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Estado de Minas PESQUISA

Cientistas criam mini�rg�os e revolucionam o conhecimento sobre a COVID-19

T�cnica desenvolvida h� poucos anos permite entender melhor como o coronav�rus afeta diferentes partes do corpo humano


24/11/2020 17:29 - atualizado 24/11/2020 19:02

Imagine pegar um punhado de c�lulas humanas de diferentes tipos e, ap�s uma s�rie de procedimentos, transform�-las num �rg�o em miniatura, que funciona de verdade e pode ser observado a olho nu.

Saiba que isso j� � poss�vel nos dias de hoje: os mini�rg�os (ou organoides, nome preferido entre os cientistas) s�o uma ferramenta poderosa, que ajuda a entender como o Sars-CoV-2, o coronav�rus respons�vel pela pandemia atual, provoca danos em diferentes partes do nosso corpo.

 

 

 

Gra�as a essa tecnologia, os especialistas avaliaram diversos tratamentos poss�veis e entenderam rapidamente que a COVID-19 n�o era apenas uma doen�a que atingia o sistema respirat�rio, mas tinha repercuss�es no cora��o, no intestino, nos rins e at� no c�rebro.

Mas, afinal, como se cria um mini�rg�o? E quais as vantagens que ele traz em compara��o com outros m�todos mais antigos, como culturas de c�lulas e cobaias?

Voltar ao passado para projetar o futuro

A mat�ria-prima b�sica para a constru��o de um organoide s�o c�lulas simples presentes na pele ou no sistema urin�rio. Ap�s a sele��o, os cientistas realizam um procedimento que faz essas unidades se transformarem em c�lulas-tronco.

"� como se elas voltassem no tempo. Por meio de uma transforma��o gen�tica, elas viram c�lulas-tronco novamente", refor�a a neurocientista Mar�lia Zaluar Guimar�es, do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, no Rio de Janeiro (IDor).

A descri��o desse processo biol�gico e da tecnologia capaz de torn�-lo fact�vel, inclusive, renderam o Pr�mio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2012 ao brit�nico John Gurdon e ao japon�s Shinya Yamanaka.

Mas essa � apenas uma parte da hist�ria. Depois que as c�lulas "voltam no tempo", � preciso realizar uma nova etapa. "De acordo com fatores que usamos no laborat�rio, fazemos com que essas c�lulas-tronco se diferenciem e se especializem novamente", completa Guimar�es, que tamb�m � professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em outras palavras, � poss�vel pegar uma c�lula da pele e, seguindo alguns passos, fazer uma metamorfose para que ela vire um neur�nio ou um gl�bulo vermelho.

A grande sacada � que os organoides n�o s�o apenas um amontoado de c�lulas que podem ser analisados com o aux�lio de um microsc�pio. Falamos aqui de forma��es mais complexas, que re�nem mais de um tipo de c�lula e muitas vezes s�o vis�veis a olho nu. Trata-se realmente de um �rg�o em escala reduzida.

"No caso dos minic�rebros, por exemplo, eles s�o esf�ricos, mas n�o t�m a mesma forma��o do �rg�o verdadeiro. O que nos permite saber que aquela estrutura se assemelha ao original s�o suas caracter�sticas celulares e bioqu�micas", aponta o bi�logo Daniel Martins de Souza, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Ilustração mostra tamanho de minicérebros numa placa de Petri. É possível vê-los a olho nu.(foto: Getty Images)
Ilustra��o mostra tamanho de minic�rebros numa placa de Petri. � poss�vel v�-los a olho nu. (foto: Getty Images)

As origens

Numa perspectiva hist�rica, a possibilidade de construir mini�rg�os � muito recente. Os cientistas s� conseguiram botar a m�o na massa de verdade nos �ltimos dez anos.

Apesar de jovens, os organoides j� deram grandes contribui��es � ci�ncia. Um dos maiores exemplos disso aconteceu durante a epidemia de zika, que preocupou o Brasil (e o mundo) em 2015 e 2016.

Transmitido por uma picada do mosquito Aedes aegypti, o v�rus provoca sintomas relativamente simples, como febre baixa, dor e vermelhid�o nos olhos.

Mas a explos�o de casos de microcefalia (quando o beb� nasce com o cr�nio e o c�rebro menores do que o usual) na regi�o Nordeste do pa�s levantou o sinal de alerta: ser� que uma infec��o por zika ao longo da gravidez poderia estar relacionada a essa grave complica��o?

A suspeita foi confirmada gra�as �s pesquisas com os organoides. Em laborat�rio, uma equipe liderada pelo neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ e do IDor, utilizou minic�rebros para demonstrar que o zika realmente afeta c�lulas do sistema nervoso e inibe seu crescimento, ocasionando a s�ndrome cong�nita associada � infec��o pelo v�rus, que causou a microcefalia e diversos outros problemas de sa�de em beb�s.

"Essa foi a primeira vez que o modelo dos organoides foi utilizado para entender uma doen�a viral", lembra Guimar�es.

As vantagens

Nas �ltimas d�cadas, culturas de c�lulas e cobaias foram os principais meios para realizar os estudos preliminares com candidatos a rem�dios ou vacinas. A proposta estava em entender como essas novas mol�culas agem numa escala menor e mais controlada antes de partir para os testes cl�nicos, que envolvem seres humanos.

Essas metodologias tamb�m permitem compreender como determinada doen�a afeta o organismo, mesmo que de maneira simplificada.

Mas as alternativas mais antigas trazem uma s�rie de limita��es, a come�ar por sua pr�pria simplicidade, que n�o reproduz as mesmas caracter�sticas da vida real. "Os organoides, por outro lado, s�o compostos de diferentes c�lulas e t�m uma estrutura tridimensional. Por isso, eles t�m fun��es mais parecidas ao que acontece de verdade", compara o farmac�utico Kazuo Takayama, professor da Universidade de Kyoto, no Jap�o.

No caso das cobaias, h� ainda uma limita��o na quantidade de animais dispon�veis para uso em experimentos. "� poss�vel cultivar mini�rg�os em laborat�rio quase que infinitamente, ent�o eles podem ser usados para testes com novos medicamentos em larga escala", completa Takayama.

Conhecimento otimizado

Durante uma pandemia como a que vivemos, essa abordagem moderna tamb�m possibilitou acelerar alguns processos e obter informa��es essenciais com agilidade.

Sem os organoides, o conhecimento sobre a COVID-19 demoraria muito mais para ficar dispon�vel. Isso, por sua vez, impediria o avan�o da ci�ncia e atrasaria ainda mais a chegada de m�todos de diagn�stico, preven��o e tratamento seguros e eficazes.

Vamos a exemplos pr�ticos de como isso ocorreu durante os �ltimos meses. Diante da emerg�ncia sanit�ria global, muitos especialistas foram avaliar se existia alguma droga j� dispon�vel no mercado que poderia combater o v�rus ou amenizar seu estrago.

Muitas dessas terapias foram testadas nos organoides. Aquelas que n�o funcionaram logo de cara foram descartadas. Os rem�dios que mostraram algum efeito inicial puderam, ent�o, evoluir mais r�pido para as pr�ximas fases de pesquisa. Imagina quanto tempo foi economizado com essa triagem inicial?

Mas as aplica��es v�o muito al�m da �rea farmac�utica. Trabalhos feitos no Jap�o e nos Estados Unidos focaram em minipulm�es e descobriram que o Sars-CoV-2 invade e destr�i algumas c�lulas do sistema respirat�rio. Isso, por sua vez, pode gerar uma resposta inflamat�ria muito forte e danosa � pr�pria sa�de da pessoa acometida pela infec��o.

"De forma geral, os organoides permitiram que entend�ssemos que c�lulas humanas o coronav�rus consegue invadir e usar para se replicar. Nosso grupo demonstrou que isso acontece no intestino, o que ajuda a explicar os sintomas gastrointestinais observados em muitos pacientes", relatam os pesquisadores Joep Beumer e Maarten Geurts, do Instituto Hubrecht, na Holanda.

Outra experi�ncia realizada na Universidade da Col�mbia Brit�nica, no Canad�, e no Instituto de Biotecnologia Molecular de Viena, na �ustria, construiu vasos sangu�neos em miniatura. A partir da�, foi poss�vel observar que o v�rus da COVID-19 invade o endot�lio (a camada interna de veias e art�rias).


As pesquisas com os miniórgãos permitiram entender quais células o coronavírus invade. Hoje sabe-se que o patógeno pode afetar até os vasos sanguíneos.(foto: Getty Images)
As pesquisas com os mini�rg�os permitiram entender quais c�lulas o coronav�rus invade. Hoje sabe-se que o pat�geno pode afetar at� os vasos sangu�neos. (foto: Getty Images)

Isso tem duas implica��es principais. A primeira � a forma��o de co�gulos que bloqueiam a passagem de sangue e podem dar in�cio a infarto, AVC ou trombose. Em segundo lugar, h� a suspeita de que, a partir da circula��o, o pat�geno consegue "vazar" para diversas �reas do corpo e afetar outros �rg�os importantes.

As iniciativas n�o param por a�: nessa mesma linha, trabalhos com organoides continuam a avaliar as pegadas do coronav�rus no f�gado, nos rins, no cora��o e no c�rebro.

Atua��o nacional

No Brasil, dois grupos de pesquisa se debru�am sobre as repercuss�es da COVID-19 no c�rebro humano. No IDor, os cientistas utilizaram neuroesferas (um tipo mais simplificado de organoide) para demonstrar que o Sars-CoV-2 gera danos ao sistema nervoso, mas n�o consegue se replicar e produzir novas c�pias virais ali.

J� um trabalho feito na Unicamp avaliou a presen�a do coronav�rus nos astr�citos, um tipo de c�lula do sistema nervoso. "A invas�o viral parece modificar a forma como essas unidades produzem energia, o que impacta o funcionamento dos neur�nios", resume Souza.

Essa a��o da COVID-19 na massa cinzenta pode ser um caminho para explicar os sintomas neurol�gicos da doen�a, que chegam a acometer at� 30% dos pacientes. Entre as manifesta��es mais comuns nesta regi�o do corpo est�o a perda ou o enfraquecimento de sentidos como olfato e paladar e o aparecimento de quadros de ansiedade e depress�o.

Vale mencionar, no entanto, que essa � uma �rea em constante evolu��o. As pesquisas s�o realizadas neste exato momento e � poss�vel que apare�am novidades num futuro pr�ximo.

Os limites

Apesar de tantas vantagens, os organoides n�o s�o perfeitos e n�o permitem encontrar todas as respostas. "Essa � uma �rea que d� seus primeiros passos e enfrenta desafios importantes. Muitas dessas estruturas s�o feitas com c�lulas que ainda est�o imaturas, o que significa que elas n�o s�o 100% compar�veis com os �rg�os de um adulto", avalia N�ria Montserrat Pulido, professora do Instituto de Bioengenharia da Catalunha, na Espanha.

A bioqu�mica Shuibing Chen, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, destaca a grande variabilidade entre os modelos de mini�rg�os usados pelos grupos de pesquisa. "� preciso padronizar esse material para entender as aplica��es de nossos esfor�os no mundo real", conta.

O investimento financeiro � outra barreira a ser considerada neste contexto. "Os materiais que usamos s�o caros e estamos trabalhando para criar sistemas custo-efetivos", completa Chen.

Souza destaca mais um impeditivo: os mini�rg�os (ainda) s�o estruturas isoladas, que n�o interagem com outros sistemas que comp�em o corpo humano. Com isso, n�o � poss�vel entender como os efeitos do coronav�rus nos rins, por exemplo, repercutem no cora��o ou no intestino. "Quem sabe no futuro n�o tenhamos diferentes organoides conectados, de maneira que eles interajam no laborat�rio?", vislumbra.

Se, em seus primeiros passos, os organoides j� proporcionaram tanto conhecimento, imagine o que eles poder�o fazer quando forem aperfei�oados.


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