(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Covid-19: quatro hist�rias de brasileiros que est�o perto dos 100% de isolamento h� um ano

Fator de risco, responsabilidade, medo. Por diferentes motivos, quatro pessoas que est�o em confinamento r�gido desde mar�o de 2020 conversaram com a BBC News Brasil sobre suas rotinas, reflex�es e hist�rias em um ano de pandemia.


08/03/2021 22:40 - atualizado 08/03/2021 22:40

Desde o início da pandemia, prefeituras e governos estaduais adotaram políticas mais ou menos rígidas de confinamento(foto: Allan Carvalho/NurPhoto via Getty)
Desde o in�cio da pandemia, prefeituras e governos estaduais adotaram pol�ticas mais ou menos r�gidas de confinamento (foto: Allan Carvalho/NurPhoto via Getty)
Enquanto v�rias cidades e Estados voltam a adotar neste mar�o de 2021 pol�ticas de isolamento mais rigorosas contra o coronav�rus, h� brasileiros que nunca deixaram o confinamento rigoroso em casa desde mar�o do ano passado.

 

Foi naquele m�s de 2020 que governos locais come�aram a decretar o fechamento de servi�os e com�rcio n�o essenciais como forma de conter o avan�o do coronav�rus, confirmado pela primeira vez no Brasil em 26 de fevereiro. Desde ent�o, prefeituras e governos estaduais adotaram pol�ticas mais ou menos r�gidas de confinamento — e de flexibiliza��o.

 

Tamb�m variou ao longo dos �ltimos 12 meses, mas com clara tend�ncia de queda na curva, o �ndice de isolamento social no pa�s medido pelo Monitor Estad�o/Inloco, a partir de dados GPS e Wi-Fi de celulares. A m�dia de isolamento chegou a 62,2% em 22 de mar�o de 2020. J� o ponto mais baixo foi registrado recentemente, em 26 de fevereiro de 2021: 31,1%.

 

Na menor parcela daqueles que se mant�m isolados — e mais ainda, em confinamento r�gido — est�o pessoas encontradas pela BBC News Brasil via redes sociais e entrevistadas por telefone a partir de quatro capitais: Curitiba, Goi�nia, Rio de Janeiro e S�o Paulo.

 

Em comum, elas t�m condi��es financeiras e de trabalho que permitem que fiquem em casa em tempo integral. J� as raz�es para este isolamento v�o desde fatores de risco de sa�de ao senso de coletividade.

Elas compartilham a seguir um pouco das suas rotinas, reflex�es e hist�rias.

Caio, 33 anos, S�o Paulo: 'Minha vida pessoal est� em frangalhos'


Para Caio Corraini, tempo em casa permitiu '100% de aproveitamento' na vida profissional, mas vida pessoal 'está em frangalhos'(foto: Arquivo pessoal )
Para Caio Corraini, tempo em casa permitiu '100% de aproveitamento' na vida profissional, mas vida pessoal 'est� em frangalhos' (foto: Arquivo pessoal )

Na cidade mais populosa do pa�s, o paulistano Caio Corraini, de 33 anos, est� h� quase um ano cumprindo rigorosamente o isolamento em casa, onde mora sozinho.

 

Na verdade, ele tem a companhia da cadela Mococa — motivo para suas pouqu�ssimas sa�das nesse per�odo, e s� para passeios que n�o ultrapassam o quarteir�o.

 

Al�m disso, ele estima que saiu aproximadamente sete vezes durante o �ltimo ano. Algumas para visitar e fazer a mudan�a para a casa onde mora atualmente, outras para visitar clientes.

 

Datas comemorativas como Natal e Ano Novo n�o foram exce��o — ele tamb�m passou confinado e sozinho.

 

"Acho que � meu dever, dadas as circunst�ncias e as informa��es que temos, fazer um isolamento assim. Em outros pa�ses, vimos que o lockdown bem feito � efetivo, ent�o decidi fazer minha parte. Se todos estiv�ssemos saindo s� para o essencial mesmo, n�o ter�amos tantas pessoas morrendo por dia."

 

Mas Caio logo ressalta ter o "privil�gio" de trabalhar 100% do tempo em casa. Ele � fundador e diretor-executivo da Maremoto, produtora especializada em podcasts.

 

"Sei que tem pessoas que precisam sair e ponto... Mas voc� abre o Instagram e v� fulano na praia, fico com raiva. Ao mesmo tempo, n�o tenho o que fazer. Em um pa�s com um governo s�rio, a gente teria sido mais educado, conscientizado e, se fosse o caso, punido", critica o empres�rio.

 

"No in�cio de mar�o (de 2020), n�o tinha ningu�m na rua. Era uma cidade fantasma, o que para uma cidade como S�o Paulo era algo impressionante. Naquele momento, acreditei: vamos conseguir fazer o isolamento. Mas a� come�ou a abrir shopping, academia...", diz, enumerando as flexibiliza��es que tiraram sua esperan�a.

 

"No come�o, as pessoas estavam apavoradas. Hoje, a galera ligou o f*. N�s estamos no pior momento — isso de que o pior j� passou � falso."

 

Caio diz que, desde o in�cio da pandemia, sua estimativa do quanto ela duraria foi prorrogada a cada tr�s meses, at� chegar ao momento atual, onde ele tenta n�o pensar muito mais at� quando seu isolamento vai durar. A falta de perspectiva e "a briga de egos entre governos federal e estadual" cobram um pre�o do seu bem-estar.

 

"Sinceramente, �s vezes evito acompanhar muito. Mas, �s vezes, leio para me informar e pensar no futuro, tipo: esquece isso (de voltar ao 'normal') por mais um m�s", conta o paulistano.

 

O tempo em casa teve "100% de aproveitamento" na vida profissional, com a empresa crescendo, muito trabalho e a retomada de estudos de ingl�s, mas deixou sua vida pessoal ficou "em frangalhos", como ele define.

 

"O ser humano � um bicho soci�vel, emocional, e esse campo est� destro�ado. Todos os dias sinto falta dos amigos, de marcar um encontro com alguma guria. N�o posso fazer nada. � um pre�o muito alto, alto demais. Sinto como minha vida tivesse parado", diz, acrescentando tratar desses temas na terapia — virtual, claro.

 

Na sua rotina de dias "todos iguais" do isolamento, como define, o mais perto que Caio chega da socializa��o da vida real � o encontro virtual com amigos enquanto jogam videogame.

 

Faz parte de sua programa��o de comunica��o � dist�ncia tamb�m liga��es para a av�, que mora no interior de S�o Paulo — inclusive outro motivo para seu confinamento r�gido, porque pensar nos riscos que ela corre aumentam seu senso de responsabilidade, ele diz.

 

Socializar tamb�m � a primeira pedida no hipot�tico cen�rio de fim da pandemia — mas s� depois de ir ao cabelereiro.

 

"N�o corto cabelo tem um ano. Primeira coisa que penso � fazer isso, depois comprar uma roupa nova e ir ver meus amigos", diz.

Rute, 62 anos, Curitiba: 'Deus est� agindo atrav�s dessa vacina'

Perguntada pela reportagem o quanto, de 0 a 100, est� isolada, a dona de casa Rute Marques Hensen, de 62 anos, n�o titubeia.

 

"100%. S� saio para tirar o lixo", diz ela, que mora com o marido Volni Hensen, de 60 anos, em um apartamento em Curitiba, no Paran�.

 

Volni sai apenas para fazer tratamentos de um c�ncer de intestino, diagnosticado em 2019. A filha e o genro o levam de carro. O tratamento do tumor n�o foi interrompido ou afetado pela pandemia.

Mas � justamente a condi��o de sa�de dele que, dentre v�rios motivos, faz o casal ficar o mais perto poss�vel de um isolamento total.

 

"Eu n�o tenho problemas de sa�de, mas meu marido tem um fator de risco, a baixa imunidade, ent�o, por seguran�a, n�o sa�mos de casa", explica Rute.

 

Ela reconhece que ficar muito tempo em casa j� era uma costume antes da pandemia — e facilita a boa conviv�ncia com o marido. As �nicas visitas que o casal recebe s�o da filha, do genro e da neta.

"Tenho que fazer as coisas na casa, o dia passa r�pido. Passo caf�, limpo, fa�o almo�o, depois cuido da netinha"

 

"Acostumei com o isolamento. Eu n�o era muito de sair, no m�ximo ia para a igreja, ou para o shopping com minha filha, ou para a ch�cara da minha irm�. Para mim, est� tranquilo. Mas sinto falta dos meus amigos e da igreja, de ir aos cultos de domingo e de cantar no coral", diz Rute, que segue acompanhando os cultos da Assembleia de Deus pela internet.

 

O coronav�rus a deixou distante das duas irm�s e um irm�o, que n�o v� desde o in�cio da pandemia, e tamb�m enlutou a fam�lia — um cunhado de Rute faleceu de covid-19, ap�s ter recebido uma visita infectada, ela conta.

 

Foi mais uma v�tima fatal das muitas que conhecia. "Morei 11 anos em Manaus, tenho amigos l�. Perdi bastante amigo, parentes de amigos...", enumera a dona de casa.

 

"Cada um � um, mas acho que as pessoas deveriam ter se cuidado mais. Muitas pessoas n�o est�o levando a s�rio, n�o usam m�scara... Se todos tivessem levado a s�rio a pandemia, a coisa n�o estaria como est�."

 

"Mas agora com a vacina vai ser muito melhor. Creio que Deus est� agindo atrav�s dessa vacina. Me deu muita esperan�a."

Vitor, 30 anos, Rio de Janeiro: 'Quando sa�, fiquei com medo de chegar perto das pessoas'

Se desde o final de mar�o de 2020 o "mundo" do doutorando Vitor Tocci, de 30 anos, foi o apartamento que mora com a fam�lia, as �nicas duas sa�das de l� neste per�odo foram um pouco como fazer uma expedi��o para outro planeta — no caso, a cidade do Rio de Janeiro em plena pandemia de coronav�rus.

 

E como toda miss�o exige um planejamento, Vitor se antecipou para minimizar todos os riscos de infec��o ao ir votar no primeiro e segundo turno das elei��es municipais, em novembro de 2020.

 

Ele pesquisou antes se sua se��o eleitoral havia mudado de lugar, acordou muito cedo no dia da vota��o e chegou antes que as filas se formassem.

 

"Eu estava at� com receio (de sair de casa). Nunca tinha sa�do com m�scara. Me arrumando, estranhei estar todo paramentado, parecia um astronauta", lembra Vitor, que tem atrofia muscular espinhal e se locomove com cadeira de rodas, o que tamb�m explica seu planejamento para a sa�da.

 

"Apesar de ter poucas pessoas na rua quando sa�, senti paranoia de chegar perto delas. Como a doen�a � muito nova, n�o sabia at� que ponto estaria protegido mesmo de m�scara e face shield. Foi uma sensa��o estranha, realmente estava com medo de chegar perto das pessoas."

 

Vitor conta que considerou n�o ir por conta dos riscos, mas seu local de vota��o � perto de casa e ele queria fazer valer seu voto.

 

A rigidez no isolamento se explica em parte por sua condi��o de sa�de — que j� era uma preocupa��o antes do coronav�rus, fazendo com que j� se vacinasse anualmente contra a gripe.

 

"Tenho fraqueza nos meus m�sculos, e esta fraqueza afeta o pulm�o. Se eu pegar covid, meu pulm�o j� n�o � normal. No in�cio da pandemia conversei com minha neurologist,a e ela disse que eu n�o estou oficialmente no grupo de risco da doen�a", conta.

 

"Mas sempre tive que tomar cuidado com qualquer gripe — quando pego uma, tenho que me medicar r�pido, para combater logo no come�o. Por duas vezes j� evolu� para pneumonia, em uma delas tive que internar."

 

Dividindo o apartamento com os pais e a irm�, s�o eles que saem para ir ao mercado e � farm�cia. Vitor fica direto em casa, centrando a rotina em sua pesquisa de doutorado. A conviv�ncia entre todos "� a melhor poss�vel, o que ajuda a passar pelo isolamento de uma forma melhor", diz o jovem.

 

"Para ser sincero, sempre fui muito de ficar em casa. Sa�a para compromissos do doutorado ou para algum bar perto de casa com os amigos. Mas s� ficar em casa � muito desgastante", afirma.

 

"Inicialmente, eu achava que no final do ano (de 2020) j� ter�amos um controle maior dos casos. Mas da forma como (a resposta � pandemia) foi conduzida no Brasil, nunca houve controle dos casos, al�m de n�o ter vacina (suficiente)."

 

Assim, ficou para tr�s, junto com 2020, os planos de encontrar os parentes na tradicional festa que a fam�lia costuma fazer no fim do ano, reunindo mais de 40 pessoas — e que Vitor espera que possa acontecer em 2021, talvez com a dissemina��o da vacina contra a covid-19, que lhe deu "muita esperan�a".

 

Mesmo reconhecendo que, diferente de sua fam�lia, h� aglomera��es e outras "flexibiliza��es" n�o recomendadas acontecendo pelo pa�s, Vitor direciona suas cr�ticas ao governo federal.

 

"Acho que a cobran�a real deveria ser em cima de quem n�o est� fazendo sua parte — que � o governo, boicotando a pandemia, o isolamento e a vacina��o. Se tiv�ssemos um governo mais consciente, conseguir�amos manter as pessoas por mais tempo em lockdown."

Avani, 63 anos, Goi�nia: 'N�o vejo uma luz no fim do t�nel'


Avani mora com a mãe e o irmão e diz que boa convivência ajuda a passar pelo longo confinamento(foto: Arquivo pessoal)
Avani mora com a m�e e o irm�o e diz que boa conviv�ncia ajuda a passar pelo longo confinamento (foto: Arquivo pessoal)

Os �nicos descuidos com o coronav�rus que chegam perto da advogada Avani Guedes, de 63 anos, s�o os que ela v� da janela do seu apartamento em Goi�nia, capital de Goi�s, para fora.

 

Da janela para dentro, alimentos e livros comprados via internet s�o higienizados com �lcool, visitas est�o "proibidas" e os moradores — ela, um irm�o de 39 anos e a m�e de 83 — evitam se aproximar. At� agora, nenhum dos tr�s moradores teve sintomas e muito menos um diagn�stico de covid-19.

 

"N�o abra�o minha m�e h� um ano, nem no anivers�rio dela. E sou da teoria de que � muito bom dar seis abra�os por dia, para o bem interior", lamenta.

 

Ir para a rua foi raridade desde o in�cio da pandemia, de se contar nos dedos. Avani diz que saiu duas vezes para ir � farm�cia e, uma vez ao m�s, precisa ir ao banco.

 

"Minha m�e � idosa, com doen�as pr�-existentes, e j� esteve na UTI tr�s vezes. Eu e meu irm�o somos hipertensos. Temos que ter muitas precau��es."

 

"Sei bem o que � uma UTI, o que significa intubar, ver uma m�e em estado grave. E as pessoas levam na brincadeira, o que me deixa estressada. Falta no��o de coletividade, de respeito com aqueles que realmente precisam se resguardar contra a doen�a", diz, referindo-se �s pessoas que n�o adotam medidas de preven��o recomendadas.

 

"Da janela do meu apartamento vejo um terminal rodovi�rio, onde vejo pessoas sem m�scara entrando em �nibus lotados. Claro que as pessoas s�o correspons�veis, mas o poder p�blico tem responsabilidade nisso."

 

Esse tipo de descaso explica sua resposta n�o muito empolgada sobre as perspectivas ap�s a vacina��o da sua m�e, imunizada com a primeira dose no dia que a advogada conversou com a reportagem.

"Enquanto n�o tivermos certeza de que a situa��o do pa�s e do mundo est� realmente tranquila, vou continuar me resguardando."

 

No isolamento, Avani decidiu come�ar uma gradua��o em Pedagogia pela internet e j� est� indo para o segundo semestre. Ela ainda trabalha como advogada, mas com uma carga hor�ria mais tranquila por conta da idade.

 

"Eu pensei: o que vou fazer durante esse per�odo dentro de um apartamento? Mesmo n�o sendo presencial, estudar te mant�m em contato com as pessoas. E Pedagogia tem disciplinas de filosofia, que t�m a ver com minha forma��o. Isso enriquece minha carreira", conta.

 

"Mas o contato online tem uma dist�ncia, � diferente de fazer o curso com um grupo (presencialmente). N�o sou do tempo da tecnologia, de ficar fazendo amizade pelo computador. Acho que tira o brilho da amizade, gosto de participar das festas, dar um abra�o."

 

Falando dos tempos em que o coronav�rus ainda n�o existia, Avani se descreve como uma pessoa ativa, com h�bito de viajar de carro, ir ao shopping e participar de congressos a trabalho.

 

"J� estou cansada. Reconhe�o que n�o todos os dias, mas em alguns acordo e vem uma tristeza porque voc� n�o v� luz no fim do t�nel. Ainda n�o estou conseguindo ver luz no fim do t�nel."

 

Perguntada pela reportagem sobre o que faria em um dia hip�tetico em que a pandemia n�o exista mais, a advogada ficou um tempo em sil�ncio.

 

"Nunca pensei no primeiro dia. Mas logo que a pandemia passar, estou pensando em mudar de cidade. Tenho irm�os morando em Bras�lia e pensei em nos juntarmos todos l�. Na pandemia, fiquei pensando: a vida � curta, ficar longe por qu�?"


J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)