
Ambientes fechados, pouca ventila��o, amplo contato entre fi�is, uso compartilhado de objetos, cantos lit�rgicos.
Elementos como esses s�o comuns em celebra��es religiosas, mas, no contexto da pandemia de covid-19 que vem assolando o mundo, podem representar tamb�m um "coquetel explosivo" para a dissemina��o do novo coronav�rus, causando mais infec��es e, portanto, mais mortes.
Dessa forma, a despeito da argumenta��o jur�dica que baseia a decis�o do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), de liberar a realiza��o de missas e cultos em todo o Brasil, do ponto de vista epidemiol�gico, ela "vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia", diz � BBC News Brasil Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doen�as (CDC) do Departamento de Sa�de dos EUA e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute (Washington).
"Celebra��es religiosas s�o ambientes de alto risco. Temos v�rios relatos de surtos originados em locais de culto. N�o somente por serem ambientes fechados, mas tamb�m pelas atividades desenvolvidas (ora��es, corais, canto) que propiciam libera��o de part�culas virais no ar", explica.
"Ent�o, do ponto de vista epidemiol�gico a reabertura de igrejas nesse momento da pandemia no Brasil, com altas taxas de transmiss�o e fal�ncia do sistema de sa�de, � algo que vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia", acrescenta.
Na decis�o em car�ter liminar (provis�rio), publicada no s�bado (3/4), Nunes Marques aponta que Estados e munic�pios n�o podem editar normas que pro�bam completamente celebra��es religiosas presenciais como medida de enfrentamento � pandemia. A liminar ainda ter� que ser analisada pelo plen�rio do Supremo, mas ainda n�o h� data marcada para o julgamento.
Nas �ltimas semanas, o Brasil vem batendo seguidos recordes di�rios de mortes. Desde o in�cio da pandemia, a covid-19 j� infectou 13 milh�es e matou mais de 330 mil no pa�s.
Especialistas acreditam que se nada for feito para controlar o v�rus, o n�mero de mortos pode aumentar ainda mais.
Autoridades de sa�de de todo o mundo destacam o perigo representado por reuni�es em locais de culto para o controle da pandemia de covid-19.
Por exemplo, a Associa��o M�dica do Texas considera "ir a culto religioso com 500 ou mais fi�is" como uma atividade de "alto risco".
A entidade publicou no ano passado um gr�fico em que apontou diferentes graus de risco de cont�gio por covid-19 que atividades cotidianas oferecem. Nesse ranking, que viralizou nas redes sociais, celebra��es religiosas s�o as que oferecem maior perigo, similar a frequentar bares, est�dios de futebol e shows.

J� o Departamento de Sa�de do Estado americano de Illinois recomenda "fortemente", em sua orienta��o para locais de culto e prestadores de servi�os religiosos, que as congrega��es continuem a promover solenidades "remotas, especialmente para aqueles que s�o vulner�veis � covid-19, incluindo adultos mais velhos e aqueles com doen�as cr�nicas".
"Mesmo com a ades�o ao distanciamento f�sico, v�rias fam�lias diferentes se reunindo em um ambiente congregacional para o culto carregam um risco maior de transmiss�o generalizada do v�rus que causa a covid-19 e pode resultar em aumento das taxas de infec��o, hospitaliza��o e morte, especialmente entre as popula��es mais vulner�veis", diz o �rg�o.
"Em particular, o alto risco associado a atividades como canto e recita��o em grupo pode anular os comportamentos de redu��o de risco, como o distanciamento social".

O pr�prio CDC americano, �rg�o do Departamento de Sa�de respons�vel pelas diretrizes de combate � pandemia nos EUA, refor�a em seu site que "participar de eventos e reuni�es aumenta o risco de obter e disseminar a covid-19".
"Milh�es de americanos consideram o culto uma parte essencial da vida. Para muitas tradi��es de f�, reunir-se para adora��o � a ess�ncia do que significa ser uma comunidade de f�. Mas, como os americanos agora sabem, as reuni�es representam um risco de dissemina��o crescente de covid-19 durante esta Emerg�ncia de Sa�de P�blica."
"Com a transmiss�o por aerossol, os chamados 'protocolos de seguran�a' em uso, n�o s�o efetivos. A menos que esses protocolos envolvam medidas de ventila��o, para melhorar a qualidade do ar, s�o de pouca valia", explica Denise Garrett.
"As part�culas se acumulam no ar e circulam a uma dist�ncia muito maior do que a dist�ncia recomendada nesses protocolos. A m�scara � muito importante, assim como o distanciamento social. Mas, em �ltima an�lise, em um ambiente fechado, de m� circula��o, o risco � muito maior", acrescenta.
Surtos
Desde o in�cio da pandemia, relatos de surtos de covid-19 em congrega��es religiosas se multiplicaram ao redor do mundo.
Na Coreia do Sul, um dos primeiros pa�ses atingidos pelo v�rus depois da China, origem do surto, um grupo religioso foi identificado como "um viveiro de coronav�rus", quando o n�mero de casos confirmados come�ou a se acentuar no pa�s, em fevereiro do ano passado.
Na ocasi�o, a filial da Igreja Shincheonji na cidade de Daegu respondeu por 30 de 53 novos casos oficiais de coronav�rus na Coreia do Sul, deixando autoridades alarmadas.
Casos semelhantes ocorreram na Mal�sia e na Alemanha.
Nos Estados Unidos, um culto em Kentucky resultou em um surto com tr�s mortes e se espalhou por mais de 320 quil�metros de dist�ncia da igreja. No Arkansas, uma celebra��o religiosa com a participa��o de 92 fi�is terminou com 35 deles contraindo o v�rus e tr�s pessoas morrendo. Na Calif�rnia, 70 casos foram vinculados a uma �nica igreja.
Um bispo na Virg�nia que prometeu continuar pregando "a menos que eu esteja na pris�o ou no hospital" sucumbiu ao v�rus. Em Idaho, um culto religioso realizado em maio do ano passado, violando a ordem executiva estadual, provocou 35 novos casos. Em Union County, em Oregon, pelo menos 99 novos casos foram confirmados somente no dia 15 de junho suspeitos de terem se originado de uma igreja que n�o seguiu as diretrizes de sa�de p�blica.
Em um relat�rio de 12 de maio, o CDC descreveu o ensaio do coral em uma igreja como um evento de "supertransmiss�o" que infectou a maioria dos 61 participantes e causou duas mortes.

Brigas na Justi�a
A discuss�o sobre o fechamento de locais de culto nos Estados Unidos devido � pandemia de covid-19 tamb�m chegou � Suprema Corte daquele pa�s.
Em muitos casos, congrega��es religiosas citaram a Primeira Emenda e argumentaram ser "inconstitucional" restringir as celebra��es religiosas, especialmente quando atividades consideradas "essenciais" pelo governo - como mercearias, lojas de bebidas e lavanderias - podiam permanecer abertas.
Isso fez com que o governo americano n�o inclu�sse locais de culto nas ordens de sa�de p�blica geralmente aplic�veis.
"Por causa dessa falta de lideran�a nacional, casas de culto e outras institui��es baseadas na f� est�o na posi��o desafiadora de ter que buscar orienta��o de sa�de p�blica por conta pr�pria", explica o Center for American Progress, organiza��o de pesquisa e defesa de pol�ticas p�blicas com sede na capital americana, Washington.
Em vota��o apertada, a Suprema Corte dos EUA acabou dando aos Estados alguma margem de manobra para determinar quando e como reabrir locais de culto com seguran�a durante a pandemia.
Na Inglaterra, os locais de culto chegaram a ser fechados durante o primeiro confinamento, mas depois foram autorizados a reabrir em junho - e permaneceram abertos no pior momento da pandemia, quando o n�mero de mortes bateu recorde durante o inverno.
Apesar disso, tiveram que seguir regras r�gidas, como uso de m�scara, distanciamento social e n�mero limitado de fi�is. At� o �ltimo dia 29 de mar�o, durante as celebra��es, n�o era permitido, por exemplo, interagir com "ningu�m fora de sua casa ou de sua 'bolha de apoio'".
Mais recentemente, casamentos e funerais voltaram a ser autorizados, mas com n�mero de participantes limitados (seis para casamentos e 30 para funerais at� o pr�ximo dia 12 de abril).
Na semana passada, um culto da Sexta-feira Santa (2/4) em uma igreja cat�lica no sul de Londres foi encerrado por violar as restri��es de bloqueio nacional, informou a pol�cia. Fi�is foram encontrados sem m�scaras e sem praticar distanciamento social.
No Brasil, o ministro Nunes Marques intimou o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD-MG), a cumprir sua decis�o que liberou a celebra��o de cultos e missas presenciais em todo o territ�rio nacional.
A intima��o do ministro ocorreu ap�s a Advocacia-Geral da Uni�o (AGU) entrar com uma representa��o no STF contra o prefeito.
Nas redes sociais, Kalil havia dito que n�o seguiria a decis�o do Judici�rio com base em entendimento coletivo do pr�prio STF.
"Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plen�rio do Supremo Tribunal Federal. O que vale � o decreto do prefeito. Est�o proibidos os cultos e missas presenciais", escreveu o prefeito, em sua conta no Twitter.
Kalil acabou por acatar a ordem Nunes Marques, mas disse que a prefeitura da capital mineira j� entrou com recurso contra a decis�o.

Decis�o monocr�tica
Em sua decis�o, de car�ter monocr�tico, ou seja, tomada individualmente, sem lev�-la ao �rg�o colegiado, Nunes Marques afirmou que "a proibi��o categ�rica de cultos n�o ocorre sequer em estados de defesa ou estado de s�tio. Como poderia ocorrer por atos administrativos locais? Certo, as quest�es sanit�rias s�o importantes e devem ser observadas, mas, para tanto, n�o se pode fazer t�bula rasa da Constitui��o".
"Ao tratar o servi�o religioso como n�o-essencial, Estados e munic�pios podem, por via indireta, eliminar os cultos religiosos, suprimindo aspecto absolutamente essencial da religi�o, que � a realiza��o de reuni�es entre os fi�is para a celebra��o de seus ritos e cren�as", escreveu.
O ministro concedeu a liminar em uma a��o da Associa��o Nacional dos Juristas Evang�licos (Anajure), que contestou decretos estaduais e municipais que limitaram cultos e celebra��es religiosas para tentar conter o coronav�rus.
Relator do caso, Nunes Marques citou o transporte coletivo, mercados e farm�cias como exemplos de servi�os essenciais que continuam funcionando durante a pandemia. "Tais atividades podem efetivamente gerar reuni�es de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas", escreveu.
"Da� concluo ser poss�vel a reabertura de templos e igrejas, conquanto ocorra de forma prudente e cautelosa, isto �, com respeito a par�metros m�nimos que observem o distanciamento social e que n�o estimulem aglomera��es desnecess�rias", escreveu o ministro.
Na decis�o, Kassio Nunes Marques apontou que medidas sanit�rias devem ser respeitadas durante as atividades religiosas. Entre elas est�o: exigir uso de m�scaras; afastamento m�nimo de um metro e meio entre as pessoas; o ambiente deve ser arejado com portas e janelas abertas; limitar a lota��o a 25% da capacidade; disponibilizar �lcool em gel e medir a temperatura na entrada nos templos.
Em sua conclus�o, o ministro defende que a atividade religiosa � essencial.
"Reconhe�o que o momento � de cautela, ante o contexto pand�mico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos t�o dif�ceis, mais se faz necess�rio reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, respons�vel, entre outras fun��es, por conferir acolhimento e conforto espiritual."
Kassio Nunes Marques foi indicado ao STF no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele assumiu a vaga do ent�o decano da Corte, Celso de Mello.
Nesta semana de P�scoa, tanto a PGR (Procuradoria-Geral da Uni�o) quanto a AGU (Advocacia-Geral da Uni�o) pediram ao Supremo a suspens�o de decretos municipais e estaduais que limitavam cultos religiosos.
Os dois �rg�os s�o comandados pelo procurador-geral, Augusto Aras, e pelo advogado-geral da Uni�o, Andr� Mendon�a, respectivamente.
Ambos s�o cotados como fortes candidatos � indica��o de Bolsonaro para a vaga do ministro Marco Aur�lio Mello, que vai se aposentar do STF em julho.
Analistas pol�ticos apontaram os pedidos como uma forma da dupla ganhar for�a com o segmento evang�lico, base de sustenta��o de Bolsonaro. Pastores de grandes igrejas evang�licas s�o cr�ticos da suspens�o de cultos como medida de enfrentamento da pandemia.
O presidente j� afirmou que pretende indicar uma pessoa "terrivelmente evang�lica" para o Supremo.
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