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Estado de Minas RELA��ES HUMANAS

'Os humanos s�o uma das esp�cies mais violentas com suas f�meas'

Paleoantrop�logo franc�s Pascal Picq fala sobre as rela��es entre homens e mulheres nas primeiras sociedades humanas e afirma que a viol�ncia de g�nero � um problema social e cultural que tem solu��o


01/12/2020 09:08 - atualizado 01/12/2020 10:44


Para Picq, violência de gênero é um problema social e cultural que tem solução(foto: Getty Images)
Para Picq, viol�ncia de g�nero � um problema social e cultural que tem solu��o (foto: Getty Images)

A viol�ncia de g�nero � um problema cultural ou gen�tico? Ap�s uma pesquisa exaustiva, o paleoantrop�logo franc�s Pascal Picq concluiu que isso certamente n�o est� em nossos genes.

"Dentro da fam�lia dos homin�deos (que inclui os humanos), h� diferen�as: chimpanz�s e homens s�o muito violentos com suas f�meas, mas os bonobos n�o."

Professor no prestigioso Coll�ge de France, em Paris, Picq � autor de v�rios livros que investigam as m�ltiplas caracter�sticas da esp�cie humana, das quais ainda existem muitas inc�gnitas n�o resolvidas.

Em seu �ltimo trabalho, Et l'evolution cr�a la femme (E a evolu��o criou a mulher, em tradu��o livre para o portugu�s), ele aborda a quest�o das rela��es entre homens e mulheres nas primeiras sociedades humanas.

E depois de comparar o homo sapiens com seus primos mais pr�ximos, gorilas e macacos, ele faz uma declara��o que pode surpreender a muitos: os humanos s�o a esp�cie de primata mais violenta em rela��o ao sexo feminino.


Em sua obra
Em sua obra "Et l'�volution cr�a la femme", Pascal Picq tenta compreender a origem da viol�ncia contra as mulheres (foto: Getty Images)

Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Picq � BBC News Mundo, o servi�o de not�cias da BBC em espanhol, na qual ele detalha como chegou � essa conclus�o e quanto levaria para acabarmos com a coer��o das mulheres e o dom�nio do sexo masculino que ainda � muito presente na maioria das sociedades ao redor do mundo.

BBC News Mundo: O que levou o senhor a investigar em profundidade as rela��es entre homens e mulheres nas primeiras sociedades humanas?

Pascal Picq: V�rias coisas. Primeiro, de uma maneira geral, sempre falamos sobre a evolu��o do homem. Sabemos que isso inclui homens e mulheres, mas, na verdade, sempre falamos sobre a evolu��o na perspectiva dos homens.

Em todas as imagens que representam a evolu��o da linhagem humana vemos que s�o os homens que criam as ferramentas, que s�o os homens que ca�am, etc. As mulheres s�o invis�veis na pr�-hist�ria.

Quase nunca houve um estudo cient�fico que fala sobre a evolu��o, n�o do lado das mulheres, mas com as mulheres.

A segunda � que, especialmente no mundo ocidental, herdamos a ideia de que existe apenas uma vis�o de evolu��o e que isso deve necessariamente levar ao dom�nio do Ocidente sobre o resto do mundo; isso � conhecido como evolu��o cultural.

A evolu��o cultural � uma concep��o do s�culo 19, muito coercitiva e altamente discriminat�ria em rela��o �s mulheres, por isso as mulheres se tornaram invis�veis. Nunca as vemos em teorias evolutivas ou reconstru��es da hist�ria humana.

E outra coisa importante � que recentemente cresceu o interesse em fazer estudos sobre as rela��es entre homens e mulheres de diferentes esp�cies, porque na etologia, no estudo do comportamento, o g�nero feminino tamb�m foi um pouco negligenciado.

BBC News Mundo: De onde vem a coer��o contra as mulheres de que o senhor fala em seu livro?

Picq: Os humanos pertencem ao grupo dos mam�feros e nos mam�feros existe um grande desequil�brio no processo reprodutivo: s�o as f�meas que engravidam e gestam, produzem leite e tamb�m aquelas que por vezes protegem os pequenos dos machos da sua esp�cie.

No caso dos macacos, esse desequil�brio � ainda mais acentuado porque as f�meas d�o � luz apenas um filhote por vez. Depois de uma longa gesta��o, d�o � luz a uma �nica f�mea, depois vem a amamenta��o. O desmame ocorre ap�s dois, tr�s, �s vezes quatro anos.

Normalmente, nas outras duas popula��es humanas, com exce��o do Ocidente, um beb� � gerado a cada quatro a cinco anos. � uma taxa de reprodu��o muito baixa, que os machos tendem a querer controlar.

BBC News Mundo: Como isso varia entre as diferentes esp�cies de primatas?

Picq: Em geral, em mam�feros, h� muito pouca coer��o sexual contra as mulheres.

N�o existem muitas esp�cies em que os machos sejam muito violentos ou muito violentos com as f�meas. Algumas s�o de cavalos, algumas de ant�lopes e golfinhos.

Quando chegamos � nossa ordem zool�gica, a dos primatas, os l�mures, os macacos, os primatas e � claro n�s, notamos que os l�mures de Madagascar, por exemplo, s�o um grupo bastante homog�neo em que os machos dominam as f�meas. S�o poucos os casos em que n�o h� viol�ncia contra o sexo feminino.

Agora, nos macacos da Am�rica do Sul, tamb�m h� pouca coer��o sexual. Existe muita monogamia. Existe a poliandria, ou seja, uma f�mea que vive com v�rios machos. Existem alguns grupos, como os macacos-aranha, em que os machos s�o um pouco coercitivos, mas n�o muito violentos.

Mas quando se trata de macacos do velho mundo, �frica, �sia e alguns da Europa, como macacos, babu�nos etc., as esp�cies s�o muito mais coercitivas, na m�dia.

Algo interessante � que as f�meas s�o chamadas de sexo ecol�gico: elas tendem a ficar juntas a vida toda para controlar seu territ�rio, seus recursos, mas tamb�m para estar com suas m�es, irm�s e primas. Isso permite que formem uma coaliz�o e resistam � press�o masculina.

Em geral, a monogamia n�o est� relacionada � coer��o, exceto em humanos. Os gib�es s�o macacos que vivem em pares monog�micos e n�o s�o coercitivos.


Pascal Picq assegura que mesmo em espécies muito violentas, como os chimpanzés, não há assassinatos de fêmeas, portanto o feminicídio é um fenômeno
Pascal Picq assegura que mesmo em esp�cies muito violentas, como os chimpanz�s, n�o h� assassinatos de f�meas, portanto o feminic�dio � um fen�meno "peculiar" ligado � esp�cie humana (foto: Getty Images)

BBC News Mundo: E quanto a n�s, humanos?

Picq: N�s, os grandes macacos africanos, hoje definidos como homin�deos, somos esp�cies patrilocais, ou seja, os machos permanecem juntos a vida inteira e as f�meas migram na adolesc�ncia para se reproduzir. 95% das sociedades humanas funcionam dessa forma.

Dentro da fam�lia dos homin�deos (que inclui os humanos), existem diferen�as: os chimpanz�s e os homens s�o muito violentos com as mulheres, mas os bonobos n�o. Portanto, pode-se dizer que os humanos est�o entre as esp�cies mais violentas com suas f�meas.

A viol�ncia contra as mulheres � principalmente uma quest�o social e cultural, n�o � gen�tica. N�o h� nada ligado ao ecossistema ou relacionado ao fato de a sociedade ser matrilocal ou patrilocal.

Depende muito da hist�ria de cada esp�cie e isso significa que pode mudar rapidamente, mas tamb�m pode ser mantida por muito tempo.

BBC News Mundo: Falando de nossos ancestrais, as mulheres de Neandertal tamb�m sofreram viol�ncia de g�nero?

Picq: � claro que, considerando que temos uma origem comum com os chimpanz�s, pode-se pensar que nossa linhagem � coercitiva e violenta. Mas tamb�m estamos relacionados aos bonobos, que n�o s�o.

Pode ter havido muitas sociedades onde havia pouca coer��o masculina e mais equil�brio de poder entre homens e mulheres.

Mas no momento n�o temos elementos suficientes para responder a essa pergunta. Sabemos que os neandertais formaram sociedades patrilocais. Agora, quando olhamos para seus t�mulos, � muito dif�cil ver se havia uma diferen�a de status entre homens e mulheres.

Perto do final da pr�-Hist�ria, sociedades muito mais complexas aparecem e em algumas vemos diferen�as entre homens e mulheres que mais tarde se tornar�o mais e mais acentuadas em sociedades mais recentes.

BBC News Mundo: Casos em que f�meas s�o mortas por machos s�o vistos apenas na esp�cie humana?

Picq: Mesmo em esp�cies muito violentas, como chimpanz�s ou alguns tipos de macacos, n�o temos assassinatos de f�meas. N�o estou dizendo que elas s�o am�veis, mas n�o sabemos se houve assassinatos.

Em orangotangos, existem muitas agress�es. � um pouco complicado como elas acontecem, mas os estupros s�o raros na natureza e a� tamb�m, ao contr�rio do que acontece conosco, n�o h� assassinatos de f�meas ap�s o estupro.

Isso mostra que o feminic�dio � um fen�meno bastante peculiar, particularmente ligado � nossa esp�cie.

Neste sentido, � bastante assustador que o ambiente familiar ou o ambiente normal em que as mulheres vivem, que deveria ser um ambiente mais protetor, seja onde mais mulheres s�o mortas.

BBC News Mundo: Como o papel das mulheres evoluiu na hist�ria da humanidade?

Picq: Sempre foi t�o importante quanto o papel do homem, � claro, exceto que o ignoramos completamente.

As mulheres nunca deixaram de participar de eventos como a Revolu��o Francesa ou a 1ª Guerra Mundial, mas tivemos que esperar at� a 2ª Guerra Mundial para poder olhar a hist�ria pela perspectiva das mulheres.

Tiveram um papel muito importante, mas que ainda n�o foi elucidado e j� � tempo de o come�armos.

BBC News Mundo: Alcan�aremos uma igualdade real entre homens e mulheres? Quanto tempo vai demorar?

Picq: Na biologia evolutiva, temos uma grande teoria desde os anos 1980, chamada Teoria do Equil�brio Pontuado. Isso significa que a evolu��o passa por fases de relativa estabilidade e per�odos de r�pida mudan�a.

Na Espanha, por exemplo, h� 20 anos havia muita viol�ncia de g�nero e em 15 anos eles quase resolveram o problema.

Embora ainda exista a imagem de uma cultura muito machista, agora a Espanha est� entre os pa�ses mais avan�ados em mat�ria de igualdade de g�nero, justi�a, etc. Ent�o, sim, � algo que pode mudar muito rapidamente.

De modo geral, a sociedade avan�ou nesse aspecto, mas h� muito trabalho ainda a ser feito.

Na maioria dos pa�ses, o acesso aos cuidados de sa�de e � educa��o para homens e mulheres � quase igual.

Mas, por outro lado, podemos perceber que ainda existem muitas desigualdades no mundo econ�mico e social, principalmente nas oportunidades de carreira.

Vemos que as mulheres que t�m op��o de estudos agora est�o mais voltadas para profiss�es que hoje s�o menos remuneradas, principalmente em compara��o com outras.

Em profiss�es emergentes, como ci�ncia de dados, intelig�ncia artificial, etc., as mulheres est�o menos presentes. Elas tendem a escolher carreiras mais voltadas para o lado humano, como educa��o, justi�a, medicina e servi�o social, enquanto os empregos "masculinos", que s�o mais t�cnicos, tendem a pagar melhor.


Picq conclui que, ao longo da evolução, caminhamos para uma maior coerção contra as mulheres e que houve muitas outras experiências sociais durante a evolução da linhagem humana, com sociedades muito mais igualitárias do que hoje(foto: Getty Images)
Picq conclui que, ao longo da evolu��o, caminhamos para uma maior coer��o contra as mulheres e que houve muitas outras experi�ncias sociais durante a evolu��o da linhagem humana, com sociedades muito mais igualit�rias do que hoje (foto: Getty Images)

Mas vemos as principais desigualdades no campo pol�tico. Na Inglaterra e em outros pa�ses do norte da Europa, estamos acostumados a ver mulheres l�deres, primeiras-ministras, imperatrizes, n�o � o caso no sul da Europa nem no resto do mundo.

Mesmo nesses pa�ses, vemos que em termos de representa��o no Parlamento ou em outras institui��es, as mulheres ainda s�o muito menos predominantes do que os homens.

BBC News Mundo: Por que o senhor acha que as mulheres tendem a escolher esse tipo de profiss�o?

Picq: Ainda existem h�bitos culturais por meio dos quais, mesmo quando as mulheres s�o melhores do que os homens em m�dia no ensino m�dio, especialmente em Ci�ncias, tendem por raz�es hist�ricas e antropol�gicas a escolher of�cios relacionados a pessoas em vez de empregos tecnol�gicos ou financeiros.

Mesmo agora, quando as condi��es de acesso a todas as profiss�es s�o quase iguais, ainda existem escolhas arcaicas ou press�es sociais e culturais das quais as mulheres est�o mais ou menos conscientes.

BBC News Mundo: Por fim, a que outras conclus�es o senhor chegou depois de lan�ar seu livro?

Picq: O resultado final � que, ao longo da evolu��o, caminhamos para uma maior coer��o contra as mulheres e que houve muitas outras experi�ncias sociais durante a evolu��o da linhagem humana, sociedades muito mais igualit�rias, mais matrilineares, mais matrilocais e ainda mais matriarcais.

E, acima de tudo, que entender essas quest�es � absolutamente fundamental para o futuro, visto que vivemos transforma��es consider�veis em nossa sociedade, com grandes mudan�as no que � o conceito de paternidade, por exemplo.

Outras quest�es tamb�m surgiram sobre o conceito de g�nero ou as novas rela��es entre homens e mulheres, sejam em casais heterossexuais ou homossexuais.

Hoje vivemos grandes convuls�es em nossas sociedades, econ�mica e politicamente, por isso seria muito interessante se, sem rejeitar completamente certos aspectos do patriarcado que podem ser interessantes e n�o necessariamente coercitivos, perceb�ssemos que n�o existe um caminho �nico para o amanh� e que n�o inventamos tudo ainda.

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