
Divulgada em meio a acusa��es do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente interferia da Pol�cia Federal em benef�cio pr�prio, o v�deo da reuni�o revelou bastidores e principais projetos e preocupa��es do governo Bolsonaro naquele momento.
Exatamente um ano depois da reuni�o, Salles est� novamente sob escrut�nio nesta quinta (22) e sexta (23) durante a C�pula do Clima, encontro virtual de l�deres mundiais para discutir as mudan�as clim�ticas.
Durante a c�pula, chamam a aten��o internacional os problemas ambientais enfrentados pelo pa�s — de queimadas na Amaz�nia � trag�dia ambiental no Pantanal, do avan�o do garimpo ilegal ao recorde de desmatamento.
Segundo pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, esses problemas s�o a consequ�ncia das pol�ticas governamentais que Salles citava na reuni�o. Neste um ano desde ent�o, dizem, o governo n�o apenas teve sucesso em fazer com que diversas �reas do governo criassem normas e portarias que diminu�ram o controle ambiental como conseguiu colocar aliados em �rg�os ambientais na C�mara dos Deputados — o que pode levar a mudan�as legislativas, mais dif�ceis de reverter do que despachos e decis�es ministeriais.
"A boiada passou e corre o risco de passar de novo", afirma Marcio Astrini, secret�rio-executivo do Observat�rio do Clima (entidade que re�ne 43 organiza��es ambientalistas).
"Existe um sistema de governan�a ambiental: institui��es, procedimentos administrativos, ag�ncias de fiscaliza��o e controle, etc. A boiada passou a� — v�rios dos regramentos que sustentam o aparato de prote��o foram modificados", explica � BBC News Brasil. "Houve um desmonte total de todos os mecanismos de prote��o ambiental."
Procurado pela reportagem, o Minist�rio do Meio Ambiente n�o respondeu.

Depois da reuni�o no ano passado, Salles havia se justificado nas redes sociais. "Sempre defendi desburocratizar e simplificar normas, em todas as �reas, com bom senso e tudo dentro da lei. O emaranhado de regras irracionais atrapalha investimentos, a gera��o de empregos e, portanto, o desenvolvimento sustent�vel no Brasil", disse.
Pesquisadores apontam mudan�as promovidas pelo governo desde a reuni�o ministerial — e as novas altera��es que podem vir com o governo tendo mais base no Congresso em 2021 do que em 2020.
Foram duas frentes principais de atua��o, afirma Astrini. De um lado, o governo aprofundou um esfor�o para eliminar regulamenta��es na �rea ambiental. De outro, diz, "houve um desmonte total dos mecanismos de governan�a, da capacidade do Estado de fiscalizar e punir crimes ambientais".
De madeira ao petr�leo, menos regulamenta��o
Em um ano, o governo modificou centenas de normas e portarias em diversas inst�ncias — do Minist�rio do Meio Ambiente a decretos da Presid�ncia — para eliminar regulamenta��o na �rea, aponta Astrini.
Um monitoramento da Folha de S.Paulo com o Monitor de Pol�tica Ambiental detectou pelo menos 606 normas com impacto ambiental entre abril e dezembro de 2020.
O pr�prio Salles destacou na reuni�o a inten��o de que as mudan�as fossem feitas atrav�s de normas infralegais, ou seja, portarias, decretos e outras a��es administrativas que n�o precisam passar pela aprova��o do Congresso.
"Tem uma lista enorme, em todos os minist�rios que t�m papel regulat�rio aqui, para simplificar. N�o precisamos de Congresso. Porque coisa que precisa de Congresso tamb�m, nesse fuzu� que est� a�, n�s n�o vamos conseguir aprovar", disse Ricardo Salles h� um ano.
As mudan�as afetaram diversas �reas. Em junho de 2020, por exemplo, uma decis�o tomada pelo presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis) nomeado pelo governo, Eduardo Bim, flexibilizou normas para a exporta��o de madeira ap�s pedido de madeireiras.
Em novembro do mesmo ano, documentos reunidos pelo Greenpeace Brasil, pelo Instituto Socioambiental e pela Associa��o Brasileira dos Membros do Minist�rio P�blico de Meio Ambiente mostraram que o governo facilitou a exporta��o de madeira extra�da ilegalmente.

Durante uma reuni�o do Brics (grupos que re�ne Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul), o presidente Jair Bolsonaro disse que iria divulgar uma lista dos pa�ses que compram madeira ilegalmente do Brasil — colocando sob escrut�nio a possibilidade de o governo estar ciente do fato e n�o ter tomado provid�ncias. A lista n�o chegou a ser divulgada.
Em mar�o de 2021, uma proposta da ANP (Ag�ncia Nacional do Petr�leo) autorizava a explora��o de petr�leo em �reas pr�ximas a Fernando de Noronha, santu�rio natural de rica biodiversidade.
A decis�o foi criticada por nota t�cnica de um �rg�o ambiental do pr�prio governo, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade). � �poca, a ANP disse que levou a nota t�cnica em considera��o mas que n�o havia "necessidade de exclus�o pr�via de �reas para oferta".
O ICMBio, inclusive, teve a exist�ncia amea�ada: um grupo de trabalho do minist�rio, discutia a extin��o do �rg�o, como mostraram atas de reuni�o de outubro e novembro de 2020. A situa��o come�ou a ser investigada no ano passado pelo Minist�rio P�blico Federal do Amazonas.
Cortes de or�amento e perda de pessoal

�rg�os como o ICMBio, o pr�prio Ibama e outras entidades de manejo, fiscaliza��o e controle foram os principais alvos de mudan�as pelo governo — de cortes de or�amento a diminui��o da autonomia e perda de pessoal.
Levantamento da BBC News Brasil de fevereiro deste ano mostrou que, desde que Bolsonaro assumiu a Presid�ncia, em 2019, a �rea ambiental do governo perdeu quase 10% dos servidores. A redu��o aconteceu tanto no MMA quanto nos principais �rg�os de fiscaliza��o, o Ibama e o ICMBio.
Sob o governo Bolsonaro, em 2019, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) teve diminu�das a participa��o dos Estados e da Sociedade Civil e teve um aumento do peso do governo. Depois da reuni�o ministerial divulgada, em setembro de 2020, o �rg�o aprovou uma s�rie de medidas reduzindo a prote��o ambiental. Houve a revoga��o da resolu��o que protegia mangueais e restingas, dispensa de licenciamento para iniciativas de irriga��o, permiss�o de queima de lixo t�xico, entre outras medidas.
Outros comit�s, como o Comit� Gestor do Fundo Clima, j� tinham passado a ter mais controle do governo. E alguns tinham sido extintos, como o Cofa (Comit� Orientador do Fundo Amaz�nia) e o CTFA (Comit� T�cnico do Fundo Amaz�nia)
Natalie Unterdstell, mestre em administra��o p�blica por Harvard e diretora do Instituto Talanoa, pol�ticas p�blicas sobre o clima, afirma que a "governan�a ambiental foi sendo corro�da por dentro" e que o enfraquecimento intencional da fiscaliza��o facilitou a pr�tica de crimes ambientais. "Estamos vivendo uma impunidade total", diz ela.
"� a mesma coisa que no tr�nsito. Se os radares de controle de velocidade est�o desligados e as pessoas sabem disso, elas n�o respeitam os limites de velocidade. Mas se est�o ligados, a tend�ncia � as pessoas respeitarem. No meio ambiente, se os criminosos sentem o risco de serem punidos, diminui a pr�tica de crimes ambientais."
No Ibama, o sistema de multas ambientais j� estava parado desde 2019, e ao longo de 2020 as opera��es de fiscaliza��o e controle foram diminuindo cada vez, lembra M�rcio Astrini.
Em agosto de 2020, o Minist�rio do Meio Ambiente determinou a paralisa��o de todas as opera��es de combate ao desmatamento ilegal e queimadas no Pantanal e na Amaz�nia Legal.
A justificativa dada pelo minist�rio foi que a medida era resultado de corte de verbas determinado pela Secretaria de Or�amento Federal (tamb�m parte do governo). Segundo nota da pasta divulgada na �poca, o corte foi de 20,9 milh�es no Ibama e 39,8 milh�es no ICMBio.
Uma an�lise do Observat�rio do Clima mostra que, em 2021, o Projeto de Lei Or�ament�ria Anual enviado por Bolsonaro ao Congresso autorizou 27,4% a menos de verbas para fiscaliza��o ambiental e combate a inc�ndios florestais que em 2020. A queda � de 34,5% em compara��o a 2019.
"O corte no or�amento � uma estrat�gia de sufocamento do Ibama e desmonte do ICMBio", avalia Astrini.
Rea��o social

Todas essas mudan�as, no entanto, n�o vieram sem rea��es, afirma Unterdstell, do Instituto Talanoa. Parte das iniciativas do governo foi barrada pela Justi�a ou est� sob investiga��o por parte do Minist�rio P�blico.
A diminui��o da prote��o de manguezais e restingas pelo Conama, por exemplo, foi impedida por decis�o do Supremo Tribunal Federal.
"Eles tentaram passar a boiada diversas vezes, mas a gente ainda tem contrapesos democr�tico no Judici�rio, no Legislativo e na sociedade que de certa forma seguram um pouco disso", afirma.
Ela cita outro exemplo: a tentativa de Salles de mudar a interpreta��o da aplica��o da Lei da Mata Atl�ntica, pouco antes da reuni�o ministerial de 2020.
"A mudan�a iria diminuir a prote��o. A Mata Atl�ntica � o alvo predileto de Salles, mais ainda do que a Amaz�nia", afirma Unterdstell.
Nesse caso, no entanto, a a��o conjunta do Minist�rio P�blico nos 17 Estados em que h� Mata Atl�ntica travou a manobra, levando uma a��o � Justi�a — onde o caso ainda est� tramitando.
"Esse era um precedente muito perigoso, mas, mesmo que ainda n�o tenhamos decis�o, de certa forma foi remediado porque a a��o conseguiu evitar os efeitos que essa reinterpreta��o teria", diz a especialista.
Unterdstell afirma que o epis�dio do Conama faz parte de uma estrat�gia elaborada do governo. "Tentam usar os �rg�os ambientais para implementar sua agenda. Se n�o d� certo, recuam e deixam (o �rg�o) abandonado", diz ela.
Neste m�s, ent�o chefe da Pol�cia Federal no Amazonas, o delegado Alexandre Saraiva, enviou uma queixa-crime ao STF acusando o ministro Ricardo Salles de atrapalhar a fiscaliza��o ambiental durante uma grande opera��o de apreens�o de madeira ilegal.
Ap�s uma visita de Salles ao local da apreens�o, Saraiva disse que foi a primeira vez que viu um ministro do Meio Ambiente se posicionar contra a preserva��o da Amaz�nia.
Ao jornal Folha de S.Paulo, o delegado disse que "Na Pol�cia Federal n�o vai passar boiada".
Pouco tempo depois, no entanto, Saraiva foi tirado do comando da Pol�cia Federal no Estado pelo novo diretor geral da PF, Paulo Gustavo Maiurino, nomeado recentemente por Bolsonaro.
'Mudan�as irrevers�veis' e 'amea�as futuras'

M�rcio Astrini, do Observat�rio do Clima, afirma que, embora as normas e regulamentos possam ser revogados por governos futuros, algumas mudan�as que eles causam s�o dif�ceis de ser revertidas.
"O desmatamento que acontece como consequ�ncia da falta de fiscaliza��o � irrevers�vel", afirma. "Se voc� acaba com uma unidade de conserva��o, daqui a cinco anos n�o tem mais floresta."
Desde a reuni�o, no ano passado, os alertas do Inpe (�rg�o de monitoramento do governo) mostraram 7.961 km² de desmatamento no pa�s. Essa �rea � equivalente ao tamanho de um pa�s pequeno — maior do que a Palestina, por exemplo.
A estimativa do climatologista brasileiro Carlos Nobre � que, se Amaz�nia atingir 25% de desmatamento, o bioma vai atingir um ponto de n�o-retorno em que ser� imposs�vel para a floresta se regenerar.
O est�gio atual � de cerca de 20% de desmatamento.
"Outro governo pode mudar as portarias e normas, mas se voc� anistia criminosos ambientais, se regulariza a situa��o dos invasores de terra, isso n�o tem volta. Os garimpeiros e madeireiros criminosos est�o cada vez mais ricos e poderosos, e fica cada vez mais dif�cil de combat�-los", afirma Astrini.
"Pode acontecer o mesmo que se passou com as mil�cias no Rio de Janeiro — quando criminosos se tornam t�o poderosos na aus�ncia do Estado que acabam sendo para algumas popula��es a �nica fonte de renda. Depois voc� n�o consegue mais retirar o crime daquele lugar."
Astrini afirma que a principal preocupa��o no momento � a possibilidade de que o governo consiga convencer o Congresso a transformar sua agenda ambiental em leis. Isso tornaria as mudan�as bem mais permanentes, j� que at� o momento o Legislativo ainda era um foco de resist�ncia � implementa��o total da agenda ambiental do governo. "� a possibilidade da boiada passar de novo", diz ele.
Neste ano, ap�s conseguir articular uma base mais forte na C�mara, o governo colocou bolsonaristas para chefiar comiss�es que tratam de temas ambientais.
"Sem d�vida se houver mudan�as legislativas � muito mais grave, porque o governo pode conseguir tornar legal o que hoje � ilegal", diz Unterdstell.
Ela aponta a quest�o da regulariza��o fundi�ria como uma das principais agendas do governo no Legislativo. "Na pr�tica, o projeto possibilitaria a legaliza��o da grilagem", diz.
Outros projetos de lei tamb�m est�o na lista de discuss�o da Comiss�o de Meio Ambiente: um que libera a ca�a, um que permite a pecu�ria em reservas legais, um que acaba com a lista oficial de esp�cies de peixes amea�ados, e dois que reduzem parques nacionais em Santa Catarina.
"A perspectiva de elei��es em 2022 pode impedir que o pior aconte�a (no legislativo). Neste momento � ainda mais importante a vigil�ncia e press�o da sociedade", afirma Unterdstell.
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