
Com os R$ 30 que lhe pagaram pelo material, comprou um pacote de p�o e 5 quilos de p� de galinha, que v�o virar almo�o e jantar para ela e o marido at� o fim da semana.
"Pra outra semana eu n�o tenho mais panela pra vender. N�o sei o que vou fazer."
Os R$ 179 que recebeu do Bolsa Fam�lia no fim de fevereiro foram embora rapidamente: R$ 90 por um botij�o de g�s, R$ 40 pra pagar a conta de energia e outra parte para quitar duas contas de �gua atrasadas.
"N�o tem papel higi�nico aqui em casa, virou artigo de luxo. A gente vem cortando um len�ol velho para levar ao banheiro."
Diagnosticada com artrose e fibromialgia, ela n�o pode trabalhar. O marido, caminhoneiro, est� desempregado desde 2019 e tamb�m tem problemas de sa�de.
Ambos deram entrada no Benef�cio de Presta��o Continuada (BPC), mas ainda n�o tiveram retorno do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Assim como outros 56 milh�es de brasileiros, Fernanda parou de receber o aux�lio emergencial em dezembro. Teve acesso a cinco parcelas de R$ 600 e a outras quatro de R$ 300, quando o benef�cio foi reduzido.
O marido, apesar de tamb�m eleg�vel ao aux�lio, teve de esperar nove meses para receber os pagamentos. A libera��o foi inicialmente bloqueada porque constava erroneamente no sistema que ele estava recebendo seguro-desemprego. Em dezembro, ap�s uma ordem judicial, o benef�cio foi liberado.
Desde janeiro, o casal sobrevive com os R$ 179 que recebe pelo Bolsa Fam�lia.
Naquele m�s, eles conseguiram uma das cestas b�sicas que vinham sendo distribu�das no bairro. Depois disso, com o volume limitado de doa��es e aumento da demanda, ficou mais dif�cil.
"Aqui est�o dando prioridade pra quem tem crian�a, e eu entendo", diz Fernanda. "Estou dentro de casa passando fome, j� passei da fase de 'necessidade'."

Nos tr�s meses em que o pa�s levou para negociar a libera��o de outras quatro parcelas do aux�lio emergencial, a combina��o entre desemprego elevado e infla��o ascendente trouxe a fome de volta �s casas de milh�es de pessoas.
Na semana passada, o Congresso aprovou a Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC) que permite o financiamento do novo aux�lio. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o valor m�dio ficaria em R$ 250, mas as cotas devem variar entre R$ 150 e R$ 375.
A Medida Provis�ria com os detalhes sobre o benef�cio, cuja publica��o � necess�ria para que se iniciem os pagamentos, foi assinada nesta quinta (18/3), ap�s dias de expectativas frustradas. Conforme o comunicado enviado pela Secretaria Especial de Comunica��o Social, o presidente Jair Bolsonaro deve apresent�-la ao Congresso no fim da tarde.
"Assinando ou n�o (a medida), eles continuam almo�ando e jantando l� em Bras�lia, n�?", desabafa Fernanda, que h� dias espera not�cias sobre a retomada dos pagamentos.
'A comida acaba e a fila continua'
Uma pesquisa feita pelo Data Favela, uma parceria entre Instituto Locomotiva e a Central �nica das Favelas (Cufa), em fevereiro apontou que, entre os 16 milh�es de brasileiros que moram em favelas, 67% tiveram de cortar itens b�sicos do or�amento com o fim do aux�lio emergencial, como comida e material de limpeza.
Outros 68% afirmaram que, nos 15 dias anteriores � pesquisa, em ao menos um faltou dinheiro para comprar comida. 8 em cada 10 fam�lias disseram que n�o teriam condi��es de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas b�sicas durante os meses de pandemia se n�o tivessem recebido doa��es.
As estat�sticas se materializam nas filas por refei��es e cestas b�sicas em diferentes regi�es do pa�s.
Na capital paulista, no entanto, o n�mero de marmitas distribu�das por dia na favela de Parais�polis caiu de 10 mil para algo entre 500 a 800.

"Tem dia que a comida acaba e a fila continua, que as pessoas ficam brigando l� fora", diz o l�der comunit�rio Gilson Rodrigues.
A queda no volume de doa��es — recolhidas, entre outros canais, pelos sites novaparaisopolis.com.br e g10favelas.com.br — tamb�m afetou outros servi�os que as lideran�as comunit�rias vinham prestando, entre elas as ambul�ncias e as equipes m�dicas que assistiam a popula��o.
Os ve�culos do Servi�o de Atendimento M�vel de Urg�ncia (Samu) n�o entram na comunidade na zona sul de S�o Paulo, onde vivem cerca de 100 mil pessoas. Os moradores j� entraram na Justi�a para reivindicar o atendimento durante a pandemia, mas, na falta de uma resposta, os vizinhos se ajudam como podem com carros de passeio.
Nos �ltimos dias, se multiplicaram nas redes sociais as campanhas de arrecada��o de recursos para colocar comida na mesa dos brasileiros mais vulner�veis. Entre elas est�o a Tem Gente com Fome, cuja meta � auxiliar cerca de 220 mil fam�lias pelos pr�ximos quatro meses.
Alta dos alimentos tr�s vezes maior que infla��o oficial
Comer ficou significativamente mais caro de um ano para c� no Brasil.
Os pre�os de alimentos e bebidas est�o em m�dia 15% mais altos nos 12 meses encerrados em fevereiro, quase tr�s vezes a infla��o oficial, que atingiu 5,2%, conforme o �ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor Amplo (IPCA).
Os 15% de aumento m�dio na categoria alimentos e bebidas, j� elevado, esconde altas ainda maiores, como a do arroz, que ficou quase 70% mais caro nos �ltimos 12 meses, do feij�o preto (50%), da batata inglesa (47%), da cebola (69%), do lim�o (79%).
O aumento da infla��o de alimentos tem impacto especialmente sobre as fam�lias mais pobres, que t�m um percentual maior da renda comprometida com itens b�sicos - e, agora, no momento mais agudo da pandemia, ter�o acesso a um aux�lio financeiro significativamente menor.
Paola Carvalho, da organiza��o Rede Brasileira de Renda B�sica, que vinha pressionando o governo para que mantivesse o aux�lio em seu formato original, ressalta que os R$ 150 que ser�o pagos a milh�es de fam�lias nos pr�ximos quatro meses � menos de 25% do valor de uma cesta b�sica, que custa em m�dia R$ 620, conforme o Dieese (Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos).

"Esse valor empurra as pessoas para a rua."
Para ela, a l�gica do aux�lio emergencial deveria ser diferente das demais pol�ticas de transfer�ncia de renda, j� que teoricamente tamb�m tem como objetivo garantir o m�nimo de subsist�ncia para que as pessoas n�o precisem sair para trabalhar e, assim, contribuir para o esfor�o de tentar controlar a circula��o do v�rus no pa�s.
"Seria poss�vel baixar o benef�cio a partir do momento em que a popula��o estivesse imunizada, n�o agora, quando a gente est� no pior momento da pandemia", acrescenta Paola.
O economista Vin�cius Botelho concorda que, "quanto menor o valor, menor a pot�ncia do benef�cio para tirar as pessoas temporariamente da for�a de trabalho", o que, para ele, refor�a a urg�ncia de se acelerar a imuniza��o contra covid-19 no pa�s.
"A gente continuar usando aux�lio emergencial como estrat�gia de distanciamento social � muito caro", avalia.
Urgente tamb�m � a necessidade de se pensar em uma pol�tica para a redu��o estrutural da pobreza no pa�s, que retoma a trajet�ria de crescimento ap�s uma breve interrup��o em 2020.
No fim do ano passado, diante da imin�ncia do fim do pagamento do aux�lio emergencial, o economista calculou o impacto potencial da suspens�o do benef�cio: cerca de 3,4 milh�es cairiam na extrema pobreza em 2021, levando em conta o patamar de renda de US$ 1,90 por dia usado pelo Banco Mundial.
A extens�o do aux�lio por mais quatro meses muda pouco a perspectiva, j� que a despesa com o benef�cio ser� significativamente menor, de R$ 44 bilh�es, ante R$ 290 bilh�es pagos em 2020.
Al�m disso, as perspectivas de rea��o da economia, que embasaram as estimativas do estudo, t�m se deteriorado neste primeiro trimestre - o que dificulta a sa�da das fam�lias da condi��o de vulnerabilidade.
"A not�cia mais assustadora n�o � nem quantidade de pessoas, mas o fato de que esse aumento pode ser permanente se a trajet�ria de renda per capita n�o acelerar", diz o doutorando em economia dos neg�cios pelo Insper.
A pobreza extrema no Brasil vinha em uma crescente desde 2014. Teve uma interrup��o tempor�ria em 2020, por conta do aux�lio emergencial - que transferiu um volume de recursos para fam�lias de baixa renda, mas que � insustent�vel do ponto de vista fiscal no m�dio prazo -, e deve retomar a trajet�ria.
Quanto mais o pa�s demora para controlar a pandemia, diz o especialista, pior o cen�rio: os efeitos que deveriam ser tempor�rios v�o ganhando cicatrizes - as empresas que n�o conseguem mais se manter em opera��o � espera do retorno � "normalidade", por exemplo - e isso acaba tendo reflexo sobre a gera��o de emprego e renda e, em �ltima inst�ncia, sobre a pobreza.
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