
“N�o gosto de ficar parada. O trabalho diverte a gente”. O coment�rio � da dona de casa Maria Sim�es, conhecida como dona Mariquita, de 92 anos, m�e de 15 filhos, av� e bisav� de 33 netos e 18 bisnetos. A idosa � portadora de Doen�a Pulmonar Obstrutiva (DPO), uma enfermidade cr�nica que obstrui as vias a�reas e dificulta a respira��o. H� dois anos, precisa usar um respirador, 24 horas por dia, para conseguir respirar. Por causa da restri��o de mobilidade, j� que est� ligada ao aparelho, as filhas fizeram de tudo para ocupar o tempo da m�e. Depois de v�rias tentativas, dona Maria come�ou a fazer ter�os que s�o vendidos para ajudar na compra de mais material, medicamentos e fraldas geri�tricas.
O ritual ocorre em uma capela anexa � casa onde mora h� 70 anos, no Bairro Olhos D’�gua, Regi�o Oeste de BH. Foi a pr�pria dona Maria que pediu aos filhos para o local ser constru�do. A ideia surgiu ap�s a fam�lia visitar um s�tio de uma amiga em Conselheiro Lafaiete, na Regi�o Central de Minas. A capela � repleta de imagens de santos, com destaque para a padroeira do Brasil no altar. Segundo os filhos, os santos s�o presentes que a idosa recebe. Antes de usar o respirador, a fam�lia costumava ir � cidade de Aparecida, no interior de S�o Paulo, anualmente.
Sempre muito ativa, dona Mariquita perdeu mobilidade quando come�ou a usar o respirador. Agora quase n�o sai de casa. “Mas sempre fui muito caseira, n�o podia sair. A meninada n�o deixava, largar s� n�o podia”, relembra. Um dos filhos da idosa, o gerente de produ��o Esio Dias, de 61 anos, conta que em 2020 ela teve uma crise de bronquite e precisou ser internada duas vezes. “A partir da�, ela teve uma regress�o muito grande no pulm�o, apesar de sempre ter o problema pulmonar.” O quadro se agravou. “Achamos que ir�amos perd�-la.” Depois que saiu do hospital, a idosa precisou usar o respirador por 24 horas. “Foi um trauma para ela. Antes era muito ativa, viajava para S�o Paulo, Aparecida, Caldas Novas.” E Mariquita completa: “� ruim, mas o que eu posso fazer? A gente tem que aceitar tudo, com f� em Deus.”.
O filho explica que a casa onde a idosa vive � toda adaptada para as necessidades dela. “A casa � toda preparada para ela, n�o tem degraus. Mas, de vez em quando, a levamos para a casa dos filhos que n�o tem escadas.” Por�m, segundo o filho, dona Maria n�o fica muito satisfeita com a situa��o. O gerente diz que agora a dificuldade de locomo��o da m�e aumentou por causa do respirador. “Mesmo saindo um pouquinho, a satura��o dela chega a n�veis cr�ticos. Ficamos com um pouco de medo de ela passar mal por problema no oxig�nio. De 2020 para c�, tivemos que nos readaptar.”
Esio teve a ideia de fazer uma escala para que os irm�os se revezem nos cuidados di�rios com a matriarca. “A escala tem 30 dias. Todos os dias, algu�m dorme com ela. Hoje, por exemplo, � o meu dia”, afirma. Ele diz que uma cuidadora poderia cuidar da idosa, mas, segundo ele, o carinho e a presen�a dos filhos � essencial. “Ela fica muito feliz e o dia que um dos filhos n�o vem, ela questiona a aus�ncia.”
Nos fins de semana, a casa tamb�m fica cheia de filhos, netos e noras. O filho conta que dona Maria ficou vi�va h� 25 anos. “Tamb�m pensamos que ir�amos perd�-la, mas vimos a resist�ncia que ela tem.” Esio destaca ainda a vontade da m�e de ajudar os mais necessitados. “Hoje vem menos pessoas, mas antigamente, todo morador de rua, pedinte que passasse aqui precisando de alimento, ela nunca negou um prato de comida.”

Ocupa��o
Os filhos ressaltam que a m�e recebe todos os cuidados e que os ter�os s�o, principalmente, para que ela ocupe o tempo. “Ela tem plano de sa�de e assist�ncia 24 horas. N�o falta absolutamente nada pra ela. N�o � carente”, afirma Esio. O valor arrecadado com a venda dos ter�os � usado, principalmente, para a compra de mais material. Mas, o que sobra ajuda nos custos com medicamentos e fraldas geri�tricas. “� mais para ocupar o tempo dela e para que se sinta �til. A gente tem, inclusive, que control�-la para n�o acordar cedo e come�ar a fazer os ter�os.”
Outra filha de Dona Maria, a cozinheira Lucin�sia Dias, de 65, mora na casa dos fundos e est� sempre atenta � rotina da m�e. Ela tamb�m fala da grande mudan�a depois que a idosa passou a usar o respirador. “Era muito ativa e quando ficou doente foi muito dif�cil adaptar. Agora que est� aceitando o respirador.” Apesar da limita��o de locomo��o, Lucin�sia diz que a m�e est� atenta a tudo. “Ela � esperta, vigia todo mundo.” Para tentar ocupar o tempo livre da idosa, ela diz que tentaram de tudo. “Tentamos v�rias atividades: ca�a-palavras, bordado, fuxico. Mas sempre come�ava e cansava. E se ela n�o ocupar a cabe�a, bate a tristeza.”
A ideia dos ter�os veio de uma amiga da fam�lia. “Minha irm� tem uma amiga que a m�e fazia os ter�os e indicou pra gente. Come�amos e ela gostou. Essa foi a melhor ideia.” Dona Maria diz que n�o escolhe as cores, apenas recebe as contas coloridas e come�a a produzir. “S�o elas (filhas) que escolhem. Eu fui m�e e hoje sou filha. Ela � minha m�e”, diz rindo e apontando para Lucin�sia.
A idosa tamb�m n�o estabelece uma meta de produ��o di�ria. “Fa�o o que consigo. Mas quando a gente come�a n�o consegue parar”, brinca. “Fiz fuxico durante muito tempo, mas agora est� meio ruim. A vista tamb�m n�o ajuda”, reclama. Uma outra filha de Dona Maria teve a ideia de fazer uma publica��o nas redes sociais para divulgar a hist�ria. Desde a postagem, as encomendas aumentaram. “Teve uma pessoa que j� encomendou 50 ter�os”, conta a cozinheira.
Gratid�o
Mesmo diante das limita��es, dona Maria diz que n�o tem do que reclamar. “S� tenho que agradecer a Deus e pedir prote��o para eles (filhos). Pe�o a Nossa Senhora para aben�o�-los e n�o deixar ningu�m cair em coisas erradas. Sou muito feliz, n�o tenho nada para reclamar. Mas para pedir, eu tamb�m pe�o”, brinca. E emenda: “Minha vida foi muito boa, gra�as a Deus.” Perguntada sobre o que espera para o futuro, dona Maria � categ�rica. “O que Deus determinar pra mim. Estou aqui com alegria. A vida � muito boa. Mas o que Deus determinar est� feito. N�o tenho nada para reclamar, s� a agradecer.”