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Estado de Minas CORONAV�RUS

M�dicos brasileiros investigam mortes de crian�as por COVID-19

Patologistas da USP foram primeiros a provar presen�a de v�rus no cora��o de paciente infantil com forma rara da doen�a e tentam desvendar mecanismos por tr�s de �bitos de outras crian�as


18/09/2020 17:32 - atualizado 18/09/2020 17:56

"A pergunta que eu mesma me fa�o � aquela que n�o sabemos responder: afinal de contas, do que est�o morrendo essas crian�as?"

Com essas palavras, a m�dica patologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (FMUSP) Marisa Dolhnikoff define, em entrevista � BBC Brasil, a miss�o de um grupo de pesquisadores brasileiros que se destaca por usar um m�todo particular de aut�psia para estudar — e tentar explicar — as mortes por COVID-19 entre crian�as.

No cumprimento dessa miss�o, a equipe da FMUSP acaba de dar um passo importante: foi a primeira no mundo a confirmar a presen�a do novo coronav�rus (Sars-CoV-2) no cora��o de uma crian�a que morreu de uma manifesta��o at�pica de COVID-19, a S�ndrome Inflamat�ria Multissist�mica Pedi�trica (SIM-P).

A descoberta, relatada em um estudo de caso publicado em agosto na revista cient�fica Lancet Child and Adolescent Health, chamou a aten��o da comunidade cient�fica internacional. Agora, o grupo quer explicar os mecanismos por tr�s dos �bitos de outras quatro crian�as que perderam suas vidas por COVID-19 no Hospital das Cl�nicas da FMUSP.


"O estudo que a gente quer fazer seria mostrar o espectro de poss�veis apresenta��es da COVID grave em crian�as que chegaram a morrer e em que pudemos fazer aut�psia", diz Dolhnikoff que, ao lado do patologista Paulo Saldiva, coordena os estudos em aut�psia de �bitos da COVID na USP.

A Universidade de S�o Paulo tem tradi��o no uso da aut�psia como instrumento de pesquisa e a equipe trabalha em ritmo acelerado: explicar o que est� levando as crian�as pode ser crucial para que outras sejam salvas.


Entenda como a COVID-19 se apresenta nas crian�as, o que se sabe sobre os mecanismos que levaram algumas delas a morrer e por que m�dicos patologistas est�o tendo um papel cr�tico no enfrentamento � pandemia.


A equipe da FMUSP usa a autópsia minimamente invasiva guiada por ultrassom, um método que permite coletar tecidos com uma agulha, sem a abertura do corpo e com mínimos riscos de contaminação(foto: FMUSP)
A equipe da FMUSP usa a aut�psia minimamente invasiva guiada por ultrassom, um m�todo que permite coletar tecidos com uma agulha, sem a abertura do corpo e com m�nimos riscos de contamina��o (foto: FMUSP)

COVID infantil 'cl�ssica'

Para a pediatria, crian�as s�o pacientes com at� 18 anos de idade. Estudos indicam que este grupo, quando infectado pelo novo coronav�rus, tende a ser assintom�tico (64,5%, segundo estudo recente realizado pela prefeitura de S�o Paulo) ou apresentar quadros leves de COVID-19.


�bitos s�o raros. No Brasil, mortes nesse segmento representam um pouco mais do que 0,6% do total de �bitos registrados.

At� abril, manifesta��es sintom�ticas da doen�a identificadas em crian�as seguiam o padr�o que � mais comum em adultos, onde o paciente apresenta doen�a respirat�ria.

A pediatra do Hospital das Cl�nicas Juliana Ferranti, coautora do estudo de caso, explicou em linhas gerais como essa forma da COVID-19 se manifesta:


"Os sintomas podem ser parecidos com os do adulto. Crian�as podem apresentar quadros leves, com febre, tosse e desconforto respirat�rio. Outros sintomas, como mialgia, n�useas, v�mitos e dor de cabe�a tamb�m podem estar presentes", escreveu a pediatra em e-mail para a BBC Brasil.

Essa forma, que podemos chamar mais "cl�ssica" da COVID-19 na crian�a, tende a acometer pacientes com comorbidades, como c�ncer, por exemplo, explica a patologista Dolhnikoff.


"Uma crian�a morrer por insufici�ncia respirat�ria pela COVID pode acontecer, mas s�o poucos casos", responde. Mas a partir do final de abril, come�aram a surgir relatos de uma manifesta��o at�pica da doen�a — tamb�m em crian�as sem comorbidades.


A patologista Marisa Dolhnikoff coordena, ao lado do também patologista Paulo Saldiva, os estudos em autópsia dos óbitos por covid-19 no Hospital das Clínicas da USP(foto: Arquivo Pessoal)
A patologista Marisa Dolhnikoff coordena, ao lado do tamb�m patologista Paulo Saldiva, os estudos em aut�psia dos �bitos por covid-19 no Hospital das Cl�nicas da USP (foto: Arquivo Pessoal)

SIM-P, a COVID infantil at�pica

Essa outra apresenta��o da COVID-19 em crian�as est� sendo chamada de S�ndrome Inflamat�ria Multissist�mica Pedi�trica (SIM-P). "A S�ndrome Inflamat�ria Multissist�mica em crian�as � uma doen�a em que diferentes partes do corpo podem ficar inflamadas, incluindo o cora��o, os pulm�es, os rins, pele, olhos e �rg�os gastrointestinais", escreveu Ferranti.

Segundo a m�dica, essas crian�as apresentam febre e uma s�rie de outros sintomas, entre eles, dor abdominal, v�mitos, diarreia, manchas na pele, olhos vermelhos e sensa��o de cansa�o.

O estudo publicado na revista Lancet Child and Adolescent Health descreve o caso de uma crian�a de 11 anos que morreu ap�s apresentar um quadro grave de SIM-P.


"O mundo inteiro est� falando sobre a s�ndrome inflamat�ria, uma apresenta��o em que as crian�as podem ficar com quadro cl�nico grave, e algumas podem morrer", diz Marisa Dolhnikoff, autora principal do estudo de caso.

"Quando ficam graves, � por doen�a no cora��o. Elas t�m miocardite, uma disfun��o card�aca." O estudo esclareceu uma quest�o que intrigava os especialistas: qual seria a rela��o entre o coronav�rus e o quadro inflamat�rio sist�mico (incluindo a miocardite)?

A resposta est� nas imagens abaixo.


A figura 1 mostra uma c�lula muscular card�aca da crian�a cujo caso foi descrito no estudo. A imagem original foi produzida em tons cinza, mas para melhor visualiza��o, nesta imagem, o n�cleo da c�lula est� artificialmente colorido em azul.


'Há regiões nas quais as miofibrilas apresentam-se degeneradas, como pode ser visto na área delimitada pela linha vermelha. No caso dessa criança havia muitas células musculares cardíacas total ou parcialmente degeneradas'(foto: Elia Caldini/FMUSP)
'H� regi�es nas quais as miofibrilas apresentam-se degeneradas, como pode ser visto na �rea delimitada pela linha vermelha. No caso dessa crian�a havia muitas c�lulas musculares card�acas total ou parcialmente degeneradas' (foto: Elia Caldini/FMUSP)

Em e-mail para a BBC Brasil, a bi�loga e professora da FMUSP Elia Caldini, respons�vel pelas imagens, explicou o que estamos vendo:

"A maior parte do citoplasma est� preenchido por miofibrilas (que aparecem aqui como massas escuras). Ao se contra�rem, as miofibrilas promovem o batimento card�aco eficiente e regular em um cora��o normal."


Mas na figura 1 nota-se algo diferente: "H� regi�es nas quais as miofibrilas apresentam-se degeneradas, como pode ser visto na �rea delimitada pela linha vermelha. No caso dessa crian�a havia muitas c�lulas musculares card�acas total ou parcialmente degeneradas."

Quando as �reas degeneradas foram analisadas no microsc�pio eletr�nico, com potencial de aumento de milhares de vezes, apareceram imagens como a figura 2:


Imagem gerada por microscopia eletrônica revela 'a presença de vírus com tamanho e forma de Sars-CoV-2 (indicados pelas setas) no interior das células musculares cardíacas lesadas'(foto: Elia Caldini/FMUSP)
Imagem gerada por microscopia eletr�nica revela 'a presen�a de v�rus com tamanho e forma de Sars-CoV-2 (indicados pelas setas) no interior das c�lulas musculares card�acas lesadas' (foto: Elia Caldini/FMUSP)

Ela revela "a presen�a de v�rus com tamanho e forma de Sars-CoV-2 (indicados pelas setas) no interior das c�lulas musculares card�acas lesadas", disse Caldini, que � chefe do Centro de Microscopia Eletr�nica da FMUSP.


Dolhnikoff explica por que a descoberta � importante:

"Nesse trabalho, mostramos que, na verdade, esse quadro de insufici�ncia card�aca foi (causado) pela presen�a do virus no cora��o."


"O v�rus est� implicado como agente causal por dois mecanismos: primeiro, pela les�o direta nos tecidos, segundo, pela resposta inflamat�ria local (no cora��o) e sist�mica."

"Fomos o primeiro grupo a fazer a rela��o direta entre a presen�a do virus no cora��o causando uma inflama��o no cora��o que levou ao �bito da crian�a."

A SIM-P em n�meros

O n�mero de casos registrados da SIM-P no mundo � pequeno.


Sociedades pediátricas lançam alertas para que médicos não deixem de diagnosticar a covid-19 atípica, SIM-P(foto: Getty Images)
Sociedades pedi�tricas lan�am alertas para que m�dicos n�o deixem de diagnosticar a covid-19 at�pica, SIM-P (foto: Getty Images)

Nos Estados Unidos, pa�s com o maior �ndice de pessoas infectadas pelo coronav�rus, o Centro para o Controle de Doen�as (CDC) registrou, at� o in�cio de setembro, 792 casos da s�ndrome e 16 mortes.

No Brasil, s�o pouco mais de cem registros, diz Dolhnikoff.

"Estou falando de registros da s�ndrome, n�o �bitos. �bitos s�o 2 ou 3% disso."


"S�o poucos casos, n�o podemos ser alarmistas", ela diz. "Mas as sociedades pedi�tricas no mundo est�o lan�ando alertas para as comunidades m�dicas, para que se atentem a esse tipo de apresenta��o at�pica da COVID-19. Para que fa�am a testagem, para que n�o deixem de diagnosticar a doen�a."

A contribui��o da patologia

A COVID-19 trouxe para a boca de cena um tipo de m�dico que n�o trata o paciente, ele trabalha nos bastidores: o patologista. E a raz�o de ser da patologia, diz Dolhnikoff, � entender o mecanismo por tr�s da doen�a.

"Sempre que voc� tem um melhor entendimento, tem condi��es de propor um melhor tratamento."


Uma das ferramentas usadas pelo patologista � a aut�psia, ou seja, o exame do cad�ver. E � nessa �rea que Dolhnikoff e equipe se sentem bem posicionados para fazer uma contribui��o.

"Aqui na USP, a aut�psia virou instrumento de pesquisa cient�fica. Somos um dos maiores centros de aut�psia do mundo." O grupo redobrou seus esfor�os e trabalha longas horas, ela conta. "� a press�o da situa��o, dessa vontade que a gente tem de trazer respostas mais r�pidas. Isso est� acontecendo com toda a classe de pesquisadores, muita gente parou o que estava fazendo para trabalhar com essa doen�a."


E os desafios s�o imensos.


O boletim epidemiol�gico especial 29 do Minist�rio da Sa�de diz que 796 crian�as (com at� 19 anos) morreram de COVID-19 no Brasil at� o final de agosto, comenta a m�dica.

"E voltamos ao come�o", diz. "Se morreram quase 800, sabemos do que morreram?", pergunta. "N�o sabemos, n�o temos registros espec�ficos. Pode ser que haja casos de s�ndrome inflamat�ria no meio, pode ser que tenham morrido pela forma mais cl�ssica."

Na aus�ncia de respostas para o total de �bitos no pa�s, a equipe da FMUSP concentra seu foco em explicar todas as mortes de pacientes crian�as por COVID-19 no Hospital das Cl�nicas — foram cinco, incluindo-se aquela descrita no estudo de caso.


"O estudo continua", diz Dolhnikoff. "Estamos investigando os mecanismos envolvidos no �bito de outras criancas."

"Como elas apresentam manifesta��es de altera��o de v�rios �rg�os — cora��o, trato digestivo, pulm�es — � importante a gente saber se os mecanismos que levaram ao �bito podem ser distintos do caso que a gente j� estudou", ela explica.

Feita essa an�lise, seria importante entendermos as condi��es sociais das crian�as que t�m casos graves, diz a especialista.


As imagens produzidas por ultrassonografia permitem que a equipe veja a posição da agulha dentro do corpo(foto: FMUSP)
As imagens produzidas por ultrassonografia permitem que a equipe veja a posi��o da agulha dentro do corpo (foto: FMUSP)

"Quem s�o essas criancas?", pergunta. "Seria importante saber seu n�vel de exposi��o ao v�rus. Tiveram contato com carga viral mais alta, tiveram condi��o de fazer distanciamento social? Tiveram dificuldade de ter atendimento?Procuraram atendimento tardiamente?"

Entender tudo isso pode ajudar a explicar o que existe em comum entre elas. E, possivelmente, dar a pista sobre quem s�o as crian�as mais vulner�veis. Mas um estudo dessa abrang�ncia teria de contar com a colabora��o de outros especialistas.

Por agora, Dolhnikoff e sua equipe se contentam em oferecer algumas pe�as para o grande quebra-cabe�as que � a COVID-19.

Na patologia "voc� v�, voc� enxerga a doen�a no local onde ela est� acontecendo", ela diz.


N�o temos todas as respostas, "mas temos todas as condi��es de ajudar a responder. Porque quando voc� faz a aut�psia, traz informa��es que n�o tem como trazer sem estudar o tecido. Voc� v� o v�rus l�, machucando, lesando aquele tecido."

T�cnica 'brasileira' de aut�psia

Em sua pesquisa, a equipe da FMUSP trabalha com um m�todo de aut�psia que hoje � �nico no mundo, a aut�psia minimamente invasiva guiada por ultrassom.

Dolhnikoff explica que, como a doen�a � muito contagiosa, esse m�todo oferece mais seguran�a �s equipes. "N�o s� para os m�dicos, mas tamb�m os t�cnicos de aut�psia e as pessoas que preparam aquele corpo."

O m�todo consiste em retirar amostras de tecido usando uma agulha, como se faz em bi�psias de pacientes vivos.


"A aut�psia minimamente invasiva s�o m�ltiplas bi�psias em v�rios �rg�os e a gente coleta material sem ter de abrir o corpo", explica.

"Isso � dif�cil de fazer, voc� pode errar porque n�o sabe onde est� a agulha."


"A novidade do grupo brasileiro � que a aut�psia � guiado pelo ultrassom. A ultrassonografista da equipe, dra. Renata Monteiro, localiza o �rg�o, v� qual � a �rea mais doente e direciona a agulha para o lugar certo."

"� uma coisa que s� se faz aqui, no nosso grupo."


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