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Estado de Minas CRIME

Filipinas tem explos�o de casos de abuso sexual infantil ap�s pandemia

Lockdowns e fechamento de escolas deixaram crian�as em casa com pais pobres, desesperadas para ganhar dinheiro


01/12/2022 08:56 - atualizado 01/12/2022 10:20


Maria
Maria n�o fala muito (foto: BBC)

Aten��o: o relato abaixo cont�m descri��es perturbadoras.

Eric, de sete anos, d� uma risadinha, exibindo um sorriso largo e desdentado, enquanto fala sobre viagens espaciais � sombra de um jardim, cercado por uma floresta densa e exuberante, algumas horas ao norte da capital das Filipinas, Manila.

Ele sonha em voar em um foguete com as cores do arco-�ris para Saturno. Acabou de perder os dentes de leite, mas ainda � uma crian�a pequena. Sua camisa xadrez branca o engole; parece de um tamanho acima do seu.

"Por que voc� chora durante a terapia?", a assistente social pergunta a ele. "Choro por causa dos meus pais", diz ele, olhando para o ch�o.


Eric
Eric � v�tima de abuso sexual infantil - um problema piorado pela pandemia nas Filipinas (foto: BBC)

Fedalyn Marie Baldo passou meses com Eric, sua irm� de 10 anos, Maria, e dois irm�os mais velhos para ajud�-los a entender que a inf�ncia deles n�o � normal.

Durante anos, quando seu bairro estava dormindo e grande parte do mundo ocidental acordado, todas as quatro crian�as eram for�adas a apresentar shows de sexo ao vivo para ped�filos em todo o mundo.

Elas foram estupradas e repetidamente abusadas %u200B%u200Bsexualmente enquanto eram gravadas por sua m�e. O pai, a tia e o tio tamb�m participaram.

Foi o pai das crian�as quem acabou denunciando a esposa e a fam�lia dela � pol�cia, supostamente ap�s uma discuss�o. Os investigadores rastrearam os pagamentos feitos � fam�lia a partir de contas no Reino Unido e na Su��a.

Meses depois, Eric, seus irm�os e irm� foram parar em uma casa administrada pela institui��o de caridade Preda, que se concentra em ajudar crian�as v�timas de abuso sexual.

Esse tamb�m tem sido o trabalho de Baldo por 17 anos.

Durante esse tempo, imagens e v�deos de abuso sexual contra crian�as se transformaram em uma ind�stria de bilh�es de d�lares nas Filipinas, hoje o maior mercado de pornografia infantil do mundo.

A isso se deveu uma combina��o de fatores, envolvendo pobreza extrema, acesso � internet de alta velocidade e capacidade de as crian�as aceitar instru��es em ingl�s.


Eric e Maria
Eric, Maria e dois de seus irm�os moram no centro (foto: BBC)

Ent�o, veio a pandemia. Mais de dois anos de lockdowns e alguns dos fechamentos de escolas mais longos do mundo deixaram crian�as vulner�veis %u200B%u200Bpresas em casa com pais sem renda e desesperados para ganhar dinheiro.

Um estudo recente da Unicef, o bra�o da ONU para a inf�ncia,%u200B e da ONG Save the Children estima que 2 milh�es de crian�as filipinas est�o sob risco de explora��o sexual, ou uma em cada cinco.

Baldo teme que o abuso esteja se "normalizando" nas Filipinas e possa se tornar end�mico em alguns dos bairros mais pobres do pa�s.

O presidente filipino, Bongbong Marcos, declarou uma "guerra total" contra o abuso sexual contra crian�as e a ind�stria pornogr�fica infantil.

Mas at� agora, as Filipinas n�o est�o vencendo essa guerra.

Guerra mundial

Na capital Manila, perto do amanhecer, uma equipe do Escrit�rio de Investiga��o Nacional se re�ne perto de um cemit�rio.

As lanternas s�o mantidas com baixa luminosidade, as armas carregadas, as c�meras prontas para filmar as evid�ncias enquanto o l�der da equipe faz um briefing final. Eles est�o sob press�o para obter resultados.

Entre as l�pides desta cidade densamente povoada, uma fam�lia vive entre os mortos. Uma m�e de 36 anos usa seu smartphone em uma pequena cabana de madeira escorada contra alguns dos maiores mausol�us do cemit�rio.

Ela acha que est� enviando uma mensagem a um cliente na Austr�lia que pede um show de sexo ao vivo envolvendo seus tr�s filhos. Na verdade, suas mensagens v�o para um policial disfar�ado.

Quando liga a c�mera, cerca de uma d�zia de policiais correm por caminhos estreitos at� sua porta. Vira-latas come�am a latir incessantemente.

A mulher n�o oferece resist�ncia quando uma policial leva as crian�as para um local seguro e outros come�am a coletar evid�ncias: brinquedos sexuais, smartphones, recibos detalhando pagamentos no exterior.

Como em muitas dessas pris�es, essa tamb�m � resultado de uma den�ncia vinda do exterior.

A Pol�cia Federal Australiana disse � BBC que prendeu um homem em um aeroporto com um dispositivo de armazenamento cheio de v�deos expl�citos de abuso infantil. Seu telefone supostamente continha mensagens entre ele e uma mulher nas Filipinas solicitando dinheiro em troca dos v�deos.

Dezenas de policiais planejaram essa opera��o durante semanas e duas pris�es foram efetuadas. Uma em Manila e outra em Sydney.

No ano passado, autoridades australianas disseram ter registrado um aumento de cerca de 66% nas den�ncias de explora��o infantil.

Elas est�o trabalhando ao lado de equipes da ONG Miss�o de Justi�a Internacional, da Ag�ncia Nacional do Crime do Reino Unido e da Pol�cia Nacional da Holanda, al�m de autoridades filipinas, para tentar encontrar criminosos sexuais infantis.

Ap�s identific�-los, o pr�ximo passo � rastrear a origem do material.

Mas muitas vezes, a �nica maneira de registrar o abuso � quando a crian�a se apresenta.

E, apesar disso, um longo caminho tem que ser percorrido.

V�rios assistentes sociais dizem que precisam passar dias, at� semanas, pressionando a pol�cia local para resgatar as crian�as e apresentar queixa contra os pais delas.

"�s vezes, conseguimos a coopera��o das autoridades policiais, outras vezes, isso demora muito. Mas temos que contornar esse obst�culo", diz Emmanuel Drewery, da Preda.


Um menino usando uma máscara espia pela janela de um ônibus prestes a deixar Manila antes de um lockdown em 13 de março de 2020 na cidade de Quezon, Metro Manila, Filipinas
Uma em cada cinco crian�as filipinas corre risco de explora��o sexual (foto: Getty Images)

A organiza��o montou pela primeira vez um orfanato para meninas na d�cada de 1970, perto da cidade portu�ria de Olongapo, que j� abrigou uma grande base naval americana.

Olongapo tornou-se um centro de turismo sexual — prostitui��o ilegal entre homens estrangeiros e meninas filipinas muitas vezes ainda na adolesc�ncia e traficadas para a ind�stria, ou mulheres jovens que acabam se tornando prostitutas por press�o familiar e desespero econ�mico.

Anos depois, os assistentes sociais temem que muito do abuso sexual aqui seja geracional, que muitas das m�es das crian�as tamb�m tenham sido estupradas ou agredidas sexualmente.

Segundo eles, a mentalidade entre muitas � que "aconteceu comigo, fiz isso para sobreviver e voc� tamb�m deve faz�-lo."

O padre Shay Cullen, fundador da Preda, luta pelos direitos das crian�as v�timas de abuso nas Filipinas desde 1974. Ele quer uma solu��o global para esse problema novo e crescente.

"Tem que haver [uma] lei internacional. Este � o �nico caminho. Todos os governos nacionais precisam realmente impor restri��es ao uso da internet (para esse fim). Eles devem cooperar para restringir a transmiss�o de material de abuso infantil e o streaming online de conte�do de abuso sexual de crian�as".

As coisas est�o mudando, ele concorda — mas lentamente.


Dois oficiais de patrulha costeira da Marinha dos EUA caminham por Olongapo, uma cidade nas Filipinas frequentemente chamada de cidade de Olongapo. Olongapo era um destino popular para os marinheiros da Marinha dos EUA estacionados na adjacente Base Naval dos EUA Subic Bay.
Olongapo, perto de uma base naval dos EUA, tornou-se um ponto de acesso para o com�rcio ilegal de sexo na d�cada de 1970 (foto: Getty Images)

Mas isso � apenas uma parte da guerra. Para organiza��es como a Preda, a maior batalha est� na reabilita��o das crian�as.

'Por que voc� fez isso comigo?'

Algumas das reabilita��es mais dif�ceis no Preda acontecem dentro de uma sala escura com m�sica suave tocando ao fundo.

H� colchonetes grandes presos �s paredes e ao ch�o — do tipo que os ginastas usam. A �nica luz vem da porta aberta.

Cinco crian�as est�o ajoelhadas, cada uma em seu espa�o. A maioria est� de frente para a parede. Elas esmurram os colchonetes com as m�os e os p�s numa cad�ncia err�tica.


Imagem de Eric
Eric diz que gosta de power dance e terapia no centro (foto: BBC)

Os primeiros gritos cru�is e angustiados fazem o cora��o de qualquer espectador parar. E ent�o eles recome�am, mas � dif�cil continuar ouvindo, mesmo � dist�ncia e por alguns minutos.

As perguntas lan�adas nas paredes acolchoadas — "Por que voc� fez isso comigo? Por que comigo? O que eu fiz?" — s�o de partir o cora��o.

Um terapeuta ajoelha-se silenciosamente, pronto para ajudar.

"Tudo come�a na sala", diz Francisco Bermido Jr, atual presidente da Preda.

"Se eles s�o capazes de confrontar os agressores na sala onde houve o ato, eles podem seguir em frente e confrontar esses agressores no tribunal. S�o emo��es como �dio por seus agressores, mas tamb�m �dio por aqueles a quem contaram, mas que n�o acreditaram neles."

Preda usa essa forma de terapia de libera��o emocional — chamada "primal" — h� d�cadas para ajudar as crian�as a lidar com o impacto emocional do abuso f�sico e sexual.


Sala de terapia
Crian�as visitam sala de terapia do centro para expressar dor e raiva (foto: BBC)

Mas eles est�o lutando por mais recursos. Seu centro perto de Manila s� pode receber cerca de 100 crian�as por ano. Mas muitas mais ainda precisam de ajuda.

Depois que um boletim de ocorr�ncia � registrado, as crian�as podem ser enviadas para v�rios lares ou orfanatos, mas muitos lugares n�o t�m treinamento ou experi�ncia para cuidar delas.

O irm�o mais velho de Eric foi colocado em um orfanato pr�ximo sem seus irm�os antes de ser transferido para o centro Preda.


Mulher é vista colocando algemas nos pulsos de outra durante prisão
Mulher � vista colocando algemas nos pulsos de outra durante pris�o (foto: BBC)

Os assistentes sociais da institui��o dizem que cerca de 40% das crian�as abusadas que estiveram sob seus cuidados passam a viver uma vida normal.

Para isso, dizem, a rotina ajuda. O centro oferece uma programa��o di�ria de trabalhos escolares, esportes como karat� e v�lei, conta��o de hist�rias e, claro, terapia.

"Amo karat�, power dance e primal", diz Eric.

Ele tamb�m gosta de cantar — e se junta aos amigos na sala de jogos. Quando � sua vez de fazer um solo, canta suavemente no come�o, ent�o sua confian�a aumenta e sua voz ecoa pela sala.


Crianças da casa do Preda participam de sessão de karatê
Assistentes sociais dizem que rotina %u2014 e esportes como carat� %u2014 ajudam as crian�as a se recuperar (foto: BBC)

Um de seus irm�os mais velhos ainda est� muito traumatizado para falar. A irm� deles, Maria, alerta Baldo, tamb�m fala pouco.

Mas naquele dia, uma Maria radiante, agarrada ao seu valioso estojo de l�pis ou a uma pel�cia, estava surpreendentemente curiosa e cheia de perguntas. Ela realmente queria saber como era a sensa��o de um floco de neve.

"Quando eles chegaram, eram muito mansos e d�ceis e desconfiados do mundo e dos outros", diz Bermido Jr.

Mas meses depois, eles conseguiram contar sua hist�ria — com detalhes horr�veis — para os assistentes sociais. Todas as quatro crian�as tamb�m testemunharam contra suas fam�lias, uma exig�ncia dos tribunais das Filipinas.

"Na verdade, isso � muito importante porque � a� que come�a a busca por justi�a", acrescenta.

Eric e Maria participam da sess�o de conta��o de hist�rias em grupo. Ele se senta ao lado dela e passa os dedos distraidamente pelo rabo de cavalo da irm�.

Baldo pergunta a Maria sobre a Cinderela, e ela responde: "A Cinderela n�o desistiu mesmo nos momentos dif�ceis; mesmo nas situa��es mais dif�ceis, ela ainda tinha esperan�a", diz ela, abra�ando mais forte sua pel�cia.

"Assim como n�s — mesmo que nossos pais tenham abusado de n�s, devemos ser como a Cinderela."

Todos os nomes das v�timas foram alterados.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63811494


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