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Estado de Minas NOVA LEI

Povos ind�genas reconhecidos e fim do Senado: as mudan�as propostas por nova Constitui��o do Chile

A dois meses da �ltima parte do processo de mudan�a constitucional, veja as principais diferen�as entre a carta vigente e o novo texto.


05/07/2022 07:27 - atualizado 05/07/2022 11:55


O presidente chileno Gabriel Boric com a redação da nova constituição chilena
Presidente Gabriel Boric recebeu na segunda-feira c�pia da nova Constitui��o proposta (foto: Getty Images)

Ap�s os grandes protestos de 2019 contra a desigualdade e pela implementa��o de reformas, o Chile oficializou para o pr�ximo dia 4 de setembro o �ltimo plebiscito que altera a Constitui��o do pa�s.

Ser�o tr�s vota��es no total: em 2020, a popula��o aprovou a possibilidade de mudar a carta magna chilena. No ano seguinte, foram eleitos os membros da conven��o encarregados do novo texto. Agora, o pa�s decidir� finalmente se aprova ou rejeita a proposta.

A conven��o iniciou seus trabalhos em 4 de julho do ano passado, ainda sob o governo de Sebasti�n Pi�era (2018-2022). Foi presidida por Elisa Lonc�n, acad�mica mapuche (a maior etnia ind�gena do pa�s). A �ltima sess�o aconteceu exatamente um ano depois, nesta segunda-feira (4/7), presidida por Mar�a Elisa Quinteros, epidemiologista.

No mesmo dia, o presidente chileno, Gabriel Boric, recebeu uma c�pia do texto, com 178 p�ginas, 388 artigos e 54 regulamentos provis�rios.

"H� algo sobre o qual devemos todos estar orgulhosos: que no momento da crise pol�tica, institucional e social mais profunda da nossa p�tria em d�cadas, os chilenos e chilenas optamos por mais democracia e n�o por menos", disse Boric durante a cerim�nia desta segunda-feira.

"Hoje � um dia que ficar� na hist�ria do pa�s. Hoje, iniciamos uma nova etapa: trata-se de ler, estudar e debater a proposta constitucional", disse o presidente, que assinou o decreto que convoca oficialmente o plebiscito em 4 de setembro para ratificar ou rejeitar o texto.


A acadêmica mapuche Elisa Loncón foi a primeira presidente da Convenção Constitucional
Acad�mica mapuche Elisa Lonc�n foi primeira presidente da Conven��o Constitucional (foto: Getty Images)

Caso seja aprovada no voto popular, a Constitui��o entra em vigor imediatamente e ser�o criados os novos �rg�os previstos pelo texto, como a Ag�ncia Nacional de �guas ou a C�mara das Regi�es, que substituir� o Senado.

Caso contr�rio, a Constitui��o de 1980 permanecer� em vigor, em contraste com a esmagadora maioria (cerca de 80%) que votou pela sua substitui��o.

A BBC News Mundo, o servi�o em espanhol da BBC, mostra o que muda caso a proposta seja ratificada.

1. Uma "democracia parit�ria"

� a primeira vez no Chile e no mundo que um grupo com mesmo n�mero de homens e mulheres escreve uma Constitui��o.

Este princ�pio est� refletido na nova Constitui��o proposta, que define o Chile como uma "democracia parit�ria": prop�e que as mulheres ocupem pelo menos 50% de todos os �rg�os do Estado e ordena medidas para "alcan�ar a igualdade e a paridade substantivas".

"O fato de esta Constitui��o ter sido redigida com base na paridade [de g�nero] se reflete tanto nos direitos que foram considerados como na forma como o Estado est� organizado. A democracia parit�ria � um princ�pio que permeia toda a Constitui��o. Essa � uma diferen�a radical", afirma Lita Vivaldi, doutora em sociologia pela Universidade de Londres e integrante da Associa��o de Advogadas Feministas.

A atual Constitui��o afirma apenas que "homens e mulheres s�o iguais perante a lei" e que o Estado deve "garantir o direito das pessoas de participar com igualdade de oportunidades na vida nacional".

"N�o inclui nada relacionado a uma abordagem de g�nero e paridade. O mais pr�ximo foi a reforma constitucional em que se estabeleceu que as pessoas nascem livres e iguais em direitos. Antes, s� dizia 'homens'", lembra Javier Couso, constitucionalista e acad�mico da Universidade de Utrecht, na Holanda.

2. Antiga omiss�o a povos ind�genas vira "Estado plurinacional e intercultural"

A atual Constitui��o n�o menciona povos nativos ou ind�genas.

Em uma grande mudan�a, o novo projeto define o Chile como um "Estado plurinacional e intercultural", reconhecendo 11 povos e na��es (Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Qu�chua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar, Yaghan, Selk'nam "e outros que possam ser reconhecidos na forma estabelecida da lei", diz o texto).

Tamb�m ordena o estabelecimento de Autonomias Regionais Ind�genas com autonomia pol�tica, especificando que sua atua��o n�o permite a separa��o do Estado do Chile, nem atentar contra seu car�ter "�nico e indivis�vel", e que seus poderes ser�o estabelecidos por lei.


Ato de apresentação da proposta da nova Constituição
Projeto da nova Constitui��o define Chile como Estado Plurinacional e Intercultural, reconhecendo 11 povos e na��es (foto: Getty Images)

A nova Carta Magna preconiza que, dentro das entidades territoriais que comp�em o Estado chileno, os povos e na��es ind�genas devem ser consultados e consentir em aspectos que afetem seus direitos.

Da mesma forma, a proposta reconhece os sistemas jur�dicos dos povos ind�genas, especificando que eles devem respeitar a Constitui��o e os tratados internacionais, e que qualquer impugna��o �s suas decis�es ser� resolvida pela Suprema Corte chilena.

Para o ex-membro do Tribunal Constitucional chileno Jorge Correa Sutil, o texto em geral n�o define claramente o exerc�cio da autonomia pol�tica e da justi�a ind�gena. "Em uma quest�o t�o importante quanto � igualdade perante � lei, n�o custaria nada estabelecer alguns limites."

"Entendo que o reconhecimento da autonomia pol�tica implica poder repudiar uma lei do pa�s. Caso contr�rio, n�o sei o que isso poderia significar... A possibilidade de uma justi�a pr�pria para as autoridades ind�genas tamb�m est� estabelecida. N�o est� definida quais autoridades, em quais assuntos, em quais territ�rios ou com respeito a quais pessoas... Isso vai exigir uma legisla��o, que pode ser muito razo�vel, mas que n�o tem limites constitucionais", diz.


Uma das bandeiras usadas como símbolo do povo mapuche
Uma das bandeiras usadas como s�mbolo do povo mapuche (foto: Getty Images)

"O conceito de autonomia n�o pode ser lido sem observar que � sempre 'de acordo com a lei e a Constitui��o'", responde o constitucionalista Patricio Zapata.

"E quanto ao pluralismo jur�dico, n�o s� no Equador ou na Bol�via, o Estado nacional, ao constatar que dentro dele existem comunidades que t�m direito pr�prio, admite que certos conflitos sejam resolvidos de acordo com ele. O Canad� o faz com os franc�fonos de Quebec, os Estados Unidos com suas primeiras na��es, Nova Zel�ndia, Austr�lia. N�o h� nada de estranho nisso. E o encerramento de qualquer julgamento ser� feito pela Suprema Corte."

Zapata aprofunda a import�ncia da plurinacionalidade: "� uma das mudan�as mais profundas. Significa mudar a forma como a rep�blica chilena se relaciona com os povos ind�genas, mas tamb�m a forma como ela se v�".

"Muda a ideia de que, da mistura espanhola e ind�gena, teria surgido uma 'ra�a chilena' mesti�a, vitoriosa sobre nossos vizinhos... e ignora o fato da pluralidade, da diferen�a. Este � um ponto de virada".

3. Da "lei [que] protege a vida do nascituro" a "assegurar condi��es para a gravidez, [e para] interrup��o volunt�ria da gravidez"

A atual Constitui��o protege explicitamente "a vida do nascituro", mas n�o impediu em 2017 a descriminaliza��o do aborto em tr�s situa��es, pois o Tribunal Constitucional afirmou que a criminaliza��o n�o era "um mecanismo ideal para proteger o nascituro" e que a san��o penal absoluta colide com os direitos das mulheres.

A proposta de lei fundamental reconhece o exerc�cio livre, aut�nomo e n�o discriminat�rio dos direitos sexuais e reprodutivos e estabelece que o Estado deve garantir as condi��es para a gravidez, parto e maternidade volunt�rias e protegidas e para a interrup��o volunt�ria da gravidez.

"Esse direito n�o implica interromper a gravidez em qualquer momento. Ser� um direito que ser� regulamentado e regulamentado pelo legislador, quem dir� quais s�o os prazos e como faz�-lo", explica Vivaldi � BBC News Mundo.

4. Pens�es, sa�de e assist�ncia: um "estado social e democr�tico de direito"

A demanda geral das convuls�es sociais de outubro de 2019, que abriram caminho para o processo constitucional no Chile, foi recuperar um senso de dignidade prejudicado pelas defici�ncias do modelo pol�tico e econ�mico endossado na Constitui��o de 1980, que favorece as a��es de institui��es privadas sobre o Estado na provis�o de bens sociais como educa��o, sa�de e previd�ncia (neste �ltimo caso, com exce��o das For�as Armadas).

O novo documento constitucional descreve o Chile como um "estado social e democr�tico de direito" que deve fornecer bens e servi�os para garantir os direitos do povo.

A Constitui��o vigente, por outro lado, estabelece que o Estado deve "contribuir para a cria��o das condi��es sociais" para a realiza��o das pessoas, mas impede a participa��o estatal em atividades empresariais a n�o ser em casos autorizados pela lei.

"A Constitui��o de 1980 afirma que se prescinde do Estado sempre que o setor privado possa [exercer uma atividade]. Agora se afirma com for�a que � dever do Estado se preocupar com educa��o, moradia, sa�de, previd�ncia, trabalho. Essa � uma mudan�a de paradigma no modelo pol�tico chileno, que atende as demandas dos protestos", diz Claudia Heiss, chefe do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da Universidade do Chile.


Farmácia no Chile
Nova Carta Magna descreve Chile como Estado que deve fornecer bens e servi�os para garantir direitos das pessoas (foto: Getty Images)

No caso das aposentadorias, ambas as constitui��es consagram o direito � seguran�a social. A atual indica que o Estado deve garantir benef�cios b�sicos uniformes concedidos por institui��es p�blicas ou privadas. A proposta recentemente elaborada prop�e um Sistema de Seguran�a Social p�blico, financiado com rendimentos nacionais e contribui��es obrigat�rias. N�o menciona fornecedores privados.

Em rela��o aos servi�os de sa�de, tanto a nova reda��o da Constitui��o quanto a vigente incluem prestadores p�blicos e privados. Mas a lei atual permite que as pessoas destinem 100% dos seus recursos a operadoras privadas, enquanto a nova proposta prev� a cria��o de um Sistema Nacional de Sa�de, que receber� todas as contribui��es obrigat�rias de sa�de, deixando em aberto a op��o de contratar um seguro privado extra.

"A segrega��o na sa�de no Chile est� acabando", diz Couso. "O sistema p�blico de sa�de � mais fraco quando as elites n�o est�o inclu�das. Nesta Constitui��o, a contribui��o da sa�de ir� para um fundo comum de sa�de, como na Inglaterra. E embora haja provedores privados, eles estar�o sob o regime p�blico."

O car�ter social do Estado tamb�m se expressa em outras regulamenta��es, como o direito � cidade, � moradia digna, o reconhecimento do trabalho dom�stico e a cria��o de um Sistema de Aten��o Integral, um sistema de prote��o social, universal e solid�rio.

"O direito ao cuidado surgiu de uma iniciativa popular e reconhece as tr�s dimens�es: o direito ao cuidado, a ser cuidado e ao autocuidado. Este � um direito fundamental que, juntamente com outros direitos econ�micos e culturais, faz uma diferen�a substancial em obter uma vida mais digna, que foi o que motivou o surto de 2019", destaca Vivaldi.

5. �gua: de "propriedade" a "n�o pode ser apropriada"

A Constitui��o vigente tem uma breve men��o � �gua no Chile. Afirma que "os direitos privados sobre as �guas, reconhecidos ou constitu�dos de acordo com a lei, conferir�o aos titulares sua propriedade".


Torneira de água
Nova Carta Magna estabelece �gua como bem "que n�o pode ser apropriado" (foto: Getty Images)

A proposta redigida recentemente estabelece a �gua como um bem "que n�o pode ser apropriado". Tamb�m estabelece um "direito humano � �gua", priorit�rio em rela��o a outros usos, e cria uma Ag�ncia Nacional de �guas para seu uso sustent�vel.

Esta � uma quest�o de especial import�ncia no Chile, onde, em meio a uma grande seca, diversas comunidades vivem em situa��o de emerg�ncia h�drica, setores no campo que dependem da �gua distribu�da por caminh�es-pipa e at� mesmo a possibilidade de racionamento na capital Santiago. O uso, o acesso e a preserva��o da �gua est�o no centro do debate no Chile e fazem parte de um n�mero crescente de conflitos ambientais e processos judiciais.

"Se antes n�o havia nada sobre quest�es ind�genas, agora h� um cap�tulo completo. Vamos de uma constitui��o extremamente breve sobre quest�es ambientais para uma constitui��o que � atravessada por mudan�as clim�ticas e preocupa��o ecol�gica. Reconhece at� mesmo os direitos � natureza", enfatiza Couso.

O texto declara que pessoas e povos "s�o interdependentes com a natureza e formam, com ela, um todo insepar�vel. A natureza tem direitos. O Estado e a sociedade t�m o dever de proteg�-los e respeit�-los".

6. Na nova carta n�o h� Senado

Em ambos os textos o governo e a administra��o do Estado correspondem � figura presidencial. No novo texto, a idade para se candidatar ao cargo cai de 35 para 30 anos. O per�odo presidencial permanece em quatro anos, mas a reelei��o consecutiva � autorizada uma vez.

Quanto ao Legislativo, a Constitui��o de 1980 define um Congresso Nacional com "dois poderes: a C�mara dos Deputados e o Senado" e especifica que ambos atuam na forma��o de leis — o Senado pode "aperfei�oar" o trabalho da C�mara.

No novo texto, o Senado � eliminado e s�o criadas duas C�maras de poder equivalente: um "Congresso de Deputados e Deputadas" para a forma��o de leis (com ao menos 155 membros) e uma C�mara das Regi�es, dedicadas � legisla��o de interesses regionais.

Para o advogado Correa Sutil, "a atual Constitui��o tinha um hiperpresidencialismo muito forte, em que o governo funcionava desde que se acertasse com o Congresso: quando o governo tinha minoria no Congresso, havia crise".

"Funcionou muito bem nos primeiros anos da transi��o [para a democracia] devido a um acordo entre os partidos que tinha a ver fortemente com o medo dos setores de esquerda a um retorno ao autoritarismo."

Com o novo texto, adverte, "vamos experimentar um sistema in�dito no mundo, que � o presidencialismo com c�maras com poderes muito assim�tricos, muito t�pico dos sistemas semipresidenciais ou semiparlamentares".

"Vejo que h� v�rios elementos que implicam riscos de deteriora��o da pol�tica no Chile, porque os partidos pol�ticos n�o s�o regulamentados, n�o h� sistema eleitoral na Constitui��o: isso ser� definido pelo pr�prio Congresso."

O processo legislativo chileno, que exige um alto qu�rum para realizar reformas em �reas-chave, � um dos elementos que definem a Constitui��o de 1980. A nova proposta reduz o qu�rum e acrescenta elementos como iniciativas de lei popular.

"A Constitui��o de 1980 � extremamente hostil � democracia participativa. Esta � uma Constitui��o que introduz elementos de democracia direta", descreve Couso.

Em maio de 2022, Tom Ginsburg, professor de Direito Internacional da Universidade de Chicago, destacou como o processo chileno poderia mostrar ao mundo a possibilidade de canalizar uma s�rie de energias pol�ticas muito diversas em um projeto constitucional.

"Temos que ver o que vai acontecer, mas at� agora, o Chile tem chance de alcan�ar essa conquista", disse ele ao site da ag�ncia de not�cias financeiras Bloomberg.

"Quando se olha o processo como um todo, houve grupos que n�o quiseram seguir as regras, houve provoca��es, houve uma direita que sabotou o processo desde o primeiro dia. Gostaria de ter mais abertura de setores radicalizados e maximalistas. Mas prevaleceu o bom senso. Poderia ter sido melhor, poderia ter havido mais di�logo", acrescenta Couso.

"Mas considerando como o pa�s estava dividido e o in�cio da pandemia, eu diria que se trata de um processo no n�vel da heran�a republicana chilena."

- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62045790

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