
O Brasil deve enfrentar um m�s de abril mais mort�fero do que mar�o na pandemia de COVID-19, ainda em consequ�ncia do relaxamento das medidas preventivas a partir do final de 2020. Mas tanto a popula��o quanto os governos podem, com a��es e medidas preventivas a partir de agora, evitar que novos picos devastadores do coronav�rus nos atinjam novamente durante o inverno.
A an�lise � do m�dico liban�s Ali Mokdad, professor do Instituto de M�tricas de Sa�de e Avalia��o (IHME, na sigla em ingl�s) da Universidade de Washington, institui��o americana que na �ltima semana divulgou proje��es preocupantes para o Brasil.
No cen�rio mais prov�vel, levando-se em conta uso de m�scaras pela popula��o, mobilidade social e ritmo da vacina��o, o instituto americano estima que o Brasil vai contabilizar um total de 562,8 mil mortes at� 30 de junho.
No pior dos cen�rios estimados pelo IHME, esse total pode chegar a 597,8 mil mortes.
- Exclusivo: Brasil deve considerar seriamente fazer lockdown, diz Anthony Fauci
- Coronav�rus: como vencer o t�dio do isolamento sem aglomerar
"Esperamos que os casos (de coronav�rus no Brasil) comecem a cair nesta semana. (Mas) o pior ainda est� por vir, porque as mortes demoram mais -– elas continuar�o a subir e s� cair�o depois de algumas semanas", diz Mokdad em entrevista � BBC News Brasil.
"Al�m disso, o que � muito preocupante no caso do Brasil � que o surto ocorreu durante o ver�o, e, se tratando de um v�rus sazonal, se fizermos uma proje��o de longo prazo, pode ocorrer uma nova alta no inverno de voc�s. � isso que nos preocupa."
'Voc�s (brasileiros) ainda ter�o um abril terr�vel e potencialmente tamb�m um terr�vel inverno, caso haja uma nova variante que torne a vacina menos eficiente'
Ali Mokdad, m�dico e professor da Universidade de Washington
A seguir, veja as principais pondera��es de Mokdad (que iniciou sua carreira trabalhando nos CDCs, centros de controle de doen�as dos EUA) sobre por que este m�s ainda vai ser t�o devastador no Brasil - e como a vacina��o e o uso de m�scaras melhores podem trazer alento nos meses seguintes.
'Um abril terr�vel'
As estimativas do IHME sobre a covid-19, feitas para todas as regi�es do mundo, se baseiam em pesquisas de opini�o sobre ades�o ao uso de m�scaras e confian�a nas vacinas, bem como em dados sobre mobilidade da popula��o e sobre aquisi��o de imunizantes por parte dos governos.
As proje��es para o Brasil chamam a aten��o em compara��o com o resto do mundo e tamb�m com outros pa�ses que enfrentaram altas taxas de cont�gio e mortes – como EUA, Reino Unido, M�xico e �ndia – porque, para aqui, a expectativa � de uma curva de mortes ainda inclinada nos pr�ximos meses.

"Esperamos que a mortalidade caia na terceira semana de abril, at� o come�o do inverno, quando os casos e mortes v�o subir – mas n�o tanto quanto agora, porque haver� mais pessoas vacinadas do que agora", prev� Ali Mokdad.
Mas a situa��o do inverno pode ser agravada caso abra-se brecha para o surgimento de mais novas variantes perigosas – que emergem em �reas onde o v�rus consegue circular livremente.
"Voc�s (brasileiros) ainda ter�o um abril terr�vel e potencialmente tamb�m um terr�vel inverno, caso haja uma nova variante que torne a vacina menos eficiente", prossegue Mokdad.
"Temos de ser muito cuidadosos. Ser� preciso conter as infec��es e as variantes, para ter um inverno mais ameno e um pr�ximo ver�o de celebra��o."
O inverno preocupa os infectologistas porque a esta��o mais seca e fria, com menos ventila��o dos ambientes, traz condi��es ainda mais prop�cias para a circula��o do coronav�rus.
"O v�rus � sazonal. No inverno passado, se pensarmos na Argentina, que tinha medidas r�gidas em vigor e uso de m�scara na casa dos 90%, mesmo assim a infec��o cresceu", explica o m�dico.
'Honestamente, o governo n�o tem levado a pandemia a s�rio'
O fato de o Brasil estar tendo seu pico da pandemia justamente nos meses quentes do ano deixou Mokdad mais alarmado.
Segundo sua avalia��o, ainda estamos pagando o pre�o do relaxamento das medidas de distanciamento social no final do ano passado, que facilitou o avan�o da perigosa variante P.1, originada no Brasil.
A conclus�o vem da an�lise de dados de mobilidade gerados pelo deslocamento de celulares.
"O que aconteceu no pa�s foi um relaxamento nas medidas de distanciamento social: o governo n�o colocou medidas em vigor a tempo, e as pessoas relaxaram, voltaram � vida normal, como se n�o houvesse COVID-19. A nova variante fez com que as infec��es ocorressem mesmo em comunidades onde 60% ou 70% das pessoas j� haviam sido infectadas", diz Mokdad.
"Isso significa que infec��es pr�vias n�o oferecem boa imunidade contra essa nova variante. Pessoas infectadas antes podem se infectar de novo. E isso significa tamb�m que as vacinas n�o ser�o t�o eficientes, o que tamb�m preocupa."
"Agora, as pessoas mudaram seu comportamento, reduziram sua mobilidade e est�o usando mais m�scaras, ent�o os casos est�o baixando. (...) Em dezembro, basicamente, estava todo mundo se movendo em n�veis iguais aos de antes da pandemia", diz o m�dico.

"O uso de m�scaras (segundo pesquisas de opini�o) estava em 58% em dezembro, e agora subiu para 69%. (...) A quest�o de longo prazo para o Brasil �: ser� que os brasileiros conseguir�o manter essa melhora de comportamento para conter o v�rus, ou permitir�o um novo surto, como esperamos que aconte�a no inverno?"
"E o grau desse surto depender� de comportamentos a partir de agora e de a��es do governo. Infelizmente para o Brasil, honestamente, o governo n�o tem levado a pandemia a s�rio."
Como evitar um inverno t�o desastroso quanto o momento atual
O caminho trilhado a partir de agora, diz Mokdad, vai determinar se teremos um inverno com um n�mero gerenci�vel de casos, ou um colapso semelhante ao que vivemos no momento.
"� porque a quantidade dispon�vel de vacinas para o Brasil no momento n�o � suficiente para garantir imunidade de rebanho at� o inverno. Por isso, todos n�s neste campo de trabalho estamos dizendo aos pa�ses ricos: 'se voc�s t�m mais vacinas do que precisam, por favor mandem-nas ao Hemisf�rio Sul, porque � onde os casos v�o aumentar no inverno, enquanto n�s, no Hemisf�rio Norte, entraremos no ver�o'. Ent�o � no Hemisf�rio Sul."
O aumento da oferta de vacinas ajudaria a conter a circula��o do v�rus e a prevenir o surgimento de novas variantes, que, mais potentes, podem prejudicar os esfor�os de vacina��o em todo o planeta.
"� do interesse nacional de pa�ses ricos impedir o avan�o do v�rus no mundo inteiro. Nenhum de n�s estar� seguro at� que todos n�s estejamos seguros. E o �nico jeito de controlar as variantes � controlando as infec��es, e para isso precisamos vacinar em �reas onde a infec��o tende a aumentar – e no momento � no Hemisf�rio Sul, em lugares como Brasil, Argentina, Chile e �frica do Sul."
'O peso econ�mico do v�rus'
Mokdad concorda que manter a mobilidade baixa vem com um custo econ�mico, sofrido principalmente por quem � impedido de trabalhar pessoalmente.
"� um equil�brio dif�cil e delicado entre abrir economicamente e salvar vidas – principalmente (no caso de) popula��es pobres, que precisam trabalhar para poder comer. Nos preocupa muito que essa balan�a penda em dire��o � economia. (Porque) precisaremos planejar para conviver com este v�rus por muito tempo", diz o pesquisador.
"Se voc� disser para algu�m em S�o Paulo 'fique em casa por duas semanas para conter o v�rus', voc� est� oferecendo uma cesta de alimentos para ela comer nesse per�odo? � o principal desafio que os pa�ses est�o enfrentando."
Dito isso, Mokdad opina que os governos "n�o podem se eximir" da obriga��o de promover o fechamento das atividades n�o essenciais neste momento.
"Alguns pa�ses fecharam das 5h da tarde �s 5h da manh� e mantiveram os neg�cios funcionando. As medidas precisam ser mais s�rias (do que isso)", diz.

"E a lideran�a � muito importante. Aqui nos EUA, o presidente (Joe Biden) usa m�scara todas as vezes que aparece. O presidente anterior (Donald Trump) nunca usava m�scaras. E isso faz muita diferen�a para as pessoas que votaram nele, para suas bases. � muito importante que a lideran�a use m�scara – uma m�scara boa ou duas m�scaras, para mostrar que isso faz diferen�a."
Vacina��o e boas m�scaras: as armas dispon�veis
Um dos fatores que jogam a favor do Brasil, no momento, � o n�vel alto de aceita��o das vacinas, diz Mokdad. Em 20 de mar�o, pesquisa do Datafolha apontou que 84% dos brasileiros tinham inten��o de se vacinar.
� mais do que nos EUA, "onde a aceita��o fica em torno de 75%", afirma o m�dico. "O fator que ajuda o Brasil no momento � a vacina��o. O que prejudica � a sazonalidade, a mobilidade (alta) e uso de m�scaras (insuficiente). E essas quest�es v�o influenciar o tamanho do surto nos pr�ximos meses."
"Vacinem o m�ximo que puderem, � uma corrida contra o tempo, antes do inverno. E melhorem o uso de m�scaras. Nem todos t�m acesso �s vacinas no Brasil, mas todos podem ter acesso a m�scaras. Se voc� encorajar o p�blico a usar m�scara, vai reduzir muito a transmiss�o. E se voc� j� est� usando m�scaras, meu conselho �: passe a usar uma m�scara melhor ou use duas m�scaras. (...) Eu por exemplo sempre uso duas m�scaras (ele mostra uma do tipo cir�rgica por baixo de uma de pano). Porque, dependendo do formato do rosto, sobram espa�os nas laterais das m�scaras. Uma segunda m�scara fecha essa brecha. Em um pa�s como o Brasil, no momento em que est� chegando o inverno, certamente voc�s se sair�o muito melhor se usarem m�scaras melhores."
A proje��o do IHME aponta que, em um cen�rio em que todos usassem m�scaras no Brasil, seria poss�vel evitar 55 mil mortes at� julho.

Como ficam as escolas?
O funcionamento seguro de escolas, na opini�o de Mokdad, ter� de ser avaliado em �mbito local – e depende tanto das medidas de seguran�a adotadas pela pr�pria escola quanto dos cuidados tomados por todos da comunidade.
"Sim, as crian�as t�m menos risco de morrer de COVID-19, mas elas podem pegar COVID-19. E sim, as escolas que seguem protocolos podem ser abertas com seguran�a, mas a quest�o � por quanto tempo", opina ele.
"No Brasil, a quest�o n�o deveria ser 'devemos abrir ou n�o a escola?', sabendo que muitos jovens est�o fora da escola h� tanto tempo. A quest�o deve ser: por quanto tempo conseguiremos mant�-las abertas, se as abrirmos agora?"
"E isso vai depender da circula��o do v�rus na comunidade. Se voc� proteger as crian�as e as escolas e fizer tudo direitinho, reduzindo as chances de o v�rus ser pego na escola, mas a crian�a voltar � comunidade, pegar o v�rus l� e mandar ela de volta para a escola, a escola pode passar a ser um foco de espalhamento do v�rus."
Brasil e outros pa�ses em situa��o preocupante
Al�m do Brasil, a situa��o da pandemia causa preocupa��o em outras partes do Hemisf�rio Sul, como pa�ses sul-americanos e �frica do Sul, pela imin�ncia do inverno, e pa�ses asi�ticos, que tamb�m t�m observado o surgimento de novas variantes do coronav�rus.
"A �ndia tem uma nova variante circulando ali e no Paquist�o e Bangladesh, o que fez aumentar muito a nossa proje��o de mortes, apesar de o clima l� estar ficando mais quente (por estarem no Hemisf�rio Norte)", diz Mokdad.
"Ent�o estamos preocupados com muitos pa�ses, porque o v�rus est� em alta circula��o. Por conta disso haver� novas variantes (mais resistentes), o que significa que infec��es pr�vias n�o dar�o imunidade e as vacinas ficar�o menos eficientes."
'Com bom comportamento, boas coisas vir�o'
Apesar das proje��es preocupantes, Mokdad se esfor�a para passar uma mensagem positiva.
"Neste momento, levando em conta a disponibilidade de vacinas, esperamos que pouco mais de um ter�o da popula��o brasileira esteja vacinada at� julho. � uma boa not�cia", afirma.
Embora destaque que � preciso levar em conta que as vacinas podem ser menos eficientes diante de novas variantes, ele ressalta que a vacina��o em massa ser� o caminho para a normaliza��o.
"� muito importante que o p�blico saiba que, se fizermos tudo direito - usarmos bem as m�scaras, tomarmos as vacinas - � muito prov�vel que possamos voltar a alguma normalidade, embora n�o 100% ainda, porque n�o temos imunidade de rebanho. Mas no m�nimo podemos ter uma esta��o de infec��es muito menor (no inverno)."
"E pessoas vacinadas podem ver umas as outras, ver seus netos. Com bom comportamento boas coisas vir�o, mas todos temos de faz�-lo e todos temos de ter paci�ncia. N�o podemos nos dar ao luxo de comemorar prematuramente, e temos de aprender a conviver com este v�rus, que vai ficar com a gente por muito tempo, infelizmente. Talvez tenhamos de mudar nossos comportamentos de acordo com a esta��o – no inverno, ser ainda mais vigilantes com o uso de m�scaras e evitar aglomera��es, e no ver�o talvez possamos relaxar mais, at� todos estarmos vacinados ou at� existir um bom medicamento contra COVID-19, algo que at� o momento n�o existe."
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!