
SANTIAGO, CHILE (FOLHAPRESS) - A tentativa de assassinar Cristina Kirchner j� virou um tema incontorn�vel para a sucess�o presidencial, que ocorre no ano que vem na Argentina. Se, entre os pol�ticos governistas, se refor�a a ideia de unir for�as ao redor da vice, que tem aspira��o de voltar ao cargo, por parte dos opositores h� um esfor�o de modera��o dos ataques.
A estrat�gia � evitar entrar no confronto sugerido pelo presidente Alberto Fern�ndez em pronunciamento em cadeia nacional, poucas horas depois do epis�dio, no qual apontou inimigos que, para ele, estariam por tr�s do crime: a imprensa, a Justi�a e a oposi��o.
"A Justi�a deve entregar resultados r�pidos, se n�o quiser ver o clima de polariza��o aumentar e, com isso, impedir que o julgamento seja feito pela popula��o, a partir de sua leitura particular do caso, como ocorreu outras vezes", diz � Folha Sergio Berensztein, consultor e analista pol�tico.
Ele se refere, por exemplo, ao caso do promotor Alberto Nisman, morto de modo ainda misterioso em 2015, quando preparava uma acusa��o contra Cristina Kirchner. At� hoje, � comum que muitos argentinos se dividam entre os que creem que ele tenha sido assassinado e os que acreditam no suic�dio, que foi a causa apontada por uma investiga��o formal, contestada por falta de evid�ncias.
Neste s�bado (3), inclusive, a consultoria Reputaci�n Digital, que faz pesquisas a partir de rea��es nas redes sociais, apontou que 62,44% dos argentinos n�o acreditam que o incidente tenha sido de fato um atentado, mas sim uma "arma��o", segundo enquete online com mais de 250 mil pessoas.
"Nosso sistema judicial est� desacreditado, e precisa agir com seriedade nesse caso, sen�o, ser� mais uma dessas sagas abertas, em que cada um utiliza o que pensa, de acordo com sua ideologia, sobre o que realmente aconteceu", afirma Berensztein.
A oposi��o ao kirchnerismo, representada por alian�as como o Juntos por El Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), pelos libert�rios de Javier Milei e os partidos mais � esquerda do peronismo, como o Frente de Izquierda, deve caminhar para a modera��o em suas cr�ticas ao governo, pelo menos por enquanto, por respeito � institucionalidade.
Para Berensztein, a situa��o � similar � do Brasil p�s-atentado a Bolsonaro. "Os opositores n�o puderam atac�-lo quando estava no hospital, e isso contribuiu para sua vit�ria". Tamb�m para Marcos Novaro, cientista pol�tico da Universidade de Buenos Aires, "a oposi��o se equivocar� se seguir na escalada de confronta��o, se cair na provoca��o do governo expressada pelo presidente em cadeia nacional".
A oposi��o, por�m, n�o � um bloco �nico. Dentro do Juntos por El Cambio h� pelo menos tr�s pr�-candidatos. A presidente do PRO, Patricia Bullrich, vinha adotando um confronto direto com Cristina.
Quando a vice insinuou que ela "bebia", Bullrich respondeu: "Eu posso deixar de beber, mas voc� n�o pode deixar de roubar". "Pato" Bullrich, como � conhecida, rivaliza em aten��o com Hor�cio Rodr�guez Larreta, chefe de governo de Buenos Aires e tamb�m pr�-candidato a presidente pela mesma coaliz�o opositora.
Ela estaria incomodada com o protagonismo de Larreta no enfrentamento com Cristina por conta da confus�o que se armou na tarde do s�bado anterior (27), quando a pol�cia da capital tentou colocar barreiras para impedir a chegada de militantes diante da resid�ncia de Cristina.
"Patricia ficou muito nervosa com a possibilidade de que Larreta capitalizasse o epis�dio a seu favor, perfilando-se como o verdadeiro antagonista de Cristina", diz Novaro.
Com rela��o a Milei, que nem sequer se solidarizou com o ataque, Novaro cr� n�o ser um jogador importante e "n�o parece ter f�lego para chegar a uma candidatura vi�vel". Para ele, quem se saiu melhor foi Mauricio Macri, que "vem mantendo modera��o". Para Novaro, h� duas agendas claras sobre a mesa: "a de Cristina e a Justi�a, que agora ser� a de Cristina contra seus agressores, e a agenda da oposi��o, que devem ser os problemas do pa�s".
Do ponto de vista do governo, Berensztein enxerga um dilema: "H� a possibilidade de o kirchnerismo dimensionar o ocorrido e tratar com a seriedade merecida ou de exagerar na vitimiza��o de Cristina usando o discurso do �dio, o que seria um erro."
Ele mostra preocupa��o com a postagem do ministro do Interior, Wado de Pedro, um dos mais pr�ximos de Cristina, que afirmou que o ataque "n�o foi perpetrado por um louco solto nem � um fato isolado". "S�o tr�s toneladas de editoriais em jornais, televis�o e r�dios com discursos violentos. S�o eles que semeiam o �dio e a revanche, e o resultado foi a tentativa de matar Cristina."
"S�o palavras muito irrespons�veis, que n�o devem ser usadas por algu�m que ocupa o cargo que tem, e ainda mais sem termos todos os elementos da investiga��o", diz Berensztein.
Essa estrat�gia, para Novaro, n�o avan�ar� muito, pois "quem saiu nas ruas na sexta-feira em solidariedade s�o os seus apoiadores, e a� n�o se somaram novos votos". Berensztein concorda: "Foram os de sempre. Se Cristina radicalizar ainda mais o discurso, ficar�o apenas nesses n�meros".
Por outro lado, Novaro cr� ser muito dif�cil Cristina n�o sair candidata no ano que vem. "Ela tem mais capital pol�tico agora do que na elei��o passada e soube que foi um erro deixar o posto de l�der da chapa presidencial nas m�os de Alberto Fern�ndez. Caso o cen�rio n�o mude muito at� l�, para ela ser� muito tentador candidatar-se."
Tamb�m considera que uma vit�ria de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) no Brasil ser� mais um fator a anim�-la. "Seguramente veremos visitas de apoio, gestos entre [Gabriel] Boric [presidente do Chile], [Gustavo] Petro, presidente da Col�mbia, e Lula em torno de uma candidatura de Cristina. A pergunta � o quanto de f�lego esses presidentes de esquerda ter�o em seus pa�ses num cen�rio econ�mico muito grave".