
Uma jornada iluminada pela f�, sempre permeada de encantamento e com mergulhos profundos na cultura. Em peregrina��o ao longo de estradas coloridas pelos campos de tulipa, floridos na primavera, um grupo de 26 mineiros de Belo Horizonte e Patroc�nio, na Regi�o do Alto Parana�ba, conheceu com os olhos e o cora��o as terras europeias onde nasceu e viveu o Beato Padre Eust�quio, cujo falecimento completar� 80 anos em 30 de agosto.
Padre Eust�quio – em processo de canoniza��o, mas j� considerado “santo” por uma legi�o de devotos –, viveu quase duas d�cadas no Brasil, com a��o pastoral e social em cidades paulistas e mineiras e dedica��o aos pobres e enfermos. Muitas gra�as e b�n��os, alcan�adas por intercess�o dele, s�o registradas em Po� (SP), Romaria, Patroc�nio e Belo Horizonte, onde, por sinal, ocorreu o milagre de cura reconhecido pelo Vaticano para a beatifica��o.
Nascido Hubbertus van Lieshout, em 1890, em Aarle-Rixtel, no Sul da Holanda, e sepultado em Belo Horizonte em 1943, “Seu lema era Sa�de e Paz, e a grande inspira��o, o belga S�o Dami�o de Molokai (1840-1889), que cuidou de leprosos desprovidos de assist�ncia material e espiritual, na ilha Molokai, no Hava�”, destaca o padre Vin�cius Maciel, da Congrega��o dos Sagrados Cora��es (a mesma do beato e do santo), vice-postulador da causa de canoniza��o e reitor do Santu�rio Arquidiocesano da Sa�de e da Paz, mais conhecido como Igreja Padre Eust�quio, em BH. Assim, os peregrinos visitaram tamb�m, na B�lgica, as cidades de Lovaina, onde S�o Dami�o est� sepultado, e Tremelo, onde nasceu, e onde Padre Eust�quio fez o noviciado.
J� em Paris, na Igreja Saint-Sulpice, os mineiros assistiram � beatifica��o de cinco m�rtires, sendo quatro da Congrega��o dos Sagrados Cora��es e um da Congrega��o dos Religiosos de S�o Vicente de Paulo. Eles foram fuzilados em 26 de maio de 1871, durante o sangrento desfecho da Comuna de Paris.
O Estado de Minas acompanhou, durante duas semanas, o passo a passo dessa viagem, na qual n�o faltaram emo��o, alegria, e, claro, muitas hist�rias para contar e guardar na mem�ria “Fortaleci ainda mais minha f�, podendo ver o encontro de culturas diferentes”, contou a m�dica Isabella Rom�o, de 31 anos, residente em Patroc�nio.
Aarle-Rixtel, Holanda - Aqui nasceu Padre Eust�quio. Em Aarle-Rixtel, no Sul da Holanda, ainda existe, e muito bem preservada nas m�os de descendentes, a casa de fachada com tijolinhos � vista, que pertenceu ao fazendeiro Wilhelmus van Liesout (1850-1924) e Elisabeth van de Maulenhof (1859-1931). Desde pequeno, Hubbertus (Humberto, em portugu�s), o oitavo dos 11 filhos do casal, desejava se tornar sacerdote, recebendo, ao ingressar no Semin�rio Menor da Congrega��o dos Sagrados Cora��es (SSCC), o nome de Eust�quio.
Diante da casa, que guarda uma placa com o retrato de Padre Eust�quio, um misto de como��o, afeto e intimidade tomou conta do grupo de mineiros. “S� de estar aqui na terra de Padre Eust�quio, a quem tenho tanta devo��o, j� vale esta viagem � Europa. Estou realmente feliz, pois ele sempre foi meu confidente, meu amigo, algu�m que me acompanha”, disse a enfermeira aposentada Betty Ramos Pereira, de 82 anos, natural de Santa B�rbara, na Regi�o Central de Minas, e moradora de BH.
A exemplo de Betty, os demais visitantes deixaram a emo��o falar mais alto pelos olhos, a voz e o cora��o. “Ao percorrer os caminhos do Padre Eust�quio, fortale�o minha f� e a cren�a de que devemos nos preocupar com todos, e n�o apenas conosco”, afirmou o engenheiro e professor Juscelino Ribeiro de Moura, nascido e criado em Romaria, antiga �gua Suja – “primeira cidade onde Padre Eust�quio morou em Minas Gerais”, conforme destacou. Desde crian�a, Juscelino, que mora em S�o Paulo, � vi�vo e tem um filho de 22 anos, esteve pr�ximo dos padres holandeses que vieram trabalhar na Regi�o do Alto Parana�ba.
Atento a todos os detalhes do patrim�nio cultural, das nuances da paisagem e da natureza humana, o superior provincial da SSCC no Brasil e no Paraguai, padre Osv�nio Humberto Mariano, mineiro de Guimar�nia, perto de Patroc�nio, declarou com sabedoria, ao pisar em Aarle-Rixtel e lembrar da trajet�ria de Padre Eust�quio: “Conhecendo as ra�zes de uma pessoa, do seu povo e da sua cultura, entendemos melhor o significado do seu despojamento mission�rio. Valorizamos sua miss�o, seu ardor mission�rio. Ele saiu do meio rural, do interior da Holanda, e se instalou no interior mineiro. Partindo para al�m-mar, rumo ao desconhecido, desempenhou a a��o evangelizadora e fez seu caminho. O ardor mission�rio � a��o do Esp�rito Santo”, contou o padre.
EM FESTA
Aarle-Rixtel, com cerca de 5 mil habitantes, forma o munic�pio de LaarBeek juntamente com Laardonk, Beek en Donk, Maria Hout e Lieshout, havendo um �nico prefeito para as quatro localidades. Pois foi o prefeito Frank van der Meijden, ao lado de assessores, do p�roco local e de dois sobrinhos de Padre Eust�quio, Will van den Boomen e Jan van den Boomen, quem recebeu os peregrinos brasileiros. A acolhida se deu no adro da Igreja S�o Miguel, onde, na pra�a lateral, fica a est�tua do beato, com dois metros de altura. Inaugurado em setembro de 2021, o monumento informa que Eustachius van Lieshout nasceu em Aarle-Rixtel e faleceu em Belo Horizonte.
Quando estacionou o �nibus dos peregrinos, com todos vestindo a “camisa de Padre Eust�quio”, j� estava � espera a comitiva municipal, com alguns brasileiros residentes na cidade segurando a bandeira verde-amarela. Numa placa, dando as boas-vindas, a frase escrita em holand�s “Welkom Aarle-Rixtel” (Bem-vindo a Aarle-Rixtel).
� frente do grupo, padre Vin�cius Maciel, da SSCC, vice-postulador da causa de canoniza��o e reitor do Santu�rio Arquidiocesano da Sa�de e da Paz, fez os agradecimentos em ingl�s, e falou da alegria de estar na terra de Padre Eust�quio. Saudando os rec�m-chegados, o prefeito enalteceu os la�os entre os dois povos, apoiou o processo de canoniza��o e presenteou cada um dos peregrinos com os tamanquinhos de madeira, s�mbolo da Holanda.
Antes de entrar na igreja, os brasileiros assistiram � apresenta��o de uma irmandade, com roupas t�picas, surgida na Idade M�dia e em cena apenas em ocasi�es solenes. Carregando bandeiras, eles abriram as portas da cultura local – e ningu�m conseguiu despregar os olhos do in�cio ao fim. Vendo a est�tua do bem-aventurado Padre Eust�quio, nesse clima de integra��o entre culturas, a professora, muse�loga e bibliotec�ria Maria �ngela Querino Ianhez, de BH, se mostrou feliz. “Vim aqui apenas para agradecer. Acredito em milagres e, para mim, Padre Eust�quio � santo”.
Nessa intera��o, foi fundamental a presen�a, entre os peregrinos, do holand�s Hans Hendrikx, de 79, professor de geografia residente no Brasil desde 1966. “Nasci em Eindhoven, a cerca de 20 quil�metros de Aarle-Rixtel. Tenho grande admira��o pela hist�ria de Padre Eust�quio, e acredito que ele ser� canonizado, sobretudo por todas suas a��es em favor de quem sofre”, disse Hans Hendrikx, morador de BH. Sempre com o astral nas alturas, ele repetia que, hoje, prefere as montanhas de Minas Gerais �s plan�cies cortadas por canais da Holanda.
F� E HARMONIA
Ap�s a recep��o na frente da Igreja S�o Miguel, que teve cobertura da imprensa, inclusive emissora de televis�o, o grupo seguiu para o interior do templo – ali est� a pia na qual Padre Eust�quio foi batizado. Os sobrinhos do beato, que programam a vinda a BH para as homenagens em 30 de agosto, demonstraram sua satisfa��o com a visita e o fervor ao beato, num momento em que o mundo v�, com horror, a guerra na Ucr�nia. “Ele pregava a harmonia, e � nisso que devemos pensar”, disse Jan van den Boomen, enquanto Will van den Boomen, de 80, lembrava os bons exemplos das obras social e espiritual do tio em Romaria e Patroc�nio, atendendo aos pobres, desamparados e pessoas que estavam sofrendo.
Os brasileiros residentes em Aarle-Rixtel foram perfeitos anfitri�es, ajudando como int�rpretes e falando da saudade do Brasil. Casada com holand�s e residente h� 32 anos no pa�s europeu, a paraense de Bel�m Zely van Nistelrooij explicou que Padre Eust�quio est� sendo mais divulgado na Holanda. “Fa�o parte, com outros cat�licos, da comunidade Nossa Aparecida de Handel e contamos sua hist�ria.”
A acolhida se completou com uma refei��o num restaurante ao lado de um mosteiro, que abriga 40 refugiados ucranianos – no jardim interno, as religiosas cultivam tulipas de v�rias cores. Ao final da refei��o, os sobrinhos Jan e Will ofereceram presentes: velas de madeira com a figura do tio e pedras do local onde ele nasceu. Tamb�m como parte da visita, os peregrinos estiveram no Cemit�rio de Dokter Timmerslaan, onde se encontra o t�mulo da fam�lia van Lieshout.
Admirando as flores do jardim do mosteiro, a advogada e servidora p�blica federal aposentada, Magda Carvalho Godinho, moradora do Bairro Prado, na Regi�o Noroeste de BH, abriu o cora��o: “Em cada momento, mantenho a f� em Deus, pedindo gra�as para minha fam�lia, para meus filhos. Longe de casa, nesta viagem, encontro beleza, conhe�o lugares inesquec�veis e fico sabendo mais dessa trajet�ria maravilhosa de Padre Eust�quio, de quem sou devota”.