
At� o in�cio de fevereiro, a embaixada do Brasil em Kiev registrava a presen�a de cerca de 20 brasileiros em territ�rio ucraniano. Um ano atr�s, antes do in�cio do conflito que pode ter vitimado at� 7 mil civis e 200 mil militares, a conta era de mais de 500 nacionais vivendo no pa�s do Leste Europeu.
A grande maioria dos brasileiros, assim como muitos outros estrangeiros que moravam na Ucr�nia antes da invas�o russa em 24 de fevereiro de 2022, deixaram o pa�s �s pressas assim que a opera��o militar ordenada por Vladimir Putin foi lan�ada. Milhares de ucranianos tamb�m fugiram do conflito.
Mas alguns poucos brasileiros decidiram permanecer no pa�s, apesar dos riscos e dos alertas feitos pelo pr�prio governo brasileiro.
Para o padre paulista Lucas Perozzi Jorge, 37, a defini��o por ficar foi motivada pela voca��o. "Quando come�ou a guerra eu estava em uma cidade chamada Uzhhorod, que faz fronteira com a Eslov�quia. Mas desde ent�o estou em Kiev e assim que cheguei aqui tive a convic��o de que esse � o lugar certo para mim", diz.
O religioso mora na Ucr�nia h� 19 anos e se formou no semin�rio Redemptoris Mater de Kiev, como parte de um itiner�rio de inicia��o crist� da igreja Cat�lica. Ele afirma ter recebido v�rias liga��es do Itamaraty sobre sua decis�o de ficar. "Eles me perguntavam se eu estava aqui de livre vontade e ofereciam ajuda para voltar ao Brasil, caso quisesse. Mas sempre recusei."

Perozzi vive atualmente nas depend�ncias da Par�quia Assun��o da Sant�ssima Virgem Maria, de onde j� presenciou v�rios ataques a�reos nos �ltimos meses.
"O per�odo inicial foi o mais dif�cil. Kiev era bombardeada duas ou tr�s vezes ao dia e o Ex�rcito russo estava ao redor da cidade", relata. "Mas desde a P�scoa, quando as tropas russas recuaram, est� um pouco mais tranquilo".
"Um dos dias mais assustadores foi quando um m�ssil atingiu um edif�cio a cerca de 1 quil�metro da igreja. O impacto foi muito forte e sentimos os vidros e o ch�o tremer."
Mesmo com os sustos, o padre afirma que as sirenes de alerta para ataques a�reos n�o causam mais p�nico como no in�cio. E, apesar das orienta��es das autoridades locais para buscar ref�gio sempre que o sinal soar, muitos seguem com suas vidas.
"As sirenes de alerta tocam no m�nimo uma ou duas vezes por dia, quando � identificado algum tipo de movimenta��o a�rea do lado russo, mas nem sempre os ataques se concretizam", disse � BBC Brasil o brasileiro natural de Presidente Prudente, no interior de S�o Paulo.
"Escutamos tantas sirenes que eu, por exemplo, s� me abrigo em locais no subsolo quando o alerta � seguido de explos�es."
O religioso afirma que, nas ruas da capital ucraniana, a vida parece transcorrer com normalidade at� o momento em que escuta os sinais de alerta ou um batalh�o de soldados cruza seu caminho.
"Podemos ir ao cinema, mas n�o h� garantia de que vamos conseguir assistir ao filme at� o final", conta.
"H� pouco tempo estava no cinema quando as sirenes soaram. Fomos para o subsolo e assim que o alerta acabou retornamos ao filme. Mas bem perto do final a sirene tocou novamente – e dessa vez n�o pudemos continuar porque j� era tarde e h� um toque de recolher em vigor."
"Para n�s j� � normal. Mas no fundo sei que viver assim n�o � normal de verdade – e me causa muito estresse", admite.
'Tento afastar os pensamentos negativos'
A aparente sensa��o de normalidade tamb�m est� presente no discurso de outros brasileiros que vivem na Ucr�nia ap�s um ano de guerra.
A paranaense Aline Vittorazzo, 37, que mora em Lviv, afirma que o soar das sirenes e a movimenta��o em dire��o aos abrigos "j� virou h�bito".
"Nos acostumamos com o barulho das sirenes. E o pr�prio povo ucraniano j� n�o se assusta como no come�o", afirmou � BBC Brasil. "Antes assim que a sirene tocava todos sa�am correndo. Hoje muitas pessoas nem param o que est�o fazendo."
A pedagoga de forma��o morava em Lviv com o marido argentino, que � jogador do time de futebol FC Rukh Lviv, e a filha Manuela, que hoje tem 2 anos.
Ap�s o an�ncio da invas�o, ela e a fam�lia fugiram �s pressas da Ucr�nia pela fronteira com a Pol�nia. O caminho at� l� foi dif�cil – tiveram que atravessar uma grande parte a p�, ao lado de uma multid�o que tamb�m tentava deixar o pa�s.
Foram 16 quil�metros levando malas, carrinho de beb� e um cachorro. O marido Fabr�cio estava lesionado, caminhando com muletas, e Vittorazzo teve que carregar grande parte das coisas sozinha. Mas eles conseguiram chegar at� o territ�rio polon�s e, ap�s algumas semanas, retornaram ao Brasil.
Em agosto, por�m, o clube para qual Fabr�cio trabalha convocou seus jogadores a se apresentarem em Lviv e a fam�lia tomou a decis�o de retornar � Ucr�nia.
"Somos uma fam�lia e n�o nos separamos – sempre foi assim, sempre seguimos o meu marido e o trabalho dele", diz.
"Tenho fam�lia no Brasil e eles se preocupam, questionam um pouco porque decidimos voltar, mas no fim das contas respeitam nossa decis�o."
"Seguro sabemos que n�o �. Existe um risco e temos consci�ncia. Mas em compara��o com outras partes do pa�s, Lviv n�o � alvo t�o constante", afirma.

Atualmente, segundo a paranaense natural de Curitiba, a maior dificuldade enfrentada na cidade s�o os apag�es. H� alguns meses as for�as russas t�m atacado pontos cr�ticos para a infraestrutura ucraniana, provocando cortes de �gua e energia el�trica em todo o pa�s.
"A cerca de dez quadras da nossa casa, uma central de energia foi atingida por dois m�sseis h� alguns meses. Sentimos como se o ar estivesse fazendo uma press�o - as janelas abriram e fecharam", conta.
"Na hora fiquei com muito medo", diz a brasileira, que deve se refugiar na garagem de seu pr�dio quando o sinal de alerta para ataques a�reos � disparado.
"Mas tenho tentado afastar os pensamentos negativos para n�o ficar em p�nico. Tem gente que morre escorregando no banheiro, n�? Ent�o nunca se sabe."
A falta de energia, por�m, significa dificuldades para cozinhar, manter alimentos refrigerados e principalmente aquecer a casa.
"Tivemos fases em que fic�vamos pelo menos quatro horas por dia sem energia el�trica", relata. "Quando tem luz ligamos a calefa��o no m�ximo e fechamos portas e janelas para manter o apartamento quente em caso de apag�o e n�o passar frio."
'A vida normal n�o existe na guerra'

O baiano Rodrigo Mota, 35, se mudou para a Ucr�nia em junho para trabalhar na resposta humanit�ria � guerra. Especializado em Rela��es Internacionais e Gest�o de Desenvolvimento, ele trabalha h� sete anos para o Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Na��es Unidas.
"Qualquer pessoa que muda de pa�s tem como preocupa��es quest�es como barreiras lingu�sticas ou culturais. Mas em um contexto como esse isso deixa de ter import�ncia, porque na verdade o que conta � a seguran�a", relata o brasileiro, que hoje atua como assessor especial do diretor do escrit�irio do PMA na Ucr�nia.
"Mas me senti convidado a apoiar os meus colegas aqui e principalmente socorrer as v�timas dessa guerra, porque n�o � uma guerra apenas pol�tica, ela tamb�m � humanit�ria."
Mota mora em Kiev, mas por conta do trabalho viaja com frequ�ncia para outras zonas da Ucr�nia, inclusive pr�ximas �s fronteiras.
"S�o nesses lugares que encontramos as pessoas que mais est�o sofrendo com a cat�strofe da guerra do ponto de vista humanit�rio, que n�o t�m acesso a outros meios que n�o sejam os que a gente est� provendo", diz.
Algumas das cenas mais dif�ceis, segundo ele, foram presenciadas na cidade de Kherson, retomada pela Ucr�nia ap�s oito meses sob ocupa��o russa.
"Chegamos na cidade dois dias depois que ela foi retomada e encontramos um cen�rio de muita destrui��o. Tudo isso afeta o pscic�logico de qualquer um -quem est� passando por ali temporariamente e dos pr�prios residentes."
Por seu trabalho, Mota est� tamb�m sempre sujeito a riscos. Mas sua equipe toma todas as precau��es poss�veis para evitar visitar as �reas em momentos de viol�ncia.
"Mas eu n�o posso achar que sofro menos riscos por estar na capital ou por ter acesso a esse tipo de informa��o, porque a amea�a da viol�ncia � constante para qualquer pessoa."

O baiano natural de Ilh�us tamb�m rejeita a ideia de que algu�m possa se acostumar com a vida sob amea�a.
"N�o existe vida normal quando se est� em situa��o de guerra e todo mundo deve saber que isso aqui n�o � normal e n�o deve ser", diz.
"Ainda que as pessoas estejam passando por essa situa��o h� um ano, ningu�m se acostuma."
"N�o d� para levar um vida normal, por exemplo, quando as atividades s�o encerradas �s 9 horas da noite, quando � preciso se programar para fazer o jantar porque algumas partes da cidade ficam sem luz ou �gua", relata.
"Eu passo todos os dias me lembrando de que isso que n�o � normal e que n�o d� para ter uma vida normal quando 18 milh�es de pessoas est�o passando necessidade e precisam de ajuda humanit�ria."
Justamente por isso, o brasileiro n�o pensa em deixar o pa�s at� pelo menos 2024, quando acaba sua miss�o na Ucr�nia. "O trabalho humanit�rio � de voca��o", resume.
'Quando ouvi a sirene pela primeira vez caiu a ficha'
Jefferson Vinicius da Silva, 22, tamb�m se mudou em meio � guerra. Ele chegou em Lviv em janeiro de 2023 para atuar no FC Rukh Lviv, o mesmo time de futebol do marido de Aline, apesar do conflito.
"Desde crian�a tenho o sonho de jogar fora do Brasil e esse desejo falou mais alto na hora de decidir se iria aceitar a proposta do clube ou n�o", contou Jefferson � BBC Brasil.
"Cheguei muito tranquilo, mas no momento em que ouvi a sirene de alerta pela primeira vez caiu a ficha de que estou em uma zona de guerra", diz.

"Mas o clube me d� toda infraestrutura e prote��o que preciso. Al�m disso, sei que posso voltar a qualquer momento caso n�o esteja confort�vel."
Todas as vezes que a sirene toca, Jefferson e os demais integrantes do time se refugiam em um bunker nas depend�ncias da �rea de treinamento.
"Parece uma casa”, descreve o jogador de futebol natural de Natal, no Rio Grande do Norte. “Tem televis�o, wi-fi e tudo - � bem suave".
Jefferson afirma que pretende se manter na Ucr�nia por enquanto e, em breve, se mudar� para sua pr�pria casa com a esposa. "Ela estava bem receosa de vir para c�, mas no final decidiu me acompanhar."