa o dia inteiro carregando o mundo nas costas. Voc� carrega ofensas, carrega mau olhado, carrega brigas, energias negativas, humildade, amor, preconceito, muitas coisas. Na hora em que voc� se deita ali no colch�o, no ch�o, cai a ficha: 'Estou dormindo no Centro de Belo Horizonte'. Seu mundo cai em cima de voc�. Imagina o peso de um mundo caindo nas suas costas quando voc� vai dormir? � uma coisa que d�i muito"

Daniel Fidelis, 24 anos, desempregado

 

“Esta � uma situa��o em que ningu�m se imagina. At� que acontece. Enquanto voc� est� com a sua casa, com o seu lugar para morar, voc� nunca pensa: 'Olha, isso pode acontecer comigo'. Sua ficha s� cai depois que voc� est� nessa situa��o”, descreve o rapaz.

Sem trabalho, ele tem sobrevivido principalmente da venda de balas. A renda, no entanto, mal cobre as despesas b�sicas. Para se alimentar, tomar banho e lavar roupas, precisa recorrer � unidade de assist�ncia emergencial Canto da Rua, na Serraria Souza Pinto.

“O pior momento � � noite. N�o tem como explicar, n�o tem como dizer. Voc� passa o dia inteiro carregando o mundo nas costas. Voc� carrega ofensas, carrega mau olhado, carrega brigas, energias negativas, humildade, amor, preconceito, muitas coisas. Na hora em que voc� se deita ali no colch�o, no ch�o, cai a ficha : ‘Estou dormindo no Centro de Belo Horizonte’. Seu mundo cai em cima de voc�. Imagina o peso de um mundo caindo nas suas costas quando voc� vai dormir? � uma coisa que d�i muito”, descreve.

As ang�stias de Daniel tamb�m est�o registradas em letras de rap, que ele comp�e desde os 9 anos. “Posso dar uma palinha para a c�mera?”, pergunta o rapaz � reportagem, j� emendando os versos.

“C� t� ligado que o bagulho � muito louco, mano, presta aten��o/A pandemia veio agitando muito o cora��o/Muita gente que achou que ia se levantar/Com essa coisa ruim, come�ou a se afundar/Eu vou te explicar, agora, eu te falo/A cacha�a est� salvando todos esses intervalos/Eu vou te falar, preste muita aten��o/Meu cora��o chora de hoje estar dormindo no ch�o/Mas tenho f� de que, um dia, uma king size eu vou portar/Meu carro, eu vou comprar/e eu vou me levantar/Porque � Deus que me ajuda e sempre vai me salvar.”

 

"Acho que virou a chave do mundo”

Sem dinheiro para pagar o aluguel, entregou o apartamento onde morava e se viu sem teto. Ele diz que já foi casado e tem dois filhos jovens. 'Um é formado em Ciências Sociais na UFMG e outro está no segundo período da Escola de Música'.
Sem dinheiro para pagar o aluguel, entregou o apartamento onde morava e se viu sem teto. Ele diz que j� foi casado e tem dois filhos jovens. "Um � formado em Ci�ncias Sociais na UFMG e outro est� no segundo per�odo da Escola de M�sica". (foto: Ed�sio Ferreira/EM/DA Press)
Aos 64 anos, Ari* ainda se lembra da sensa��o de dormir em camas confort�veis e dirigir bons carros. Ex-gestor comercial de grandes cervejarias e montadoras, ele estava desabrigado havia cerca de duas semanas quando foi entrevistado na rua pelo equipe do Estado de Minas. Agora, tem passado as noites sob o Viaduto Santa Tereza, no Centro da capital. Do passado bem-sucedido, restaram a pasta de executivo e a cal�a social. E as lembran�as.


“Eu sempre trabalhei com v�nculo empregat�cio. Sempre na �rea comercial, ininterruptamente. At� que a idade foi chegando. Fiquei desempregado antes da pandemia mas, quando ela chegou, o emprego desapareceu. Ent�o eu calcei as sand�lias da humildade e estou procurando a ajuda poss�vel”, relata. 


"Tenho dois filhos: um � formado em ci�ncias sociais na UFMG e outro est� no segundo per�odo da Escola de M�sica, tamb�m na universidade. Mas eu n�o quero que eles saibam que estou nessa situa��o"

Ari (nome fict�cio), 64 anos, ex-gerente comercial

 

O �ltimo emprego de Ari foi como gerente regional de uma grande companhia do ramo de bebidas. Ao ser demitido, ele conta que recebeu as indeniza��es trabalhistas e decidiu apostar na venda de cervejas.

“At� que, numa dessas opera��es, uma das distribuidoras que trabalhava comigo fechou as portas. E foi a� que eu perdi todo o capital que tinha da minha rescis�o e come�ou a minha queda vertiginosa”, descreve.

Sem dinheiro para pagar o aluguel, entregou o apartamento onde morava e se viu sem teto. Ele diz que j� foi casado e tem dois filhos jovens. “Um � formado em Ci�ncias Sociais na UFMG e outro est� no segundo per�odo da Escola de M�sica, tamb�m na universidade. Mas eu n�o quero que eles saibam que estou nessa situa��o. Ficariam muito abalados.”

A luz no fim do t�nel, projeta, chega em fevereiro do ano que vem, quando completa os requisitos para se aposentar. At� l�, ele segue buscando uma ocupa��o que lhe garanta alguma renda. “O que eu espero nesta altura da vida? Ter a qualidade de vida poss�vel, dentro de uma realidade que eu acho que � diferente da que eu estava pensando anos atr�s. Mudou tudo, acho que virou a chave do mundo”, reflete. (*Nome fict�cio para preservar a identidade, a pedido do entrevistado) 

"A rua � uma doen�a gradativa"

Edilson Alves veio de Ilhéus (BA) para BH. No início da pandemia, perdeu o emprego, e desde então, dorme em albergues da PBH
Edilson Alves veio de Ilh�us (BA) para BH. No in�cio da pandemia, perdeu o emprego, e desde ent�o, dorme em albergues da PBH (foto: Maria Pereira/EM/DA Press)
�s 11h de uma quinta-feira, o vendedor de balas Edilson Alves, de 33 anos, tinha feito apenas tr�s vendas. Com pouco mais de R$ 5 no bolso, ele foi encontrado pela reportagem na Serraria Souza Pinto, onde aguardava o almo�o servido diariamente no local pela unidade emergencial Canto da Rua. 

 

O rapaz veio de Ilh�us (BA) para Belo Horizonte h� pouco mais de tr�s anos, em busca de oportunidades de trabalho. No in�cio da pandemia, perdeu o emprego de vigilante patrimonial e desde ent�o dorme em albergues mantidos pela prefeitura.

“Quando eu era produtivo, tinha como custear um aluguel de R$ 450, R$ 400. Em consequ�ncia da pandemia, veio uma perda consider�vel. Tive que abrir m�o da moradia. O �nico recurso que eu tenho agora � o aux�lio emergencial no valor de R$ 150, com que eu n�o consigo fazer nada. Estou a Deus dar�, n�?”, relata o baiano.

A rua, descreve Edilson, � “como uma escada que a gente sobe enquanto est� se quebrando”. Sob os viadutos e marquises da capital, n�o foram poucos os epis�dios de fome e viol�ncia que ele teve que enfrentar.

“J� agredi e j� apanhei. Uma vez, sofri um acidente, estava em uma situa��o de vulnerabilidade. O indiv�duo veio contra mim. Eu, como n�o tinha artif�cio, peguei uma barra de ferro e apliquei um golpe nele. A rua � isso. Inflama o seu emocional, inflama seu psicol�gico, muda seu eu, muda tudo. A rua � uma doen�a gradativa. Quanto mais tempo voc� passa nela, mais doente voc� vai ficando.”

Apesar das adversidades, Edilson assume um tom esperan�oso quando pensa no futuro. Ele diz que sonha em conseguir um emprego que lhe proporcione uma vida digna, retomar os estudos e voltar � Bahia. 

“Nunca me imaginei nessa situa��o. Mas estou me adaptando. Estou sendo resiliente o m�ximo que posso, apesar desse sentimento de degrada��o que as vezes toma conta de mim. Voc� era algu�m e, de repente, se tornou nada. Mas a� vem tamb�m a for�a de vontade, que � maior. Vir�o dias melhores. Tenho essa perspectiva de dias bons. Se eu n�o tiver, vou acabar me revoltando e fazendo o que tantos fazem, cair no crime”, pondera.  

“Pedi, mas os donos n�o deixaram dormir na obra”

'Trabalho em obra, quando acho vaga. Quando acabar, vou ter que vender pipoca no sinal ou juntar papelão', diz jovem de 25 anos, que volto para as ruas de BH há cerca de 15 dias.
'Trabalho em obra, quando acho vaga. Quando acabar, vou ter que vender pipoca no sinal ou juntar papel�o', diz jovem de 25 anos, que volto para as ruas de BH h� cerca de 15 dias. (foto: Maria Pereira/EM/DA Press)
Esta � a segunda passagem de Marlon Vin�cius, de 25 anos, pelas ruas da capital. Quando foi entrevistado, o rapaz havia perdido a moradia cerca de 15 dias antes. Pedreiro, ele conta que faz bico em uma obra, mas o pagamento n�o � suficiente para custear o aluguel. “Tem lugar em que o patr�o deixa a gente dormir na obra. Eu pedi mas, desta vez, os donos n�o deixaram, n�o.” 

H� tr�s anos, Marlon deixou as barracas e colch�es em que dormia no Centro de BH para morar com a namorada, com quem hoje tem uma filha. Emocionado, ele conta que as oportunidades de trabalho foram ficando escassas.

Com a falta de dinheiro, os conflitos conjugais foram aumentando, at� que ele decidiu deixar a casa onde morava com a fam�lia. Sem teto ou familiares que pudessem acolh�-lo, o rapaz hoje � outro que “mora” sob o Viaduto Santa Tereza. 

Essa temporada na rua tem sido mais dura. “A situa��o, da primeira vez, era um pouco melhor. Tinha mais doa��o de alimentos e roupas, os abrigos n�o estavam t�o cheios como agora. Os bicos tamb�m diminu�ram muito. A gente corre atr�s de servi�o todo dia, e n�o acha. A pandemia prejudicou muito. Antigamente, era f�cil achar um servi�o para descarregar um caminh�o. Hoje, n�o tem mais isso. Trabalho em obra, quando acho vaga. Quando acabar, vou ter que vender pipoca no sinal ou juntar papel�o, coisas que d�o uma renda muito pequena e incerta. Num dia bom, a pessoa faz R$ 30. O que � que d� para fazer com isso?”, questiona o pedreiro.  

No Centro da capital mineira, Alexandre Ferreira, de 46 anos, se protege do frio com a bandeira nacional: 'Ajuda a formar minha casa', diz
No Centro da capital mineira, Alexandre Ferreira, de 46 anos, se protege do frio com a bandeira nacional: 'Ajuda a formar minha casa', diz (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)


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