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Estado de Minas

'A boiada passou e corre o risco de passar de novo': as preocupa��es de ambientalistas um ano ap�s reuni�o ministerial de Bolsonaro

Um ano depois de reuni�o em que falou sobre 'ir passando a boiada', Salles est� novamente sob holofotes durante C�pula do Clima


22/04/2021 22:17 - atualizado 22/04/2021 23:01

Um ano depois de reunião em que falou sobre 'ir passando a boiada', Ricardo Salles (esq) está novamente sob holofotes durante Cúpula do Clima(foto: Getty Images)
Um ano depois de reuni�o em que falou sobre 'ir passando a boiada', Ricardo Salles (esq) est� novamente sob holofotes durante C�pula do Clima (foto: Getty Images)
A fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que era preciso "aproveitar" a pandemia para "ir passando a boiada" de desregulamenta��es marcou a reuni�o interministerial que criou uma crise para o governo de Jair Bolsonaro um ano atr�s.

 

Divulgada em meio a acusa��es do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente interferia da Pol�cia Federal em benef�cio pr�prio, o v�deo da reuni�o revelou bastidores e principais projetos e preocupa��es do governo Bolsonaro naquele momento.

 

Exatamente um ano depois da reuni�o, Salles est� novamente sob escrut�nio nesta quinta (22) e sexta (23) durante a C�pula do Clima, encontro virtual de l�deres mundiais para discutir as mudan�as clim�ticas.

 

Durante a c�pula, chamam a aten��o internacional os problemas ambientais enfrentados pelo pa�s — de queimadas na Amaz�nia � trag�dia ambiental no Pantanal, do avan�o do garimpo ilegal ao recorde de desmatamento.

 

Segundo pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, esses problemas s�o a consequ�ncia das pol�ticas governamentais que Salles citava na reuni�o. Neste um ano desde ent�o, dizem, o governo n�o apenas teve sucesso em fazer com que diversas �reas do governo criassem normas e portarias que diminu�ram o controle ambiental como conseguiu colocar aliados em �rg�os ambientais na C�mara dos Deputados — o que pode levar a mudan�as legislativas, mais dif�ceis de reverter do que despachos e decis�es ministeriais.

 

"A boiada passou e corre o risco de passar de novo", afirma Marcio Astrini, secret�rio-executivo do Observat�rio do Clima (entidade que re�ne 43 organiza��es ambientalistas).

 

"Existe um sistema de governan�a ambiental: institui��es, procedimentos administrativos, ag�ncias de fiscaliza��o e controle, etc. A boiada passou a� — v�rios dos regramentos que sustentam o aparato de prote��o foram modificados", explica � BBC News Brasil. "Houve um desmonte total de todos os mecanismos de prote��o ambiental."

 

Procurado pela reportagem, o Minist�rio do Meio Ambiente n�o respondeu.


Além de fala de Salles sobre 'boiada', reunião foi marcada por afirmação do então ministro da Abraham Weintraub, que disse que, por ele, 'botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF'(foto: MARCOS CORRÊA /PR)
Al�m de fala de Salles sobre 'boiada', reuni�o foi marcada por afirma��o do ent�o ministro da Abraham Weintraub, que disse que, por ele, 'botava esses vagabundos todos na cadeia. Come�ando no STF' (foto: MARCOS CORR�A /PR)

 

Depois da reuni�o no ano passado, Salles havia se justificado nas redes sociais. "Sempre defendi desburocratizar e simplificar normas, em todas as �reas, com bom senso e tudo dentro da lei. O emaranhado de regras irracionais atrapalha investimentos, a gera��o de empregos e, portanto, o desenvolvimento sustent�vel no Brasil", disse.

 

Pesquisadores apontam mudan�as promovidas pelo governo desde a reuni�o ministerial — e as novas altera��es que podem vir com o governo tendo mais base no Congresso em 2021 do que em 2020.

 

Foram duas frentes principais de atua��o, afirma Astrini. De um lado, o governo aprofundou um esfor�o para eliminar regulamenta��es na �rea ambiental. De outro, diz, "houve um desmonte total dos mecanismos de governan�a, da capacidade do Estado de fiscalizar e punir crimes ambientais".

De madeira ao petr�leo, menos regulamenta��o

Em um ano, o governo modificou centenas de normas e portarias em diversas inst�ncias — do Minist�rio do Meio Ambiente a decretos da Presid�ncia — para eliminar regulamenta��o na �rea, aponta Astrini.

 

Um monitoramento da Folha de S.Paulo com o Monitor de Pol�tica Ambiental detectou pelo menos 606 normas com impacto ambiental entre abril e dezembro de 2020.

 

O pr�prio Salles destacou na reuni�o a inten��o de que as mudan�as fossem feitas atrav�s de normas infralegais, ou seja, portarias, decretos e outras a��es administrativas que n�o precisam passar pela aprova��o do Congresso.

 

"Tem uma lista enorme, em todos os minist�rios que t�m papel regulat�rio aqui, para simplificar. N�o precisamos de Congresso. Porque coisa que precisa de Congresso tamb�m, nesse fuzu� que est� a�, n�s n�o vamos conseguir aprovar", disse Ricardo Salles h� um ano.

 

As mudan�as afetaram diversas �reas. Em junho de 2020, por exemplo, uma decis�o tomada pelo presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis) nomeado pelo governo, Eduardo Bim, flexibilizou normas para a exporta��o de madeira ap�s pedido de madeireiras.

 

Em novembro do mesmo ano, documentos reunidos pelo Greenpeace Brasil, pelo Instituto Socioambiental e pela Associa��o Brasileira dos Membros do Minist�rio P�blico de Meio Ambiente mostraram que o governo facilitou a exporta��o de madeira extra�da ilegalmente.


Ministro Salles destacou na reunião intenção de que as mudanças fossem feitas através de normas que não precisam passar pela aprovação do Congresso(foto: Getty Images)
Ministro Salles destacou na reuni�o inten��o de que as mudan�as fossem feitas atrav�s de normas que n�o precisam passar pela aprova��o do Congresso (foto: Getty Images)

 

Durante uma reuni�o do Brics (grupos que re�ne Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul), o presidente Jair Bolsonaro disse que iria divulgar uma lista dos pa�ses que compram madeira ilegalmente do Brasil — colocando sob escrut�nio a possibilidade de o governo estar ciente do fato e n�o ter tomado provid�ncias. A lista n�o chegou a ser divulgada.

 

Em mar�o de 2021, uma proposta da ANP (Ag�ncia Nacional do Petr�leo) autorizava a explora��o de petr�leo em �reas pr�ximas a Fernando de Noronha, santu�rio natural de rica biodiversidade.

 

A decis�o foi criticada por nota t�cnica de um �rg�o ambiental do pr�prio governo, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade). � �poca, a ANP disse que levou a nota t�cnica em considera��o mas que n�o havia "necessidade de exclus�o pr�via de �reas para oferta".

 

O ICMBio, inclusive, teve a exist�ncia amea�ada: um grupo de trabalho do minist�rio, discutia a extin��o do �rg�o, como mostraram atas de reuni�o de outubro e novembro de 2020. A situa��o come�ou a ser investigada no ano passado pelo Minist�rio P�blico Federal do Amazonas.

Cortes de or�amento e perda de pessoal


Embarcação transporta madeira ao longo do rio Murutipucu, no município de Igarapé-Miri, no nordeste do Pará, Brasil, em 18 de setembro de 2020.(foto: Getty Images)
Embarca��o transporta madeira ao longo do rio Murutipucu, no munic�pio de Igarap�-Miri, no nordeste do Par�, Brasil, em 18 de setembro de 2020. (foto: Getty Images)

 

�rg�os como o ICMBio, o pr�prio Ibama e outras entidades de manejo, fiscaliza��o e controle foram os principais alvos de mudan�as pelo governo — de cortes de or�amento a diminui��o da autonomia e perda de pessoal.

 

Levantamento da BBC News Brasil de fevereiro deste ano mostrou que, desde que Bolsonaro assumiu a Presid�ncia, em 2019, a �rea ambiental do governo perdeu quase 10% dos servidores. A redu��o aconteceu tanto no MMA quanto nos principais �rg�os de fiscaliza��o, o Ibama e o ICMBio.

 

Sob o governo Bolsonaro, em 2019, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) teve diminu�das a participa��o dos Estados e da Sociedade Civil e teve um aumento do peso do governo. Depois da reuni�o ministerial divulgada, em setembro de 2020, o �rg�o aprovou uma s�rie de medidas reduzindo a prote��o ambiental. Houve a revoga��o da resolu��o que protegia mangueais e restingas, dispensa de licenciamento para iniciativas de irriga��o, permiss�o de queima de lixo t�xico, entre outras medidas.

 

Outros comit�s, como o Comit� Gestor do Fundo Clima, j� tinham passado a ter mais controle do governo. E alguns tinham sido extintos, como o Cofa (Comit� Orientador do Fundo Amaz�nia) e o CTFA (Comit� T�cnico do Fundo Amaz�nia)

Natalie Unterdstell, mestre em administra��o p�blica por Harvard e diretora do Instituto Talanoa, pol�ticas p�blicas sobre o clima, afirma que a "governan�a ambiental foi sendo corro�da por dentro" e que o enfraquecimento intencional da fiscaliza��o facilitou a pr�tica de crimes ambientais. "Estamos vivendo uma impunidade total", diz ela.

 

"� a mesma coisa que no tr�nsito. Se os radares de controle de velocidade est�o desligados e as pessoas sabem disso, elas n�o respeitam os limites de velocidade. Mas se est�o ligados, a tend�ncia � as pessoas respeitarem. No meio ambiente, se os criminosos sentem o risco de serem punidos, diminui a pr�tica de crimes ambientais."

 

No Ibama, o sistema de multas ambientais j� estava parado desde 2019, e ao longo de 2020 as opera��es de fiscaliza��o e controle foram diminuindo cada vez, lembra M�rcio Astrini.

 

Em agosto de 2020, o Minist�rio do Meio Ambiente determinou a paralisa��o de todas as opera��es de combate ao desmatamento ilegal e queimadas no Pantanal e na Amaz�nia Legal.

 

A justificativa dada pelo minist�rio foi que a medida era resultado de corte de verbas determinado pela Secretaria de Or�amento Federal (tamb�m parte do governo). Segundo nota da pasta divulgada na �poca, o corte foi de 20,9 milh�es no Ibama e 39,8 milh�es no ICMBio.

 

Uma an�lise do Observat�rio do Clima mostra que, em 2021, o Projeto de Lei Or�ament�ria Anual enviado por Bolsonaro ao Congresso autorizou 27,4% a menos de verbas para fiscaliza��o ambiental e combate a inc�ndios florestais que em 2020. A queda � de 34,5% em compara��o a 2019.

 

"O corte no or�amento � uma estrat�gia de sufocamento do Ibama e desmonte do ICMBio", avalia Astrini.

Rea��o social


A reunião ministerial foi registrada em fotos e vídeos pela Presidência da República(foto: Marcos correa - PR)
A reuni�o ministerial foi registrada em fotos e v�deos pela Presid�ncia da Rep�blica (foto: Marcos correa - PR)

 

Todas essas mudan�as, no entanto, n�o vieram sem rea��es, afirma Unterdstell, do Instituto Talanoa. Parte das iniciativas do governo foi barrada pela Justi�a ou est� sob investiga��o por parte do Minist�rio P�blico.

 

A diminui��o da prote��o de manguezais e restingas pelo Conama, por exemplo, foi impedida por decis�o do Supremo Tribunal Federal.

 

"Eles tentaram passar a boiada diversas vezes, mas a gente ainda tem contrapesos democr�tico no Judici�rio, no Legislativo e na sociedade que de certa forma seguram um pouco disso", afirma.

 

Ela cita outro exemplo: a tentativa de Salles de mudar a interpreta��o da aplica��o da Lei da Mata Atl�ntica, pouco antes da reuni�o ministerial de 2020.

 

"A mudan�a iria diminuir a prote��o. A Mata Atl�ntica � o alvo predileto de Salles, mais ainda do que a Amaz�nia", afirma Unterdstell.

 

Nesse caso, no entanto, a a��o conjunta do Minist�rio P�blico nos 17 Estados em que h� Mata Atl�ntica travou a manobra, levando uma a��o � Justi�a — onde o caso ainda est� tramitando.

 

"Esse era um precedente muito perigoso, mas, mesmo que ainda n�o tenhamos decis�o, de certa forma foi remediado porque a a��o conseguiu evitar os efeitos que essa reinterpreta��o teria", diz a especialista.

 

Unterdstell afirma que o epis�dio do Conama faz parte de uma estrat�gia elaborada do governo. "Tentam usar os �rg�os ambientais para implementar sua agenda. Se n�o d� certo, recuam e deixam (o �rg�o) abandonado", diz ela.

 

Neste m�s, ent�o chefe da Pol�cia Federal no Amazonas, o delegado Alexandre Saraiva, enviou uma queixa-crime ao STF acusando o ministro Ricardo Salles de atrapalhar a fiscaliza��o ambiental durante uma grande opera��o de apreens�o de madeira ilegal.

 

Ap�s uma visita de Salles ao local da apreens�o, Saraiva disse que foi a primeira vez que viu um ministro do Meio Ambiente se posicionar contra a preserva��o da Amaz�nia.

 

Ao jornal Folha de S.Paulo, o delegado disse que "Na Pol�cia Federal n�o vai passar boiada".

 

Pouco tempo depois, no entanto, Saraiva foi tirado do comando da Pol�cia Federal no Estado pelo novo diretor geral da PF, Paulo Gustavo Maiurino, nomeado recentemente por Bolsonaro.

'Mudan�as irrevers�veis' e 'amea�as futuras'


Desmatamento na Amazônia atingiu em 2020 o maior índice dos últimos 12 anos(foto: Getty Images)
Desmatamento na Amaz�nia atingiu em 2020 o maior �ndice dos �ltimos 12 anos (foto: Getty Images)

M�rcio Astrini, do Observat�rio do Clima, afirma que, embora as normas e regulamentos possam ser revogados por governos futuros, algumas mudan�as que eles causam s�o dif�ceis de ser revertidas.

 

"O desmatamento que acontece como consequ�ncia da falta de fiscaliza��o � irrevers�vel", afirma. "Se voc� acaba com uma unidade de conserva��o, daqui a cinco anos n�o tem mais floresta."

 

Desde a reuni�o, no ano passado, os alertas do Inpe (�rg�o de monitoramento do governo) mostraram 7.961 km² de desmatamento no pa�s. Essa �rea � equivalente ao tamanho de um pa�s pequeno — maior do que a Palestina, por exemplo.

 

A estimativa do climatologista brasileiro Carlos Nobre � que, se Amaz�nia atingir 25% de desmatamento, o bioma vai atingir um ponto de n�o-retorno em que ser� imposs�vel para a floresta se regenerar.

 

O est�gio atual � de cerca de 20% de desmatamento.

 

"Outro governo pode mudar as portarias e normas, mas se voc� anistia criminosos ambientais, se regulariza a situa��o dos invasores de terra, isso n�o tem volta. Os garimpeiros e madeireiros criminosos est�o cada vez mais ricos e poderosos, e fica cada vez mais dif�cil de combat�-los", afirma Astrini.

 

"Pode acontecer o mesmo que se passou com as mil�cias no Rio de Janeiro — quando criminosos se tornam t�o poderosos na aus�ncia do Estado que acabam sendo para algumas popula��es a �nica fonte de renda. Depois voc� n�o consegue mais retirar o crime daquele lugar."

 

Astrini afirma que a principal preocupa��o no momento � a possibilidade de que o governo consiga convencer o Congresso a transformar sua agenda ambiental em leis. Isso tornaria as mudan�as bem mais permanentes, j� que at� o momento o Legislativo ainda era um foco de resist�ncia � implementa��o total da agenda ambiental do governo. "� a possibilidade da boiada passar de novo", diz ele.

 

Neste ano, ap�s conseguir articular uma base mais forte na C�mara, o governo colocou bolsonaristas para chefiar comiss�es que tratam de temas ambientais.

"Sem d�vida se houver mudan�as legislativas � muito mais grave, porque o governo pode conseguir tornar legal o que hoje � ilegal", diz Unterdstell.

 

Ela aponta a quest�o da regulariza��o fundi�ria como uma das principais agendas do governo no Legislativo. "Na pr�tica, o projeto possibilitaria a legaliza��o da grilagem", diz.

 

Outros projetos de lei tamb�m est�o na lista de discuss�o da Comiss�o de Meio Ambiente: um que libera a ca�a, um que permite a pecu�ria em reservas legais, um que acaba com a lista oficial de esp�cies de peixes amea�ados, e dois que reduzem parques nacionais em Santa Catarina.

 

"A perspectiva de elei��es em 2022 pode impedir que o pior aconte�a (no legislativo). Neste momento � ainda mais importante a vigil�ncia e press�o da sociedade", afirma Unterdstell.


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