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Estado de Minas PODE-SE EQUIPARAR?

Em que se diferenciam as viol�ncias praticadas por nazistas e por comunistas sovi�ticos, segundo historiadores

No dia 9 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro comparou nazismo e comunismo ao dizer que leis brasileiras deveriam combater as duas ideologias. A BBC News Brasil ouviu dois dos maiores historiadores da atualidade para analisar as principais semelhan�as e diferen�as entre os o nazismo de Hitler e o comunismo de Stalin.


17/02/2022 10:20 - atualizado 17/02/2022 11:16


Campo de concentração nazista
Para Elazar Barkan, professor da Universidade de Columbia, o que torna o nazismo �nico � a perpetua��o de uma pol�tica estatal de exterm�nio total da popula��o judaica. No comunismo, diz ele, a viol�ncia tinha como fim a domina��o e amplia��o do regime, n�o a destrui��o de um povo com base na ra�a, religi�o ou etnia (foto: US National Archives)

O nazismo de Adolf Hitler na Alemanha e o comunismo de Josef Stalin na Uni�o Sovi�tica coexistiram num mesmo per�odo da hist�ria. Ambos os regimes eram ditatoriais e violentos. Mas � poss�vel equiparar as terr�veis atrocidades do holocausto com as mortes ocorridas durante o regime comunista sovi�tico?

No dia 9 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro comparou nazismo e comunismo ao defender, em postagem no Twitter, que as leis brasileiras deveriam combater organiza��es que preguem o "antissemitismo, a divis�o de pessoas em ra�as ou classes, e que dizimaram milh�es de inocentes ao redor do mundo, como o comunismo".

A BBC News Brasil ouviu dois dos historiadores mais respeitados do mundo para analisar as diferen�as e semelhan�as entre os dois regimes.

Um deles � o israelense Elazar Barkan, diretor do Instituto de Estudos de Direitos Humanos da Universidade de Columbia, em Nova York, e autor do livro The Guilt of Nations (A Culpa das Na��es, em tradu��o livre), no qual aborda o processo de repara��o a v�timas ap�s a Segunda Guerra Mundial.

O outro � o professor brit�nico Richard J. Evans, que dirigiu o Departamento de Hist�ria da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e � autor de 18 livros sobre hist�ria europeia, entre eles a trilogia do Terceiro Reich.

Ambos dizem que a principal diferen�a entre nazismo e comunismo est� no prop�sito nazista de destrui��o de uma popula��o inteira com base numa ideologia de supremacia racial.

No comunismo da Uni�o Sovi�tica, a viol�ncia era dirigida contra quem era considerado inimigo do regime, n�o a um grupo �tnico ou racial espec�fico - e tinha um objetivo de domina��o, n�o exterm�nio. Ou seja, para os dois especialistas, os dois regimes n�o s�o equipar�veis no tipo de viol�ncia que perpetraram.

"Os nazistas trataram os judeus com brutalidade e sadismo particulares. Havia um desejo de degrada��o e humilha��o que torna a viol�ncia nazista particular. No comunismo, a viol�ncia n�o tinha cunho racial. Ela era dirigida contra quem acreditavam ser subversivos e n�o embutia o mesmo �dio visceral que o nazismo tinha pelos judeus", avalia Richard J Evans, considerado uma das maiores autoridades no estudo da Alemanha nazista.

Mas a discuss�o � complexa e envolve diferentes fatores. Por isso, a BBC News Brasil re�ne aqui as principais diferen�as e semelhan�as entre nazismo e comunismo em tr�s aspectos: ideologia, viol�ncia e totalitarismo.

Ideologia


Hitler em 1938
L�der do partido a partir de 1921, Adolf Hitler manifestou em seu livro autobiogr�fico de dois volumes, Mein Kampf, �dio por marxistas, eslavos e, principalmente, judeus (foto: Library of Congress)

O primeiro passo para analisar a viol�ncia praticada pelo nazismo e o comunismo est� em verificar se a ideia de destrui��o de grupos est� embutida na ideologia dos dois regimes. Primeiro, � importante lembrar que o comunismo n�o se manifesta da mesma maneira em todos os pa�ses, tendo sido muito mais violento na Uni�o Sovi�tica durante a ditadura de Josef Stalin, entre 1928 e 1953.

O historiador Richard J. Evans destaca que o nazismo tem como pilar ideol�gico a ideia de superioridade racial.

Para os nazistas, os alem�es seriam os verdadeiros europeus, descendentes diretos dos "�rias", uma esp�cie de tribo europeia original. E o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alem�es ou Partido Nazista, desde seus prim�rdios, em 1920, j� se referia aos judeus como "inimigos" da na��o.

L�der do partido a partir de 1921, Adolf Hitler manifestou em seu livro autobiogr�fico de dois volumes, Mein Kampf, �dio por marxistas, eslavos e, principalmente, judeus, a quem chamou de "parasitas".

Escrito em dois volumes, em 1925 e 1927, Mein Kampf se tornaria o livro norteador do Partido Nazista. E, durante o per�odo em que esteve no poder, entre 1933 e 1945, Hitler e o partido nazista institucionalizaram o racismo, estabelecendo leis que definiam como cidad�os apenas aqueles com "sangue" alem�o, e excluindo dessa categoria judeus, ciganos, negros e eslavos. Houve ainda ordens para executar pessoas com defici�ncias f�sicas e mentais.

"H� uma diferen�a ideol�gica importante entre comunismo e nazismo que justifica uma rejei��o particularmente contundente do nazismo, que � o elemento racista, o fato de ser um regime racista. O nazismo discriminava diferentes minorias �tnicas e raciais, como negros, ciganos, eslavos, e, acima de tudo, judeus", ressalta Evans.

"Hitler considerava ser judeu uma ra�a, n�o uma religi�o. E para ele era uma ra�a, por sua pr�pria natureza, subversiva, perigosa e que queria destruir a civiliza��o. Era o que os nazistas classificavam como inimigos do mundo. Com base nisso, estabeleceram o prop�sito de eliminar todos os judeus."

J� o comunismo tem como prop�sito construir uma sociedade igualit�ria, por meio da aboli��o de classes sociais e da propriedade privada. N�o h� o componente de exterm�nio de grupos �tnicos e a inten��o � estender esse projeto para o mundo todo. Mas acreditava-se que o caminho para chegar a essa sociedade igualit�ria passa por uma luta de classes.


Judeus sendo revistados no regime nazista
'Hitler considerava ser judeu uma ra�a, n�o uma religi�o. E era para ele era uma ra�a, por sua pr�pria natureza, subversiva, perigosa e que queria destruir a civiliza��o. Com base nisso, estabeleceram o prop�sito de eliminar todos os judeus', diz o historiador Richard Evans (foto: Getty Images)

E, de fato, a ascens�o do regime comunista na Uni�o Sovi�tica envolveu conflitos sangrentos, com os assassinatos de opositores do regime, de elites e da fam�lia inteira do czar russo Nicolau 2º, sua esposa Alexandra e filhos do casal, que eram crian�as e adolescentes.

"O comunismo � uma ideologia que diz que todos devem ser iguais; ter remunera��o similar; que a propriedade deve ser do Estado e o Estado deve controlar e administrar neg�cios e ind�strias, porque representa o povo", lembra o historiador Richard Evans.

"A pergunta � como chegar l�. Inicialmente as doutrinas comunistas diziam que isso se alcan�ava por revolu��o violenta, como ocorreu na R�ssia em 1917. Mas acho que esse n�o � o caso mais. H� uma compreens�o (por parte de adeptos contempor�neos do comunismo) que ele n�o deve ser alcan�ado por luta violenta de classes."

Elazar Barkan, professor da Universidade de Columbia, avalia que o comunismo se aproxima mais do fascismo que do nazismo.

"Claramente, o comunismo � mais compar�vel ao fascismo, que se manifesta de maneiras diferentes em diferentes pa�ses e se prop�e a eliminar os cr�ticos do regime. O nazismo � um regime �nico, com um projeto de exterm�nio de popula��es", disse ele � BBC Brasil.

Barkan lembra ainda que o nazismo foi o �nico regime a implementar verdadeiros campos de exterm�nio que resultaram na morte de milh�es. No regime de Stalin, havia campos de trabalho for�ado e os prisioneiros viviam em condi��es degradantes, mas n�o havia c�maras de g�s e uma pol�tica de exterm�nio em massa.

"O nazismo � �nico na perpetua��o de campos de exterm�nio. N�o eram campos de concentra��o, eram de exterm�nio. Houve todo um pa�s concentrado e focado no exterm�nio de judeus. � diferente do que ocorreu no stalinismo. No stalinismo, havia uma ditadura e a viol�ncia tinha como objetivo a domina��o. Foi um regime muito violento, mas n�o havia um aspecto de exterm�nio racial", destaca Barkan, que tamb�m � fundador do Instituto de Justi�a Hist�rica e Reconcilia��o, em Haia, na Holanda.

Genoc�dio x assassinato


Pessoa morta na rua da Ucrânia durante holodomor
Durante a grande fome da Ucr�nia, corpos de pessoas mortas por inani��o podiam ser vistos pelas ruas (foto: DI�ZESANARCHIV WIEN/BA INNITZER)

Outro ponto constantemente usado em tentativas de equiparar o comunismo ao nazismo � o elevado n�mero de mortes provocadas pelos dois regimes.

Robert Conquest, historiador ingl�s, autor de O Grande Terror e um dos primeiros a jogar luz sobre a extens�o da viol�ncia do per�odo stalinista, fala que houve pelo menos 20 milh�es de mortos no regime sovi�tico.

Estariam inclu�dos nessa conta assassinatos de opositores do regime, mortes em campos de trabalho for�ado, por inani��o na chamada Grande Fome da R�ssia, em 1921, e no per�odo conhecido como holodomor ou "morte por inani��o", na Ucr�nia, entre 1932-1933.

Segundo Timothy Snyder, historiador americano e professor da Universidade Yale, cerca de 3,3 milh�es de pessoas foram mortas na Ucr�nia quando o regime de Stlin levou o pa�s � grande fome com o objetivo de for�ar camponeses rebeldes (os kulaks) a ampliar a produ��o agr�cola e trabalhar em fazendas coletivas.

O Kremlin requisitava mais gr�os do que os agricultores ucranianos podiam fornecer. E quando eles resistiram �s demandas crescentes, brigadas do Partido Comunista varreram as aldeias e levaram tudo o que era comest�vel. Muitos sobreviventes contam que as fronteiras chegaram a ser fechadas para evitar que as pessoas buscassem comida em pa�ses vizinhos.


Richard Evans
'Os nazistas trataram os judeus com brutalidade e sadismo particulares. Havia um desejo de degrada��o e humilha��o que torna a viol�ncia nazista particular', avalia o historiador brit�nico Richard Evans (foto: Arquivo pessoal)

Ucranianos costumam comparar o holodomor ao holocausto, que matou cerca de 6 milh�es de judeus. Mas, Elazar Barkan e Richard J. Evans afirmam que, embora a viol�ncia sovi�tica precise ser repudiada e reconhecida, ela n�o constitui tecnicamente um genoc�dio. Isso porque o objetivo das mortes, afirmam, n�o era o exterm�nio de um grupo pela sua ra�a, mas sim a domina��o e a expans�o das pol�ticas comunistas.

"Na minha vis�o, a morte de milh�es de ucranianos na fome induzida pelo Estado, no in�cio da d�cada de 1930, foi deliberada, mas n�o ocorreu porque eram ucranianos, mas porque eram fazendeiros que poderiam resistir � pol�tica de coletiviza��o da agricultura. Era uma pol�tica assassina, mas n�o baseada em ra�a", avalia Evans.

"Mas dizer que n�o � genoc�dio n�o quer dizer que � melhor ou minimizaria o que ocorreu. Estou destacando que os objetivos de Hitler e Stalin eram diferentes."

Do ponto de vista legal, o holocausto � considerado genoc�dio porque possui tanto o que a Conven��o sobre Genoc�dio da ONU chama de "elemento mental" ("inten��o de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, �tnico, racial ou religioso, enquanto tal") quanto o "elemento f�sico". Este inclui cinco atos, que s�o:

• Matar membros do grupo

• Causar danos f�sicos ou mentais graves a membros do grupo

• Infligir deliberadamente ao grupo condi��es de vida calculadas para provocar sua destrui��o f�sica total ou parcial

• Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo

• Transferir � for�a crian�as do grupo para outro grupo

Quem considera o holodomor como genoc�dio acredita que muitos desses atos foram praticados pelo regime stalinista contra os ucranianos. No caso do nazismo, todos os atos listados acima foram praticados contra judeus no per�odo em que Hitler esteve no poder.


Judeus húngaros resgatados de campos de concentração pelo exército americano
Uma das diferen�as entre o nazismo e comunismo de Stalin est� na exist�ncia de campos de exterm�nio no regime de Hitler, com o objetivo de assassinar indistintamente todos os judeus, inclusive crian�as e beb�s (foto: BBC)

"O Holodomor foi parte de uma viol�ncia de outra natureza, que n�o era direcionada a um grupo como ra�a, mas a fazendeiros. Foi muito violento e muitas pessoas foram mortas e a fome foi horr�vel. Mas a ideologia n�o consistia em exterminar ucranianos. Havia diferentes grupos sofrendo e o objetivo ideol�gico n�o era matar ucranianos, mas transformar a Uni�o Sovi�tica", diz Elazar Barkan.

"N�o acho que podemos negar �s pessoas o reconhecimento que elas fazem do pr�prio sofrimento. Eu n�o acho que o Holodomor foi um genoc�dio. Mas se ucranianos acham que foi, a perspectiva deles � legitima", completa.

Compara��o do holocausto com outros genoc�dios

Barkan observa que o fato em si de o holocausto ser usado pelos ucranianos e por v�timas de viol�ncia em todo o mundo para efeito de compara��o evidencia que ele � visto globalmente como a pior das atrocidades cometidas na hist�ria moderna.

"N�s privilegiamos a perspectiva das v�timas. N�o dizemos a v�timas: 'o seu sofrimento n�o � importante'. O genoc�dio � visto como o maior dos crimes. Dizer a pessoas que elas n�o sofreram genoc�dio � deslegitimar o seu sofrimento. E ent�o vem a quest�o de saber qual foi o genoc�dio mais violento", diz.

"Acredito que o nazismo � �nico por dois aspectos: um deles foi o prop�sito de destrui��o, ou seja, o esfor�o de exterminar e erradicar uma popula��o; e segundo pelo fato de todas as v�timas de genoc�dio compararem seu sofrimento ao nazismo para expressar que est�o padecendo da maior atrocidade poss�vel."

J� Evans cita a extrema crueldade dos nazistas com os judeus como elemento que diferencia o regime de Hitler do stalinismo.

"Os nazistas trataram os judeus com brutalidade e sadismo particulares. Havia um desejo de degrada��o e desumaniza��o que torna a viol�ncia nazista particular. No comunismo, a viol�ncia n�o tinha cunho racial. Ela era dirigida contra quem acreditavam ser subversivos e n�o embutia o mesmo �dio visceral que o nazismo tinha pelos judeus", avalia.

Totalitarismo


Jospeh Stálin
Regime comunista na gest�o de Josef Stalin era totalitarista, com censura e assassinatos de opositores ao regime (foto: Getty Images)

Em alguns aspectos, no entanto, o nazismo de Hitler e o comunismo da Uni�o Sovi�tica se assemelham, dizem Evans e Barkan.

Ambos foram regimes totalit�rios, com centraliza��o de poder nas m�os de um l�der (Hitler e Stalin), alto grau de controle do Estado sobre a vida p�blica e particular dos cidad�os e repress�o violenta a opositores.

"Se procurarmos semelhan�as, podemos dizer que ambos foram regimes ditatoriais que n�o permitiam oposi��o, n�o permitiam liberdade de express�o, organizavam elei��es de maneira a garantir 99% de apoio", diz o historiador brit�nico Richard Evans, da Universidade de Cambridge.

"Portanto, em ambos, havia uma mistura de manipula��o, intimida��o, censura e supress�o da oposi��o."

Stalin comandou a Uni�o Sovi�tica por 29 anos, de 1924 at� a sua morte em 1953. Adolf Hitler liderou a Alemanha por 12 anos, entre 1933 e 1945.

Comparar nazismo com comunismo � trivializar o holocausto?

Uma discuss�o que sempre vem � tona quando s�o feitas compara��es entre nazismo e comunismo � se esse exerc�cio pode induzir a uma "trivializa��o do holocausto".

Para Elazar Barkan,"h� duas motiva��es em comparar o holocausto a outras cat�strofes".

"Uma � minimizar o holocausto e isso n�o � leg�timo. A outra � evidenciar outros atos de extrema viol�ncia. E isso � leg�timo. (A legitimidade) depende do que est� sendo comparado e de quem est� comparando", disse � BBC News Brasil.

Segundo Barkan, quando uma v�tima de genoc�dio usa o holocausto como compara��o para dar a dimens�o de seu sofrimento, isso n�o pode ser repreendido. Mas h� casos em que a compara��o serve a uma tentativa de minimizar o holocausto.

"Assim como h� pessoas que querem comparar sua situa��o com o holocausto, h� quem queira negar o holocausto. A compara��o em alguns casos embute uma nega��o do holocausto", diz.

"Na minha vis�o, a pergunta deve ser: qual � o objetivo da compara��o? Se a compara��o serve a minimizar o nazismo, obviamente isso n�o � aceit�vel." Segundo o professor da Universidade de Columbia, o risco de trivializar o holocausto � um aumento do antissemitismo e da viol�ncia contra judeus.

Isso porque, quando o sofrimento de um povo n�o � reconhecido e relembrado em toda a sua dimens�o, a ideologia que o provocou pode se restabelecer e se difundir progressivamente.

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