
Em 2021, s�o consideradas pobres as pessoas que vivem com uma renda mensal per capita (por pessoa) inferior a R$ 469 por m�s, ou US$ 5,50 por dia, conforme crit�rio adotado pelo Banco Mundial. J� os extremamente pobres s�o aqueles que vivem com menos de R$ 162 mensais, ou US$ 1,90 por dia.
Em 2019, os brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza somavam 51,9 milh�es. Isto significa que, em 2021, o Brasil ter� 9,1 milh�es de pobres a mais do que antes da chegada do coronav�rus ao pa�s.
No ano anterior � pandemia, os extremamente pobres eram 13,9 milh�es. Assim, em apenas dois anos, 5,4 milh�es de brasileiros se somar�o a esse grupo que convive com a car�ncia extrema.
Para as pesquisadoras Luiza Nassif-Pires, Lu�sa Cardoso e Ana Lu�za Matos de Oliveira, autoras do estudo, o aumento da mis�ria esperado para esse ano revela que o aux�lio emergencial com valor m�dio de R$ 250 � insuficiente para recompor a perda de renda da popula��o mais pobre em meio � pior fase da crise de sa�de p�blica provocada pela covid-19.
"J� havia um crescimento da pobreza antes da pandemia, isso s� n�o se agravou no ano passado devido ao aux�lio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200", observa Oliveira.
"O novo modelo do aux�lio, que sofreu um corte significativo, est� deixando grande parte da popula��o desamparada", acrescenta a economista, lembrando ainda que a queda de 4,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 s� n�o foi maior devido ao benef�cio, que permitiu a parcela significativa da popula��o manter um n�vel m�nimo de consumo.
As economistas destacam ainda que as mulheres e a popula��o negra s�o as mais afetadas por essa grave piora das condi��es de vida no pa�s.

Pobreza vem crescendo desde 2015
At� 2014, a pobreza diminuiu durante anos no Brasil, gra�as ao avan�o de pol�ticas sociais como o Bolsa Fam�lia, os ganhos reais do sal�rio m�nimo e a amplia��o do acesso � educa��o.
Em 2015, sob efeito da crise econ�mica, a tend�ncia se inverteu e a mis�ria voltou a crescer ano ap�s ano. A trajet�ria de alta, no entanto, foi interrompida em 2020, gra�as ao efeito do aux�lio emergencial.
O benef�cio foi criado em abril do ano passado, com valor de R$ 600, que podia chegar a R$ 1.200 para m�es solteiras chefes de fam�lia. Foram pagas cinco parcelas nesses valores cheios e outras quatro com os valores reduzido � metade, num total de R$ 295 bilh�es.
Em julho de 2020, m�s em que o efeito do benef�cio atingiu o seu auge, a taxa de extrema pobreza do pa�s foi reduzida a 2,4% e a de pobreza a 20,3%, estimam as pesquisadoras, com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios) Cont�nua e da Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).
Foram os patamares mais baixos j� registrados para esses indicadores em pelo menos 40 anos, conforme uma s�rie mais longa produzida pelo pesquisador Daniel Duque, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Get�lio Vargas).
A t�tulo de compara��o, essas mesmas taxas eram de 6,6% e 24,8% em 2019, antes da pandemia. Agora em 2021, a expectativa � de que a extrema pobreza atinja 9,1% da popula��o e a pobreza chegue a 28,9%.

Neste ano, a popula��o de baixa renda ficou sem aux�lio nenhum de janeiro a mar�o. Em abril, o pagamento come�ou a ser feito primeiramente apenas atrav�s do aplicativo da Caixa, o que dificultou o uso do recurso por parte das fam�lias, que t�m dificuldade de acesso � internet.
O valor do benef�cio foi reduzido a uma m�dia R$ 250, variando entre R$ 150 para pessoas que moram sozinhas, R$ 250 para domic�lios com mais de uma pessoa e R$ 375 para m�es solo.
O universo de benefici�rios foi diminu�do de 68,2 milh�es de pessoas em 2020, para 45,6 milh�es de fam�lias em 2021.
O saque foi restrito a uma pessoa por fam�lia e limitado a indiv�duos que j� receberam o aux�lio em 2020 - o que significa que quem perder a renda esse ano, n�o poder� contar com a ajuda.
O montante autorizado pelo Congresso para o aux�lio emergencial em 2021 � de R$ 44 bilh�es, comparado aos R$ 295 bilh�es do ano passado. Est� previsto o pagamento de quatro parcelas este ano, ante nove parcelas pagas em 2020.
"Estamos no pior momento da pandemia em termos sanit�rios, com diversas cidades voltando a restringir atividades e, justamente agora, foi reduzido o est�mulo fiscal", observa Oliveira, que � professora visitante da Flacso Brasil (Faculdade Latino-%u200BAmericana de Ci�ncias Sociais) e coordenadora-geral da secretaria executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Servi�o P�blico.
"Isso deve ter um impacto n�o s� para a popula��o vulner�vel, mas tamb�m um efeito macroecon�mico muito grande. Ent�o � um problema para os mais pobres e para o Brasil como um todo."
Mulheres negras s�o as mais prejudicadas
Embora a redu��o do est�mulo fiscal afete o Brasil como um todo, s�o as mulheres negras as mais prejudicadas pela redu��o do aux�lio emergencial em 2021, aponta o estudo lan�ado nesta quinta-feira pelo Made-USP.
Antes da pandemia, a pobreza atingia 33% das mulheres negras, 32% dos homens negros e 15% das mulheres brancas e dos homens brancos. Com o aux�lio reduzido de 2021, esses mesmos indicadores devem subir a 38%, 36% e 19%.
J� a taxa de extrema pobreza, antes da crise, era de 9,2% entre mulheres negras, 8,9% entre homens negros, 3,5% entre mulheres brancas e 3,4% entre homens brancos.
Com o benef�cio emergencial nos valores de 2021, a mis�ria deve chegar a percentuais muito acima dos verificados antes da crise: respectivamente, 12,3%, 11,6%, 5,6% e 5,5%.

"De modo geral, as mulheres est�o mais sujeitas � pobreza", observa Nassif-Pires, professora no Levy Economics Institute do Bard College (EUA).
"Elas s�o mais propensas a terem emprego informal, est�o segregadas em ocupa��es que pagam menos e existe um hiato salarial entre homens e mulheres mesmo dentro de uma mesma ocupa��o. Al�m disso, elas mais frequentemente t�m dependentes do que os homens", diz a economista.
"Ent�o, h� toda uma quest�o que vem de antes da pandemia, mas tudo isso se agrava com a crise, porque, devido � informalidade maior, � mais f�cil para elas perderem o emprego", destaca, acrescentando que a pandemia tamb�m exigiu maior produ��o dentro de casa, em atividades de cuidado dos filhos e de idosos, que s�o no geral realizadas pelas mulheres.
"Em casais heterossexuais, frequentemente � a mulher que abre m�o do emprego", lembra a professora do Bard College. Al�m disso, com as escolas e creches fechadas, muitas mulheres tiveram que deixar seus trabalhos fora de casa por n�o terem com quem deixar as crian�as.
"Em resumo, como a posi��o das mulheres no mercado de trabalho j� � mais vulner�vel, quando tem uma crise, elas s�o mais atingidas", sintetiza Nassif-Pires.
Com rela��o � popula��o negra, a pesquisadora � enf�tica quanto � origem das maiores taxas de pobreza desta parcela dos brasileiros: a heran�a da escravid�o.
"Essa � a resposta r�pida, mas, para al�m disso, h� todo um racismo estrutural que resulta que, mesmo para um grupo de pessoas com a mesma escolaridade, h� diferen�as no n�vel salarial, nos tipos de ocupa��o e na taxa de informalidade entre negros e brancos."
"Ent�o existe um racismo muito forte dentro do mercado de trabalho que coloca a popula��o negra numa posi��o um tanto mais prec�ria em termos de trabalho formal", observa.
'Estados deveriam complementar aux�lio'
Para Oliveira, a pesquisa deixa evidente que s�o as mulheres negras as que mais est�o sofrendo com a crise atual.
"Fica claro que precisamos de pol�ticas espec�ficas voltadas para esse grupo", diz a pesquisadora. "Precisamos tamb�m entender como a pol�tica fiscal e a pol�tica econ�mica como um todo impactam especificamente essa parcela da popula��o."
A professora da Flacso-Brasil destaca, por exemplo, que cortes de recursos destinados � sa�de, educa��o e assist�ncia social afetam diretamente essa popula��o mais vulner�vel.
Al�m disso, a pandemia traz o risco de que avan�os conquistados nas �ltimas d�cadas na redu��o da desigualdade racial e de g�nero se percam, caso o Estado n�o d� uma resposta, na forma de medidas de apoio a essa popula��o.
"Recomendamos a continua��o do aux�lio enquanto a pandemia durar e o pagamento de aux�lios adicionais por Estados e munic�pios, para complementar esse valor t�o baixo do aux�lio federal de 2021", diz Cardoso, pesquisadora de p�s-doutorado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"Al�m disso, indicamos tamb�m a elabora��o de pol�ticas voltadas aos jovens e crian�as que est�o em casa, como pol�ticas de acesso � internet para os alunos de escolas p�blicas, porque a pobreza tem um car�ter geracional", afirma a economista e dem�grafa.
"Ent�o esse impacto de agora que as fam�lias est�o sofrendo n�o vai durar apenas um ano ou dois. � muito prov�vel que isso se estenda e tenha reflexos no futuro tamb�m."
Para Cardoso, a demora do governo para retomar o aux�lio em 2021 e os baixos valores estabelecidos mostram o descaso do governo com a popula��o e com o combate �s desigualdades. "Essas coisas deveriam ser prioridades", avalia.
Quanto � viabilidade de se estender o aux�lio enquanto durar a pandemia, Nassif-Pires avalia que a restri��o financeira imposta pelo teto de gastos � uma limita��o pol�tica.
"O espa�o fiscal poderia existir, mas existe um embate pol�tico por esse espa�o", afirma.
"Pensando de forma estrat�gica, o custo do aux�lio emergencial n�o � somente o seu valor de face, porque h� um retorno disso. Ele faz com que a economia continue funcionando, ent�o seu custo l�quido � muito menor do que aquele que vai aparecer no Or�amento."
Al�m disso, a professora destaca que o aux�lio emergencial tem papel fundamental no controle da pandemia.
"As pessoas que est�o na extrema pobreza e na pobreza n�o t�m a possiblidade de escolher cuidar de sua sa�de. Elas est�o numa situa��o de vida ou morte di�ria e n�o podem deixar de trabalhar, mesmo que estejam doentes ou trabalhando em situa��es prec�rias e expostas � pandemia", diz a economista.
"Manter a economia funcionando apesar da emerg�ncia de sa�de, �s custas de as pessoas precisarem se expor para sobreviver, tem impacto sobre a pr�pria continuidade da pandemia. O problema econ�mico � resultado do problema sanit�rio."
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