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Estado de Minas

Obama 'perdeu oportunidade' ao n�o dar apoio expl�cito ao Brasil, diz Amorim


postado em 24/03/2011 16:46 / atualizado em 24/03/2011 19:00



O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e Celso Amorim (foto: AFP PHOTO/ATTA KENARE)
O presidente do Ir�, Mahmoud Ahmadinejad, e Celso Amorim (foto: AFP PHOTO/ATTA KENARE)

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, “perdeu uma grande oportunidade" em sua visita ao Brasil ao n�o dar apoio expl�cito ao ingresso do pa�s no Conselho de Seguran�a da ONU, na opini�o do embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Rela��es Exteriores.

"Ele teria criado uma alian�a mais s�lida e isso teria contribu�do para uma rela��o de confian�a profunda", disse Amorim � BBC Brasil, afirmando que agora "vai continuar tudo como estava".

Para Amorim, se os Estados Unidos est�o preocupados com a crescente presen�a comercial da China no Brasil, o pa�s deve tomar medidas concretas para abrir seu mercado a produtos brasileiros – como o etanol – e reduzir o desequil�brio comercial nas rela��es bilaterais.

"� desta maneira que voc� neutraliza a influ�ncia dos outros", diz Amorim. "O Brasil tem o maior superavit comercial com a China. O maior deficit comercial � com os Estados Unidos".

Ministro das Rela��es Exteriores durante os oito anos do governo Lula (2003-2010), Amorim recebeu a BBC Brasil em seu apartamento em Copacabana, na Avenida Atl�ntica, onde j� organizou seus livros, gravatas e a cole��o de obras de arte e esculturas de diversos pa�ses que acumulou durante a carreira diplom�tica.

Ele agora divide seu tempo entre Rio de Janeiro, Bras�lia e os convites internacionais que recebe, como o que o levar� a Washington nesta sexta-feira para uma palestra.

O embaixador se diz muito satisfeito "por ter sido ministro de um governo que transformou o Brasil", e vem recebendo convites "para falar na Harvard ou falar na UNE (Uni�o Nacional dos Estudantes)”. “Pretendo atender aos dois", diz o embaixador.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - O senhor escreveu um artigo para a revista Foreign Policy antes da visita de Obama dizendo que seria uma decep��o se ele n�o aproveitasse a ocasi�o para apoiar concretamente a entrada do Brasil no Conselho de Seguran�a da ONU. Ele veio e manifestou apenas “apre�o” pelo pleito do Brasil. O senhor est� decepcionado?

Celso Amorim - Acho que a democracia brasileira fez o que p�de. N�o sei nem se eu teria conseguido tanto. A Condoleezza (Rice, Secret�ria de Estado durante o governo George W. Bush) v�rias vezes conversou comigo sobre o assunto, mas ele nunca tinha figurado num comunicado conjunto. Isso � um avan�o.

Agora, quando se compara com o que os americanos fizeram em rela��o � �ndia, evidentemente � decepcionante. Qual � o sinal que os Estados Unidos est�o dando? Qual � a diferen�a fundamental entre Brasil e �ndia?

A �ndia � mais populosa que o Brasil, mas o Brasil em compensa��o tem tr�s vezes o territ�rio indiano. Ambos s�o democracias est�veis, com influ�ncia regional. A diferen�a fundamental � que a �ndia tem bomba at�mica e o Brasil n�o tem. Como voc� pode ser ao mesmo tempo a favor da n�o prolifera��o (de armas nucleares), e, no caso de dois pa�ses que s�o razoavelmente compar�veis, apoiar um pa�s e n�o apoiar o outro?

Para falar a verdade, n�o vou dizer que eu fiquei decepcionado porque eu n�o tinha grandes expectativas de que Obama viesse a fazer isso. Mas acho que, do ponto de vista norte-americano, ele perdeu uma grande oportunidade. Os EUA continuam imbu�dos daquela vis�o de hemisf�rio. Traduzido em bom portugu�s, hemisf�rio, no fundo, � o quintal. E no quintal voc� tem que tratar todos mais ou menos igual.

O fato de ele n�o entender que o Brasil tem hoje um tr�nsito internacional mundial... Isso voc� v� na opini�o das outras pessoas. Por que convidaram a mim e uma semana depois ao presidente Lula para falar na Al-Jazeera? Quando isso acontecia antes? O Brasil est� ali, � tido como um exemplo.

Evo Morales, presidente da Bolívia, e Celso Amorim (foto: REUTERS/David Mercado)
Evo Morales, presidente da Bol�via, e Celso Amorim (foto: REUTERS/David Mercado)


BBC Brasil - Mas quais oportunidades o senhor acha que Obama perdeu em sua visita?

Amorim - A grande coisa que ele podia ter feito era dar um apoio expl�cito e claro ao Brasil. Um reconhecimento de que o Brasil pode contribuir no mundo. Ele teria criado uma alian�a mais s�lida, e isso teria contribu�do para uma rela��o de confian�a profunda. Essa coisa assim, com a x�cara meio cheia, meio vazia... Vai continuar tudo como estava.

O Obama simbolicamente � um presidente muito importante, porque � o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Tem um apelo natural para a popula��o brasileira, o que � bom. Antes da visita, analistas americanos diziam que essa era grande coisa que ele poderia fazer, uma vez que na �rea comercial os avan�os seriam limitados.

Os EUA est�o vivendo um momento de d�vida sobre o pr�prio poder. Mesmo na quest�o da L�bia, apesar de estarem engajados, h� d�vida de quem est� liderando.

Os EUA precisar�o de outros pa�ses, precisar�o discutir mais. Voc� n�o pode pensar que a pluralidade no mundo se obt�m pela terceiriza��o. "Ah, voc� faz isso, mas faz do jeito que eu quero." N�o. "Voc� faz isso, ent�o vou ter que levar em conta a sua opini�o." � uma realidade diferente, e pa�ses como o Brasil, a Turquia, a �ndia, totalmente diversos, podem atuar. Ent�o, acho que ele perdeu essa oportunidade.

BBC Brasil - Em abril, a presidente Dilma Rousseff faz sua primeira visita de Estado � China. H� not�cia de que os Estados Unidos se preocupam com a crescente influ�ncia da China na Am�rica Latina e nos pa�ses africanos. Como o Brasil se encaixa nesse contexto?

Amorim - Se os Estados Unidos est�o preocupados com isso, podia ter feito duas coisas: uma � apoiar o Brasil para o Conselho de Seguran�a. Outra � abrir o mercado de etanol. Porque � dessa maneira que voc� neutraliza a influ�ncia dos outros. N�o � s� ficar preocupado em teoria.

As pessoas criticam que o nosso com�rcio com a China n�o � bom do ponto de vista qualitativo. Mas o Brasil tem, como pa�s individual, o maior superavit comercial com a China. O maior deficit comercial � com os Estados Unidos.

Quando dizem que a bola est� no nosso campo, eu discordo totalmente. A bola ainda est� do lado dos americanos, eles � que t�m que fazer os gestos que resultem numa mudan�a. Eles que abram os seus mercados, n�o como a Alca (�rea de Livre Com�rcio das Am�ricas) queria fazer – porque ia abrir muito parcialmente o mercado americano e fazia exig�ncias tremendas.

Celso Amorim com o vice-primeiro-ministro da Síria, em 2009(foto: REUTERS/Roberto Jayme)
Celso Amorim com o vice-primeiro-ministro da S�ria, em 2009 (foto: REUTERS/Roberto Jayme)


BBC Brasil - O Brasil exporta principalmente commodities para a China, e importa manufaturados. H� uma grita em setores da ind�stria brasileira, que se sentem prejudicados pela entrada de produtos chineses...

Amorim - Primeiro, � preciso reconhecer que, quando falamos de commodities hoje, n�o � como no in�cio do s�culo 20, quando eram produtos de baix�ssimo valor agregado. Seja no agroneg�cio, no etanol, em outros produtos, h� um alto grau de pesquisa tecnol�gica agregado ali.

Mas veja bem. Os grandes deficits comerciais que o Brasil tem hoje n�o s�o com a China, s�o com os pa�ses desenvolvidos, os pa�ses produtores de manufaturados, EUA, Alemanha... O maior deficit que o Brasil tem � com os EUA, de quase US$ 10 bilh�es. E o maior super�vit que os EUA tem no mundo � com o Brasil.

Se eles querem mudar a rela��o, o que tem que ser reformado � por a�. Facilitar a importa��o do etanol brasileiro, concluir a Rodada de Doha. Com isso, ele nos conquistaria no bom sentido. Ainda que a China esteja comprando commodities, a gente precisa vender para sustentar o n�vel de vida que se alcan�ou no Brasil. Se ele (Obama) n�o faz isso, a� n�o pode evitar que a influ�ncia chinesa aumente.

BBC Brasil - A presidente Dilma Rousseff deu sinais de que ser� mais dura na defesa de direitos humanos nos pa�ses com que o Brasil se relaciona. Antes de assumir o mandato, ela mostrou posi��o diferente da do presidente Lula ao falar sobre direitos humanos no Ir�...

Amorim - A manifesta��o dela nem foi sobre o Ir�, foi espec�fica sobre a situa��o daquela senhora, a Sakineh (Ashtiani, condenada � morte por apedrejamento no Ir�). Queira Deus que a situa��o dela melhore e que ela possa ser libertada. N�o sei o que influiu no fato de ela n�o ter sido assassinada at� hoje. Mas se teve uma coisa que contribuiu, foi o pedido do presidente Lula. N�o ter� sido a �nica.

Para voc� ter esse tipo de influ�ncia, voc� tem que ter um di�logo. N�s defendemos os direitos humanos ativamente. Atuamos em v�rias situa��es evitando agravamentos, inclusive ajudando a soltar pessoas. Outro dia, o presidente da sociedade baha’i me agradeceu porque fizemos gest�es fortes em favor de baha’is condenados � morte.

N�s t�nhamos condi��es de fazer essas gest�es. Se estiv�ssemos permanentemente condenando o Ir�, sei l� se eles teriam resolvido atender a um pedido nosso.

Eu tinha liberdade para pegar o telefone, como fiz, para falar com o ministro sobre a quest�o da Sakineh (...). Soltamos a (professora) francesa Clotilde Reiss – e foi o Brasil, n�o h� a menor d�vida.

Como conseguir isso se se assume uma postura s� de condena��o? Voc� tem que optar. N�o d� para fazer as duas. Acho que o presidente (franc�s Nicolas) Sarkozy tentou fazer as duas, bater forte e dialogar ao mesmo tempo. Os iranianos n�o dialogaram.

BBC Brasil - A imprensa procura ressaltar as diferen�as entre os governos de Dilma e Lula. H� uma continuidade na pol�tica externa do governo Dilma, ou ela est� tomando rumos pr�prios?

Amorim - � bom que tome rumos pr�prios. Cada pessoa � uma pessoa, cada momento � um momento. O momento � da Dilma. H� continuidade nas linhas b�sicas, mas cada situa��o � uma situa��o. � medida que o Brasil se torna maior, ele n�o vai ter menos problemas, vai ter mais problemas. Os momentos variam, a sensibilidade pode variar em rela��o � maneira de fazer determinada coisa, e cada um far� a seu modo, isso � natural.

Mas acho que em grande parte o desejo da imprensa de fazer uma separa��o � porque ela nunca aceitou o Lula. A verdade � essa. Nunca aceitou nossas atitudes independentes. Quando fomos � S�ria a primeira vez, fui perguntado: “Mas voc�s perguntaram a Washington se podia?” � achar que o Brasil tem que ser pequeno, caudat�rio.

Nessa quest�o de direitos humanos, � perfeitamente respeit�vel a opini�o da presidente, at� pela sensibilidade pessoal que ela tem para isso. Eu nunca fui torturado, mas devo dizer que o presidente Lula foi preso e eu perdi meu lugar na Embrafilme porque autorizei um filme que tratava de tortura durante o governo militar.

Mas quando voc� l� a m�dia brasileira, pegam isso para dizer que o Brasil n�o tem que se meter com o Ir�, n�o tem que se meter com o Oriente M�dio. Eles querem o Brasil pequenininho. No m�ximo cuidando um pouco aqui na regi�o, sempre com uma postura agressiva em rela��o aos fracos e submissa em rela��o aos fortes.

N�o � isso que queremos, e eu acho que a presidente Dilma tamb�m n�o quer.

BBC Brasil - Como analista, como o senhor avalia as posi��es que o Brasil tomou em rela��o � L�bia, ao se abster no voto do estabelecimento de uma zona de exclus�o a�rea e ao pedir o cessar-fogo no pa�s?

Amorim - Achei que foi um gesto correto, mas tamb�m corajoso, porque tomado na v�spera da visita do presidente Obama. Havia a preocupa��o de proteger os civis. A tenta��o do lado ocidental � sempre agir com a for�a. A for�a �s vezes tem que estar no horizonte, mas a melhor arma � aquela que voc� n�o precisa disparar.

Como voc� disparou, a zona de exclus�o a�rea j� est� gerando rea��o. Primeiro, est� fazendo do pr�prio Khadafi um m�rtir, e mostrando que ele est� liderando uma luta antiimperialista. A Liga �rabe apoiou, mas quem est� l� � Fran�a, Estados Unidos, It�lia dando apoio log�stico, Reino Unido... Ent�o � um grupo de pa�ses ocidentais bombardeando �rabes e mu�ulmanos. Pelas rea��es que leio nos jornais, isso j� est� tendo efeito no resto do mundo �rabe.

Acho que nesses casos a gente n�o pode procurar apenas satisfazer a nossa consci�ncia moral. Sim, deve satisfaz�-la, mas de uma maneira que obtenha resultados reais, que melhore a situa��o dos l�bios. E n�o simplesmente ir para casa e dizer, dei um tiro no malvado. Voc� n�o sabe se o malvado matou mais dez por causa do tiro que voc� deu.

BBC Brasil - O senhor acredita que as revolu��es no mundo �rabe v�o representar uma grande transforma��o na geopol�tica do Oriente M�dio?

Amorim - Eu acho que sim. O caso da L�bia hoje � muito dram�tico, por causa do uso da for�a e da repress�o do governo. Mas a L�bia n�o � um pa�s com grande influ�ncia no Oriente M�dio. Tem mais influ�ncia na �frica, na verdade, porque financiou muita gente, deu apoio a Mandela.

Quem ter� muita influ�ncia � o Egito. A maneira como as coisas caminharem no Egito ter� uma grande influ�ncia no conjunto da regi�o, principalmente na rela��o Israel-Palestina, que � o problema central. Essa mudan�a vai ter impacto no Oriente M�dio e vai ter impacto no mundo. E � um fato novo.

Isso pode soar meio chocante, mas a L�bia de certa maneira veio a calhar para os pa�ses ocidentais. Porque at� ent�o todas as rebeli�es importantes estavam se realizando contra regimes apoiados ostensivamente pelo Ocidente. Egito, Tun�sia, I�men, Bahrein, onde h� bases americanas.

Embora Khadafi fosse ultimamente cortejado pelos ocidentais por causa do petr�leo e outros interesses, n�o se pode dizer que ele � um regime apoiado pelo Ocidente. A L�bia tirou as aten��es dos outros pa�ses. N�o estou dizendo que o Ocidente tenha provocado isso. Mas veio a calhar, e � uma situa��o que ainda por cima permite dizer que os pa�ses est�o lutando pelos direitos humanos.

BBC Brasil - Os pa�ses do BRIC apresentaram voto alinhado nas Na��es Unidas. Houve articula��o pol�tica para tomar uma decis�o conjunta?

Amorim - Eu n�o estou mais envolvido, n�o posso dizer o que efetivamente aconteceu. Mas certamente deve ter havido muita consulta entre eles. E certamente a posi��o de um pode ter influenciado a de outro. Acho que a posi��o da Alemanha tamb�m teve deve ter tido influ�ncia e tornou a nossa posi��o mais confort�vel.

BBC Brasil -A posi��o de absten��o do Brasil pode ser prejudicial ao pleito do pa�s por um assento permanente no Conselho de Seguran�a da ONU? O pa�s n�o ter� que tomar decis�es mais firmes se for para o conselho?

Amorim - Fui muito perguntado sobre isso quando votamos contra a resolu��o do Ir�. Ali era um caso diferente, porque t�nhamos feito um esfor�o a partir do est�mulo do Ocidente e recebemos uma rea��o que desconsiderou totalmente o que t�nhamos feito. T�nhamos mesmo que votar contra.

Mas vou repetir o que eu disse na �poca: se para entrar no Conselho de Seguran�a for preciso dizer sim a tudo, � melhor n�o entrar. Aquilo � para voc� levar a sua percep��o do mundo. E a percep��o do Brasil � basicamente a de tentar, sempre que poss�vel, resolver as situa��es com alguma negocia��o.

BBC Brasil - E qual � o papel que o Brasil desempenha nesse novo panorama no Oriente M�dio?

Amorim - Acho que o Brasil tem uma oportunidade. Do ponto de vista da rela��o com esses pa�ses, tem uma contribui��o a dar, sobretudo se souber dar com humildade. N�o pode chegar l� dizendo como as coisas t�m que ser, mas pode se abrir, mostrar como n�s consolidamos a democracia no Brasil, como foi o processo de uma Constituinte no Brasil. N�s tamb�m cometemos erros, n�o estou dizendo que a nossa experi�ncia � perfeita, mas a democracia no Brasil est� consolidada.

Ao ajudar e aumentar nossa presen�a, isso fortalece v�rios aspectos. Desde que come�amos a aproxima��o com os pa�ses �rabes, em seis anos o com�rcio se multiplicou por quatro vezes. A gente sabia que a parte comercial � importante, mas voc� n�o pode querer buscar s� defender os interesses comerciais. As coisas v�m num conjunto.
Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e Celso Amorim (foto: AFP PHOTO/Eitan ABRAMOVICH)
Hugo Ch�vez, presidente da Venezuela, e Celso Amorim (foto: AFP PHOTO/Eitan ABRAMOVICH)


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