
"O Brasil � o exemplo de tudo que podia dar errado numa pandemia. Temos um pa�s com uma lideran�a que, al�m de n�o implementar medidas de controle, minou as medidas que t�nhamos, como distanciamento social, uso de m�scaras e, por um bom tempo, tamb�m as vacinas. Viramos uma amea�a global."
Essa � a opini�o de Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doen�as (CDC) do Departamento de Sa�de dos EUA e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute (Washington).
Com a experi�ncia de quem trabalhou no CDC por mais de 20 anos, Garrett n�o poupa cr�ticas ao governo federal em rela��o ao combate � pandemia de covid-19.
No �rg�o, ligado ao Departamento de Sa�de dos EUA (equivalente ao Minist�rio da Sa�de no Brasil), ela atuou como conselheira-residente do Programa de Treinamento em Epidemiologia de Campo (FETP) no Brasil, como l�der da equipe no Cons�rcio de Estudos Epidemiol�gicos da Tuberculose (TBESC) e como conselheira-residente da Iniciativa Presidencial contra a Mal�ria em Angola.
"Um ano depois, estamos no pior lugar em que poder�amos estar, com uma transmiss�o alt�ssima, com uma variante extremamente alarmante e com sistema de sa�de � beira de colapsar".
"O Brasil parece viver em um universo paralelo. Enquanto todos os pa�ses est�o indo numa dire��o, seguimos na contram�o".
Especialistas consideram que o Brasil vive o pior momento da pandemia - o pa�s vem registrando nos �ltimos dias seguidos recordes de mortes di�rias.
O Brasil � o segundo pa�s do mundo em n�mero de �bitos (294 mil), atr�s apenas dos EUA (542 mil), de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins (EUA).
Garrett falou por telefone � BBC News Brasil. Confira os principais trechos.
BBC News Brasil - Faz um ano que a OMS decretou a pandemia de covid-19 no mundo. Qual � a sua an�lise a respeito da situa��o do Brasil?
Denise Garrett - O Brasil � o exemplo de tudo o que podia dar errado numa pandemia. Temos um pa�s com uma lideran�a que, al�m de n�o implementar medidas de controle, minou as medidas que t�nhamos, como distanciamento social, uso de m�scaras e, por um bom tempo, tamb�m as vacinas.
A situa��o hoje � extremamente preocupante. Temos uma popula��o que est� exausta. E fizemos um lockdown 'meia boca'.
Um ano depois, estamos no pior lugar em que poder�amos estar, com uma transmiss�o alt�ssima, com uma variante extremamente alarmante e com sistema de sa�de � beira de colapsar.
O Brasil parece viver em um universo paralelo. Enquanto todos os pa�ses est�o indo numa dire��o, seguimos na contram�o.
Um fator decisivo para isso, al�m daqueles sobre os que eu j� falei, foi o incentivo do uso de medica��es sem nenhuma comprova��o cientifica com a popula��o acreditando nelas como uma medida de prote��o.
Ou seja, em vez de praticar o distanciamento social e usar m�scara, muita gente acreditou no presidente da Rep�blica e achou que se protegeria com ivermectina e hidroxicloroquina. N�o vi nenhum outro pa�s do mundo fazendo isso.
De fato, aqui nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump tamb�m chegou, em determinado momento, a recomendar esse medicamento. Mas, no Brasil, houve um protocolo recomendado pelo Minist�rio da Sa�de.
O impacto dessa fake news � imenso - e faz com que at� colegas m�dicos sofram press�o do pr�prio paciente.
Al�m de tudo isso, n�o temos vacina. O governo n�o fez acordos quando deveria fazer. O presidente disse que n�o se vacinaria. O estoque que o Brasil tem agora n�o � proveniente do governo federal.
BBC News Brasil - Muitos especialistas, tanto do Brasil quanto de fora, v�m dizendo que o pa�s se tornou uma amea�a global. A sra. concorda?
Garrett -Claro. O Brasil virou uma grande amea�a global. O pa�s se tornou um caldeir�o para novas variantes.
V�rus est�o sempre mutando. As muta��es que forem favor�veis a ele, quando n�o h� restri��o � transmiss�o, ser�o selecionadas e v�o predominar.
Eventualmente, e isso ainda n�o aconteceu, uma vez que as novas cepas est�o respondendo �s vacinas, que protegem contra a forma mais grave da doen�a, podemos ter variantes que comprometam a efic�cia das vacinas.
Claro que num ambiente onde a taxa de vacina��o � baixa e a taxa de transmiss�o alta, como no Brasil, esse risco � muito mais elevado.
Ningu�m est� seguro at� que todos estejam seguros. Nenhum pa�s vai se sentir seguro enquanto houver um pa�s como o Brasil, onde n�o h� nenhum tipo de controle.
Todos os esfor�os louv�veis de outros pa�ses que est�o funcionando podem simplesmente ser perdidos por causa de um pa�s que n�o se importa com a pandemia. E onde n�o existe uma sensibiliza��o pela vida por parte da lideran�a do pa�s.

BBC News Brasil - Neste sentido, a sra. acredita que os brasileiros possam ser mal vistos e at� mesmo impedidos de entrar em outros pa�ses?
Garrett -Isso � algo que j� ocorrendo. E eu vejo isso se intensificando ainda mais. H� restri��es contra a entrada de cidad�os brasileiros pelo mundo. Qualquer pa�s de bom senso faria isso. Qualquer pa�s que se preocupa com a sa�de de sua popula��o.
� �bvio que os pa�ses v�o se proteger. As medidas que o Brasil n�o tomou o restante do mundo tomou. Quando se fala que vai ao Brasil agora � um risco. Antes era o risco de viol�ncia, demoramos para mudar essa imagem, agora � a covid-19.
BBC News Brasil - O que a sra. acha que o Brasil deveria fazer neste momento?
Garret -Duas coisas. O Brasil precisa de um lockdown estrito a n�vel nacional. Passou da hora de um lockdown a n�vel municipal ou estadual. E quando eu falo em lockdown, eu me refiro a n�o sair de casa, s� em caso de urg�ncia. De esvaziar as ruas, mesmo. S� funcionar servi�os essenciais.
Existiu uma �poca em que poder�amos at� fazer confinamentos a n�vel municipal ou estadual, quando a pandemia no Brasil ainda era "muitas pandemias".
Explico: somos um pa�s enorme e houve um momento em que t�nhamos diferentes est�gios da pandemia em diferentes localidades. Ou seja, medidas localizadas poderiam ser tomadas.
No est�gio atual, essa possibilidade n�o existe mais. O pa�s inteiro est� � beira do colapso. N�o adianta fechar um Estado e os outros continuarem abertos. E as pessoas transitando de um para outro.
O Brasil precisa retomar o controle sobre o v�rus. O v�rus est� solto - e isso � urgente. S� assim vamos reduzir os casos e, por consequ�ncia, as mortes.
Outra coisa � vacinar a popula��o.
Precisamos de planejamento e estrat�gia. Mas, infelizmente, n�o tenho esperan�a quanto ao governo federal sobre isso.
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