
O feminic�dio - o assassinato de mulheres e meninas por causa de seu g�nero - � a forma mais extrema da viol�ncia contra a mulher, mas em muitos pa�ses n�o h� registro do n�mero de casos.
A BBC conversou com tr�s mulheres que fazem trabalho de detetive para identificar feminic�dios e obter justi�a para as v�timas.
Gulsum Kav iniciou uma campanha para acabar com o feminic�dio em 2010, um ano depois que o corpo de uma adolescente, Munevver Karabulut, foi encontrado em uma lixeira em Istambul, na Turquia. A pol�cia levou mais de seis meses para rastrear o suspeito, levando a protestos nas ruas da cidade.
Um dos objetivos de Gulsum era entender quantos dos homic�dios que ocorrem na Turquia est�o relacionado � viol�ncia contra mulher. Outro objetivo foi dar apoio � fam�lia de Munevver quando o caso foi a julgamento. "Temos um slogan hoje, 'Voc� nunca andar� sozinha', que veio disso", diz ela.
Mas logo Gulsum e suas colegas ativistas no grupo We Will Stop Femicide (Vamos acabar com o feminic�dio, em tradu��o livre)se viram assumindo o papel de investigadoras. "Tudo come�ou quando chegou uma carta de uma fam�lia que acreditava que sua filha havia morrido em circunst�ncias suspeitas", diz ela.
Foi o caso de Esin Gunes, uma jovem professora cujo corpo foi encontrado no fundo de um penhasco na prov�ncia de Siirt, sudeste da Turquia, em agosto de 2010.
O que � feminic�dio?
- O feminic�dio � definido pela Organiza��o Mundial da Sa�de como "o assassinato de mulheres porque s�o mulheres" e pela ONU como "o assassinato de mulheres e meninas relacionado ao g�nero"
- Dezoito pa�ses da Am�rica Latina e Caribe adotaram leis espec�ficas que tornam o feminic�dio um crime
- Em muitos outros pa�ses, a palavra n�o � amplamente usada, mas est� sendo cada vez mais adotada por ativistas contra a viol�ncia de g�nero
- No Brasil, a Lei do Feminic�dio considera o feminic�dio como um homic�dio "contra a mulher por raz�es da condi��o de sexo feminino" (quando h� "viol�ncia dom�stica e familiar" ou "menosprezo ou discrimina��o � condi��o de mulher")
A equipe de Gulsum encomendou uma an�lise independente, e o relat�rio provou que n�o era fisicamente poss�vel cair do jeito que ela caiu e apontou que ela deveria ter sido jogada. Isso levou � condena��o de seu marido � pris�o perp�tua por homic�dio.
Desde esse primeiro caso, a equipe j� trabalhou em mais de 30 suspeitas de feminic�dio.
"Muitas vezes temos que reunir provas n�s mesmas e trabalhar como a pol�cia", diz Leyla Suren, advogada volunt�ria do grupo.
Outro caso foi o de Yagmur Onut, uma estudante universit�ria que foi baleada no pesco�o em 2016. Seu namorado alegou que sua morte foi um acidente, mas a m�e de Yagmur, Sevgi, acreditava que sua filha havia sido assassinada e entrou em contato com o We Will Stop Femicide para obter ajuda.
"Elas me disseram que a luta come�a agora", diz Sevgi. "Comecei minha luta junto com elas."

Em janeiro de 2022, o namorado foi condenado por assassinato e sentenciado a 16 anos de pris�o.
"Quando voc� examina o passado de Yagmur, voc� v� que ela n�o � uma jovem que faria brincadeiras com armas, mas tivemos que lutar por seis anos para provar isso", diz Leyla.
O Supremo Tribunal do pa�s agora vai analisar os recursos. A promotoria argumenta que o r�u deveria ter sido condenado por um crime mais grave (assassinato premeditado), enquanto a defesa argumenta que o crime pelo qual ele � condenado j� � muito forte.
Embora as autoridades turcas tenham come�ado a divulgar dados sobre o n�mero de mulheres assassinadas no pa�s, Gulsum diz que o n�mero oficial � sempre inferior ao calculado por sua organiza��o.
Ela diz que � imposs�vel separar sua vida pessoal dessa luta, mas vale a pena criar um pa�s onde as mulheres estejam seguras. "N�o vamos parar, n�o vamos desistir at� que as mulheres vivam com direitos iguais, em liberdade."
Contar os corpos no necrot�rio
Naeemah Abrahams lidera h� 20 anos uma equipe de pesquisadores que estuda o feminic�dio na �frica do Sul.
Enquanto ativistas de outros pa�ses geralmente coletam informa��es analisando reportagens, Naeemah e sua equipe do Conselho de Pesquisa M�dica da �frica do Sul (SAMRC) come�am seu trabalho no necrot�rio.
"Precisamos ir al�m de olhar para casos que j� est�o no sistema judicial porque, caso contr�rio, isso deixa de fora muitos casos em que a pol�cia j� decidiu que n�o vai investigar, ou outros casos que a pol�cia n�o pegou", ela diz. "Contar corpos � o melhor lugar para come�ar."

Nos necrot�rios estaduais de todo o pa�s, os coletores de dados empregados pelo SAMRC examinam meticulosamente os relat�rios de patologia.
Primeiro, determinam se uma mulher foi assassinada, depois procuram outras caracter�sticas, por exemplo a forma como ela foi morta e evid�ncias de uma briga ou estupro.
"Depois tentamos vincular o arquivo a uma investiga��o policial. Mas, em muitos casos, n�o encontramos nenhuma e, mesmo que haja, muitas vezes a pol�cia n�o encontrou um criminoso", diz ela.
"Ent�o passamos a fazer entrevistas com a pol�cia, coletar dados sobre o perpetrador para que possamos come�ar a identificar melhor o tipo de feminic�dio que foi - se foi um feminic�dio de parceiro �ntimo ou feminic�dio sem parceiro".
No Dia Internacional da Mulher, a equipe de Naeemah publica os resultados de sua �ltima pesquisa sobre feminic�dio, que analisa os dados de mulheres assassinadas em 1999, 2009 e 2017.
"Nossa esperan�a � que o governo sul-africano assuma nosso m�todo investigativo de come�ar no necrot�rio", diz ela.
Naeemah espera uma mudan�a r�pida agora que o governo pediu � sua equipe que elabore uma estrat�gia de preven��o de feminic�dio para o pa�s.
Para Naeemah, esse trabalho � garantir que os casos de feminic�dio sejam devidamente contabilizados e que a Justi�a funcione para todos.
"Fazemos isso para mudar a vida das mulheres", diz ela.

'Tornamos o feminic�dio vis�vel com mapas'
Um grupo de mulheres pesquisadoras no Equador coleta dados sobre feminic�dio, mas tamb�m encontrou uma maneira de relembrar a vida das mulheres que foram assassinadas.
O Equador � um dos 18 pa�ses da Am�rica Latina e do Caribe que adotaram leis para criminalizar o feminic�dio, segundo a ONU. Isso significa que as taxas de feminic�dio agora est�o sendo oficialmente registradas. Mas, como em alguns outros pa�ses, grupos de direitos das mulheres dizem que os n�meros oficiais s�o muito baixos diante da realidade.
"Decidimos come�ar a registrar os casos sistematicamente para que tiv�ssemos dados para depois questionar as institui��es do Estado", diz Geraldina Guerra, presidente da Funda��o Aldea.
"Por meio de nossos contatos locais em todo o pa�s, conseguimos identificar casos de feminic�dios suspeitos desde o in�cio, �s vezes muito antes que a pol�cia ou a m�dia descubram", diz Nicoletta Marinelli, outra integrante da equipe, que mora em Quito.

O grupo rapidamente come�a a investigar, por exemplo, rastreando os �ltimos movimentos da mulher morta e estabelecendo se ela j� havia sido v�tima de viol�ncia dom�stica.
Para come�ar, a Funda��o Aldea fez mapas para comparar o n�mero de mulheres mortas em diferentes regi�es, mas depois levou a ideia um passo adiante.
Agora eles constroem "mapas da vida", como eles os chamam, que colocam as mem�rias da mulher em um mapa mostrando o parque onde ela passeava, seu caf� favorito, o abrigo de animais onde ela costumava ser volunt�ria ou o est�dio onde ela uma vez viu seu cantor favorito se apresentar.

"Os mapas tornam-se ent�o ferramentas sociais, trabalhamos com as fam�lias para povo�-los: marcamos os espa�os que essas mulheres ocuparam atrav�s das vozes e mem�rias daquelas que ficaram para tr�s", diz Nicoletta, que coordenou a iniciativa.
Os mapas est�o dispon�veis no site da funda��o e o objetivo � tornar a quest�o do feminic�dio vis�vel, mas tamb�m relacion�vel. "Isso est� acontecendo nas ruas de sua cidade, ruas que voc� conhece e anda todos os dias", dizem eles.

Com financiamento do Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e como parte da Iniciativa Spotlight para erradicar todas as formas de viol�ncia contra mulheres e meninas, eles pesquisaram e desenharam mapas para tr�s cidades do Equador.
Em Cuenca, cidade ao sul da Cordilheira dos Andes, o mapa da vida homenageia Maribel Pinto, que foi brutalmente esfaqueada 113 vezes em novembro de 2020.
Maribel - uma ativista do movimento negro e m�e de cinco filhos - nasceu em uma �rea rural, mas se tornou uma profissional do sexo para sobreviver, depois de se mudar para Cuenca. Ela morreu nas m�os de um mec�nico de 25 anos, que mais tarde foi considerado culpado de feminic�dio e preso por 34 anos.
Miriam, sua filha, ajudou a construir seu mapa com alguns dos locais que trazem lembran�as de dias mais felizes - como a sorveteria ao lado da catedral da cidade.
Locais como esses s�o marcados no mapa da vida da v�tima como um link clic�vel. Aqui, as pessoas s�o apresentadas com grava��es de �udio de parentes, breves descri��es e fotos explicando a liga��o da v�tima ao local.
"N�s costum�vamos vir a este lugar quando ela tinha um pouco de dinheiro sobrando, ent�o sempre me lembrarei dela", diz a jovem de 23 anos, que acabou de ter um filho.
"Esses mapas reconstroem as vidas que foram ceifadas, mas tamb�m mostram a dimens�o social do problema", acrescenta Geraldina. "H� irm�os e irm�s, filhos e filhas, av�s, m�es e pais deixados para tr�s... e parece que n�o falamos sobre isso."
O grupo espera que a personaliza��o dos n�meros por meio dos mapas da vida ajude a iniciar conversas sobre o tema do feminic�dio. Tamb�m acha que os mapas podem ajudar advogados e ju�zes a entender melhor e enquadrar casos de feminic�dio.
"A viol�ncia prospera com o sil�ncio e o feminic�dio continuar� enquanto nos calarmos".
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