
O navio encalhado no Canal de Suez que fechou a rota nesta semana criou um obst�culo para mais de 12% do com�rcio mundial — porcentagem que se estima que passe pelo canal e com valor estimado de US$ 9,5 bilh�es.
Mas, apesar do severo impacto econ�mico que o incidente est� causando, este n�o � o pior obst�culo a interromper o com�rcio pelo canal, que liga o Mar Vermelho ao Mediterr�neo.
Em junho de 1967, 15 navios que passavam pelo canal foram pegos no fogo cruzado da Guerra dos Seis Dias, entre Israel e o bloco formado por Egito, S�ria e Jord�nia.
A guerra terminou em quest�o de dias, mas o canal ficou fechado por anos — um dos navios afundou e os outros 14 encalharam e s� foram retirados 8 anos depois.
Entenda por que o bloqueio durou tanto tempo.

Como o conflito come�ou?
A Guerra dos Seis Dias foi um dos conflitos resultantes das tens�es entre pa�ses �rabes e Israel nas d�cadas ap�s a funda��o do Estado na regi�o.
A rela��o entre Egito e Israel era tensa desde que Israel havia invadido a pen�nsula do Sinai, no Egito, em 1956. O pa�s foi for�ado a se retirar, e um acordo de desmilitariza��o da regi�o foi criado com a condi��o de que o estreito de Tiran ficasse aberto.
Em 1967, no entanto, as tens�es entre os dois pa�ses atingiram um pico e o Egito, sob a lideran�a de Gamal Abdel Nassar, anunciou que o estreito ficaria fechado para os israelenses.
Ap�s semanas de tens�es, em 5 de junho de 1967, estourou a Guerra dos Seis Dias quando Israel lan�ou um ataque a�reo surpresa no qual destruiu 90% das aeronaves militares do Egito e nocauteou a For�a A�rea S�ria.
A guerra de Israel contra S�ria, Egito e Jord�nia foi r�pida e destrutiva, com os pa�ses �rabes perdendo o conflito.
O bombardeio surpresa atingiu tamb�m 15 navios cargueiros civis que transitavam pelo Canal de Suez. Os navios comerciais eram de diferentes pa�ses: Bulg�ria, Tchecoslov�quia, Fran�a, Pol�nia, Su�cia, Alemanha Ocidental, Reino Unido e Estados Unidos.
"Assim que cruzamos a extremidade sul do canal, o capit�o me informou que a guerra havia estourado entre Israel e os pa�ses �rabes. � medida que avan��vamos, os avi�es decolaram da areia, lembro-me nitidamente, e atacaram a base a�rea eg�pcia, voando baixo. E seu ataque foi muito preciso ", disse Peter Flack, um marinheiro do navio brit�nico Agapenor, � BBC Radio 4 em 2010.
O Agapenor transportava borracha da Mal�sia e brinquedos de pl�stico para o Reino Unido e foi uma das embarca��es presas no canal.
John Hughes, do Melampus, que carregava �leo de palma e nozes da China, disse � BBC Radio 4 que "dois avi�es israelenses sobrevoaram o navio, vindos do deserto do Sinai, e o barulho foi ensurdecedor".
Em meio aos ataques, Israel afundou um dos navios, que pertencia aos Estados Unidos.
Enquanto isso, o restante dos barcos teve que ancorar no Grande Lago Amargo, um dos lagos do Canal de Suez.
"Eles n�o queriam ser alvos, ent�o ficaram l�", diz Sal Mercogliano, especialista em hist�ria mar�tima da Universidade de Campbell, nos Estados Unidos, � BBC Mundo.
No segundo dia do conflito, o Egito afundou navios nas extremidades do canal e plantou explosivos para bloquear a rota e impedir que Israel a cruzasse.
A guerra terminou no dia 10 de junho, com a derrota dos pa�ses �rabes. Mas o Egito manteve o bloqueio e os 14 navios que estavam presos no canal n�o puderam sair.

Negocia��es diplom�ticas e abandono dos navios
Depois do conflito, em cerca de duas semanas, negocia��es diplom�ticas permitiram que alguns dos marinheiros que estavam nos navios partissem, explicou Peter Snow, apresentador da BBC Radio 4, no programa The Yellow Fleet (A Frota Amarela, em portugu�s), de 2010. Mas o restante das tripula��es ficaram presos no local por tr�s meses.
"Os pa�ses aos quais os navios pertenciam n�o conseguiram chegar a nenhum acordo com o Egito ou Israel que lhes permitisse navegar", afirma Mercogliano. "Acreditava-se que em algum momento o bloqueio acabaria, mas n�o acabou."
Como o fechamento se estendeu indefinidamente, as companhias de navega��o mantiveram tripula��es nos navios para cuidar das instala��es e das mercadorias, alternando os marinheiros de tempos em tempos.
As tripula��es se reuniram e formaram a Associa��o do Grande Lago Amargo (GBLA), que serviu para organizar atividades que lhes permitissem "manter a sanidade", conta Mercogliano.
A GBLA organizou uma "olimp�ada" paralela �s do M�xico em 1968, com 14 esportes — como regatas, mergulho, tiro, corrida, p�lo aqu�tico, arco e flecha —, em que tripula��es de diferentes nacionalidades competiram entre si e se encontraram.
Os membros da GBLA tamb�m jogavam t�nis de mesa e montaram um campo de futebol, segundo depoimentos coletados pela BBC Radio 4.
Al�m disso, a GBLA abriu uma esta��o de correios para receber correspond�ncia, com selos pr�prios (que mais tarde passaram para as m�os de colecionadores de todo o mundo).
Mas ao longo dos anos, "sem o fim do bloqueio � vista, v�rias empresas declararam os navios perdidos e comunicaram os preju�zos �s suas seguradoras", diz Mercogliano.
Os navios acabaram cobertos com poeira e areia dos desertos adjacentes ao canal, e ficaram conhecidos como "A Frota Amarela", devido � cor que adquiriram ap�s o abandono.

Quais foram as consequ�ncias do bloqueio?
Desde que foi aberto � navega��o em 1869, o Canal de Suez "tem sido uma art�ria importante porque economiza milhares de milhas de viagem para navios que evitam ter que contornar a �frica", diz o especialista em hist�ria mar�tima Lincoln Paine.
Embora o volume de mercadorias tenha aumentado muito hoje em dia em compara��o com a d�cada de 1960, o bloqueio causado pela guerra em 1967 tamb�m foi bastante grave, com consequ�ncias globais de duradouras.
"O mais afetado foi o Egito, porque 4% do PIB (Produto Interno Bruto) do pa�s vinha das taxas cobradas pelo uso do canal", afirma Paine.
O fluxo mundial de petr�leo tamb�m mudou, porque ficou mais dif�cil para os pa�ses �rabes exportarem o recurso. Ent�o a R�ssia passou a enviar mais petr�leo para a Europa, segundo Paine.
"Os Estados Unidos e a Europa eram quem movimentava o com�rcio mundial. A China ainda n�o era uma pot�ncia. Os navios que a Europa mandava, que eram menores, tinham que dar a volta na �frica, ent�o o custo do transporte subia", explica Paine. "Como a dist�ncia pela �frica era muito longa, decidiu-se que, em vez de enviar dois barcos pequenos, era melhor enviar um �nico maior. Assim, o tamanho dos barcos come�ou a aumentar".
"Quando o Canal de Suez foi reaberto em 1975, havia navios que n�o podiam mais passar, ent�o uma das coisas que os eg�pcios t�m feito desde ent�o � expandir o canal", diz Mercogliano.

Como a rota foi reaberta?
Paine acredita que, com o fechamento, o Egito "estava enviando uma mensagem ao Ocidente, de que era visto como pr�-Israel".
"Eles achavam que interromper o fluxo de petr�leo e o com�rcio internacional for�aria europeus e americanos a reavaliar suas posi��es em rela��o ao Oriente M�dio", disse Paine.
Embora a medida n�o tenha funcionado, o bloqueio foi estendido porque ningu�m queria ceder, explica o especialista.
At� que outro confronto acabou levando � reabertura do canal: a Guerra do Yom Kippur, em 1973, quando for�as �rabes lideradas por Egito e S�ria tentaram recuperar territ�rios que haviam sido ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias.
"A Guerra do Yom Kippur trouxe todos para a mesa de negocia��es novamente. A resolu��o do conflito incluiu a decis�o de reabrir o canal. Todos viram que o fechamento s� tinha tido consequ�ncias negativas. Ent�o o Egito (liderado por Anwar al Sadat, que sucedeu Nasser ap�s sua morte em 1970) decidiu mudar de rumo ", diz Paine.
Ap�s a retirada dos explosivos e dos navios que Nasser havia afundado, processo que durou cerca de um ano, o canal foi reaberto para navega��o em 5 de junho de 1975, no anivers�rio da Guerra dos Seis Dias.
Apenas dois dos 14 barcos que tinham ficado presos conseguiram sair por conta pr�pria, o M�nsterland e o Nordwind, da Alemanha. O resto teve de ser rebocado ou desmontado no local.
Bloqueios como esse demonstram "a import�ncia vital do canal e a vulnerabilidade da cadeia de abastecimento mar�timo", diz Mercogliano. "Um navio ou um conflito podem sozinhos atrapalhar o com�rcio do mundo todo."
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