
A pandemia do novo coronav�rus revelou que os hospitais p�blicos peruanos n�o possuem armazenamento suficiente de um produto b�sico para a vida: oxig�nio.
A escassez do insumo mostra que, apesar de anos seguidos de crescimento econ�mico e queda nos seus �ndices de pobreza, o pa�s andino vizinho ao Brasil n�o investiu no seu setor de sa�de. Com o incremento de casos de COVID-19 os familiares dos pacientes da doen�a passaram a ter que encarar horas nas filas nas ruas da capital Lima, de Arequipa, terra natal do escritor Mario Vargas Llosa, e de Huancayo, na regi�o de montanhas, entre outros lugares, para conseguir o elemento qu�mico vital.
Desde que o n�mero de casos subiu no territ�rio nacional, h� pelo menos dois meses, os familiares passam horas nas filas, muitas vezes no mercado paralelo, para abastecer os tubos pesados, que t�m mais de um metro de altura. Dali, das filas, saem para casa ou para a porta dos hospitais, onde est�o seus parentes doentes � espera de serem socorridos. Existem casos em que eles levam os tubos diretamente aos hospitais, onde o familiar est� internado e n�o h� o insumo.
A escassez do produto provocou a disparada nos pre�os. � imprensa local, os familiares dos que sofrem de COVID-19 contaram que chegaram a vender objetos pessoais para pagar, no m�s passado, 4500 soles, quase US$ 1.300, aos vendedores paralelos de oxig�nio - e sem saber a proced�ncia da mercadoria.
Com mapas das cidades, as TVs locais informam �s suas audi�ncias os lugares onde o pre�o � mantido inalterado, em at� 15 soles, apesar da corrida provocada pela pandemia. "Estou h� tr�s horas na fila, mas minha m�e precisa do oxig�nio para poder sobreviver", disse um rapaz � TV Peru.
H� poucos dias, o empres�rio Mario Romero, que foi batizado de "�ngel ox�geno", porque vendia o insumo a pre�os baixos, faleceu de COVID-19 e provocou como��o no pa�s. "Descanse em paz, anjo do oxig�nio", lamentaram os peruanos nas redes sociais.

A situa��o de escassez tem levado religiosos a fazerem campanhas para a instala��o urgente de f�bricas de oxig�nio no pa�s, como informa, por exemplo, a p�gina da Caritas de Huancayo. O ministro da Sa�de, V�ctor Zamora, disse que, em tempos normais, o consumo de oxig�nio era equivalente a 60 toneladas por dia. Com a pandemia, isso foi multiplicado por cinco, chegando a 290 toneladas di�rias.
Flagelo dos ind�genas
Mas al�m da falta de oxig�nio, o pa�s enfrenta, nesta pandemia, entraves similares aos de outros pa�ses com povos ind�genas. No caso peruano, os ind�genas registraram os primeiros casos de coronav�rus, em abril e maio passado, com v�timas fatais, despertando apelos dos l�deres dos povos origin�rios locais por maior aten��o m�dica.
Os peruanos sofrem ainda com outros problemas, como escassez de profissionais de sa�de treinados para o uso adequado dos equipamentos para tratamento do coronav�rus. Al�m disso, doentes de COVID-19 dormem em barracas de acampamento, no frio, na portaria de hospitais de Arequipa, a segunda maior cidade do pa�s, ou fazem filas de carros, com seus pr�prios tubos de oxig�nio, esperando para serem atendidos.
� o que ocorre, por exemplo, no Hospital Honorio Delgado, no local. Segundo ag�ncias internacionais de not�cias, em Arequipa o 'botell�n' (tubo) de oxig�nio custa em torno dos 1.600 d�lares - caro para muita gente da cidade que � rica em minera��o.

Na semana passada, o presidente Mart�n Vizcarra esteve em Arequipa e foi recebido por protestos do pessoal da �rea de sa�de. A imagem de uma mulher, Celia Capira, �s l�grimas, correndo atr�s da comitiva presidencial, pedindo um leito para o marido doente de COVID-19, viralizou. O marido, de 57 anos, estava acampado do lado de fora do Hospital Honorio Delgado e morreu horas depois.
"Pe�o desculpas por n�o ter ouvido", disse o presidente publicamente. A mulher, m�e de tr�s filhos, disse que n�o queria desculpas, mas que o governo cuidasse dos peruanos.
"O problema sanit�rio peruano n�o se limita � falta de leitos e de investimentos, mas � de incompet�ncia. Em Arequipa, h� lugares com leitos, mas h� tamb�m, por m� administra��o da pandemia, pessoas que dormem nas barracas, esperando atendimento", disse � BBC News Brasil o professor da Universidade Nacional de San Marcos, Carlos Aquino.
Com mais de 370 mil casos da doen�a, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, o Peru � o pa�s com mais infectados na Am�rica do Sul depois do Brasil. Na noite de ter�a (28), o pa�s registrava 18.418 mortes - quase o dobro do n�mero de mortos do Chile e cerca de seis vezes mais que o total de mortos na Argentina, ainda de acordo com a institui��o americana.

"Dinheiro n�o � o problema"
Na semana passada, o Col�gio M�dico do Peru divulgou comunicado pedindo ao governo que distribua equipamentos de prote��o adequados para equipes de sa�de. No comunicado, afirma-se que 91 m�dicos faleceram, v�timas de COVID-19, outros 2.655 foram infectados e 76 deles est�o em UTIs.
"� muito triste ver o pa�s, que n�o � pobre, que tem dinheiro em caixa, vivendo esta situa��o. O Peru tem reservas no Banco Central, tem as contas organizadas e poderia ter acesso, se precisasse, a um cr�dito do FMI para emerg�ncia", disse Carlos Aquino.
Com cerca de 32 milh�es de habitantes, o pa�s andino registrou forte e cont�nuo crescimento econ�mico nos �ltimos 20 anos, resultado de suas exporta��es de minerais e frutas e do turismo. A expans�o econ�mica foi acompanhada, em grande parte desse per�odo, pela redu��o da pobreza, que passou de 58,7%, em 2004, para 20% em 2019, segundo dados oficiais.
Mas seu alto �ndice de trabalhadores informais - cerca de 70% - complicou a possibilidade de respeito � quarentena, iniciada em mar�o, j� que muitos vivem do dinheiro ganho no dia a dia. O fato de muitos trabalharem e comprarem nos mercados de alimentos do pa�s tamb�m permitiu a expans�o do v�rus, segundo especialistas. A pobreza deve subir neste ano e a economia, cair 13,9%, segundo proje��o do Fundo Monet�rio Internacional (FMI).
"Por sua quarentena, mais longa que o esperado e pela menor demanda externa, a economia peruana dever� retroceder 13,9%", disse Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisf�rio Ocidental do organismo. "Ser� uma das maiores quedas econ�micas do mundo. A quarentena durou tr�s meses e duas semanas. Mas n�o funcionou porque a grande maioria � de trabalhadores informais e, al�m disso, n�o foi suficiente para controlar a propaga��o do coronav�rus", disse Aquino.
A quarentena peruana, iniciada no dia 16 de mar�o, foi suspensa no dia 30 de junho. A decad�ncia econ�mica e o retrocesso social - com a expectativa, como ocorre em outros pa�ses da regi�o, de forte aumento na pobreza - n�o tinham sido detectados no pa�s em outras crises recentes. O desempenho da economia, que registrou expans�es acima de 5%, ficou praticamente inabalado durante as investiga��es locais da Lava Jato, envolvendo quatro ex-presidentes.
Em meio �s investiga��es, Alan Garc�a, que governou o pa�s duas vezes (1985-1990 e 2006-2011), se suicidou no ano passado. Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) renunciou � Presid�ncia e cumpre pris�o domiciliar. Ollanta Humala (2011-2016) passou meses na pris�o. Por risco de contrair coronav�rus, como argumentou sua defesa, Alejandro Toledo, de 74 anos, que governou o pa�s entre 2001 e 2006, pagou fian�a e desde mar�o cumpre pris�o domiciliar nos Estados Unidos, onde mora.
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