
A Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil (APIB) enviou h� duas semanas uma carta ao presidente americano Joe Biden e ao seu Enviado Especial Clim�tico, John Kerry, na qual pede um "canal direto" de comunica��o com o governo dos EUA sobre assuntos ligados � Amaz�nia brasileira.
Eleito com a proposta de enfrentar o desafio das mudan�as clim�ticas, Biden chegou a citar o desmatamento da floresta Amaz�nica brasileira como um dos seus focos de aten��o durante debate ainda na campanha presidencial. Atualmente, Kerry e sua equipe organizam uma C�pula do Clima, em 22 de abril, na qual Biden pretende selar seu protagonismo global no assunto e arrancar compromissos no tema de pa�ses como o Brasil, cujo presidente, Jair Bolsonaro, foi convidado para o evento.
� neste contexto que a carta da APIB, � qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade, chega � Casa Branca e ao gabinete de Kerry. Na comunica��o, os ind�genas afirmam que "para assegurar e cobrar que o Estado brasileiro volte a fazer uso de suas legisla��es ambientais e suas diversas ag�ncias de prote��o, � essencial incluir os Povos Ind�genas na mesa de negocia��o e elabora��o de estrat�gias".
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Assinada por S�nia Guajajara, coordenadora nacional da APIB, a carta lista como problemas da gest�o Bolsonaro n�o s� o aumento no desmatamento desde 2019, mas o apoio a projetos de lei que permitiriam minera��o em terra ind�gena, o fim dos processos de demarca��es de terra, a falta de a��es para retirar invasores das terras j� demarcadas e o enfraquecimento de �rg�os de fiscaliza��o ambiental.
E questiona o real compromisso do governo brasileiro com eventuais metas acertadas junto ao governo Biden. "O projeto de morte do Governo Bolsonaro prop�e a legaliza��o de crimes socioambientais e a descontinuidade das pol�ticas de prote��o � floresta amaz�nica", afirmam os ind�genas na carta.
Segundo a reportagem apurou, grupos ind�genas brasileiros se articulam junto a ONGs de conserva��o ambiental tanto no Brasil quanto nos EUA para viabilizar uma reuni�o com o executivo americano antes que qualquer an�ncio de colabora��o entre os pa�ses seja feito, em abril. Consultado sobre a iniciativa da APIB, o Itamaraty afirmou desconhecer o teor da carta, disse "reconhecer seu pleno direito em fazer conhecidos seus pleitos e propostas".
O minist�rio das Rela��es Exteriores ressaltou, no entanto, que "cabe recordar que o di�logo bilateral oficial ocorre entre representantes dos respectivos governos, os quais estar�o sempre atentos e receptivos aos anseios e contribui��es de setores de ambas as sociedades".
J� o Minist�rio do Meio Ambiente n�o respondeu � BBC News Brasil.

O fim da turbul�ncia entre EUA e Brasil?
A rela��o entre Brasil e Estados Unidos passou por meses conturbados durante a campanha e o per�odo de transi��o do governo americano. De um lado, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro expressou publicamente predile��o pelo republicano Donald Trump e chegou a falar em fraudes na elei��o de Biden, al�m de levar semanas para parabeniz�-lo pela vit�ria.
De outro, o ent�o candidato democrata deixou claro que passaria a questionar o governo brasileiro sobre a preserva��o da Amaz�nia, aliando-se aos l�deres de pa�ses europeus, que, ap�s assinar o acordo de livre-com�rcio entre Mercosul e Uni�o Europeia, interromperam o andamento de implementa��o do tratado ao alegar preocupa��es com a atual pol�tica ambiental brasileira.
"As florestas tropicais do Brasil est�o sendo destru�das. Mais carbono � absorvido naquela floresta do que � emitido pelos Estados Unidos. Vou garantir que v�rios pa�ses se juntem e digam (ao Brasil): 'Aqui est�o US$ 20 bilh�es (ou R$ 115 bilh�es). Parem de destruir a floresta'", disse Biden em um debate com Trump ainda em 2020.
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A resposta do governo brasileiro foi imediata. Bolsonaro afirmou que a soberania brasileira n�o estava � venda. E o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, foi ao Twitter ironizar: "S� uma pergunta: a ajuda dos US$ 20 bilh�es do Biden � por ano?"
Mas ap�s a posse do governo Biden e especialmente nas �ltimas semanas, o tom mudou. Ministros brasileiros e representantes da gest�o democrata t�m realizado uma s�rie de conversas nas quais o t�pico central � o programa clim�tico do governo americano, lan�ado em janeiro, que prev� o uso de "mecanismos de mercado" para promover a preserva��o da Amaz�nia.
� frente da iniciativa do lado americano est�o o Departamento do Tesouro, o Departamento de Estado e a Ag�ncia Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em ingl�s), al�m do Enviado Especial Clim�tico, John Kerry. S�o eles os respons�veis por criar um projeto, que inclua claras contrapartidas, para que os EUA passem a financiar a conserva��o florestal brasileira.
E, apesar da resposta inicial negativa, o governo brasileiro tem deixado claro que tem interesse em programas ambientais que envolvam dinheiro para servi�os florestais do pa�s.
As tratativas t�m sido feitas em conversas entre o ministro da economia brasileiro, Paulo Guedes ,e a secret�ria do tesouro dos EUA, Janet Yellen, entre o Secret�rio de Estado de Biden, Anthony Blinken, e o chanceler Ernesto Ara�jo e entre Kerry, Ara�jo e Salles.

E se a agenda intensa entre brasileiros e americanos ainda n�o resultou em an�ncios de medidas concretas, os ind�genas brasileiros argumentam que ela vem sendo usada pela gest�o brasileira para sugerir que o mal estar entre Brasil e EUA nos assuntos de meio ambiente ficou para tr�s, mas sem que isso represente uma guinada na posi��o sobre o tema da parte de Bolsonaro.
Depois de questionar dados sobre o desmatamento no Brasil e dizer que o aquecimento global era, na verdade, "alarmismo clim�tico" derivado de ideologias marxistas, o chanceler Ernesto Ara�jo afirmou h� tr�s semanas em evento do Council of the Americas que "algo que era considerado um impedimento (para a boa rela��o entre Brasil e EUA) est� totalmente fora do caminho".
"Agora estamos trabalhando juntos como parceiros-chave para uma COP-26 bem-sucedida e implementa��o total dos acordos clim�ticos". A COP-26, confer�ncia do clima da ONU, acontecer� em novembro de 2021 no Reino Unido.
No �ltimo s�bado, 27/3, sob intensa e aberta press�o para que deixe o cargo, Ara�jo foi ao Twitter dizer que "o convite do presidente Biden a Bolsonaro para a C�pula do Clima reflete a capacidade e determina��o do Brasil de construir junto com os EUA uma agenda ambiental moderna, incluindo investimento, tecnologia, gera��o de emprego e vis�o de futuro. J� estamos trabalhando para isso".
"O que a gente viu � que teve essa conversa recente entre Ricardo Salles, Ernesto Ara�jo e John Kerry que levou o governo a dizer que os problemas com os americanos em rela��o ao meio ambiente estavam resolvidos. E nosso entendimento � que esse governo n�o atua com a verdade", afirmou � BBC News Brasil Dinamam Tux�, coordenador-executivo da Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil (APIB) e um dos respons�veis pela elabora��o da carta ao governo americano.
"No discurso, eles tentam vender uma imagem que n�o � o que percebemos na pr�tica. At� o presente momento n�o houve sequer um di�logo desse governo com os povos ind�genas para tentar montar uma estrat�gia de enfrentamento �s invas�es de nossas terras. O que queremos n�o � discurso, � a��o, fiscaliza��o. Por isso � leg�tima a presen�a dos ind�genas nas tomadas de decis�o de qualquer medida para a Amaz�nia pelo governo americano", segue Tux�.
Na carta, os ind�genas dizem ainda que os interesses conservacionistas dos povos nativos e dos americanos coincidem e citam dados de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que mostram que as �reas demarcadas s�o as que menos sofrem com desmatamento.
Al�m disso, eles cobram pessoalmente o compromisso de John Kerry com os ind�genas, ao relembrar que em outubro do ano passado, em discurso de homenagem � l�der Alessandra Munduruku, Kerry se colocou como aliado p�blico � causa ind�gena.
Para fontes na diplomacia americana ouvidas reservadamente, embora os democratas j� tenham demonstrado publicamente diferentes graus de "hostilidade" ao governo Bolsonaro, e simpatia por grupos que se op�em a ele, como os ind�genas, a necessidade de levar o Brasil a se comprometer com metas ambiciosas na seara clim�tica e ambiental, prioridade zero da gest�o Biden, obriga Kerry e o Departamento de Estado a agirem com cautela na abertura de canais com l�deres fora da estrutura governamental.
Trata-se de um fino equil�brio entre exercer m�xima press�o sem, no entanto, causar ofensas � gest�o Bolsonaro.
H� uma semana, em entrevista � revista brit�nica The Economist, Kerry fez considera��es sobre o assunto. Ele disse que n�o "ficar� s� ditando" o que o Brasil deve fazer, mas trabalhar� junto com o pa�s em busca de solu��es. Ainda assim, o Enviado Clim�tico reconhece que n�o ser� f�cil, j� que se trata de "um governo que se sentiu prejudicado pela forma como foi abordado at� o momento".
A BBC News Brasil contatou o gabinete de John Kerry, que confirmou o recebimento da carta dos ind�genas brasileiros, atualmente sob avalia��o de sua equipe. Kerry, no entanto, n�o quis comentar o assunto.
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