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Estado de Minas PANDEMIA

COVID: como a proposta de que empresas furem fila da vacina pode atrapalhar

Projetos que permitem que empresas vacinem seus funcion�rios antes ou indiv�duos que furam a fila s� trazem preju�zos � sa�de p�blica


27/04/2021 17:28 - atualizado 27/04/2021 18:07


Os indígenas foram um dos primeiros grupos contemplados na vacinação contra a covid-19(foto: Getty Images)
Os ind�genas foram um dos primeiros grupos contemplados na vacina��o contra a covid-19 (foto: Getty Images)

No dia 1º de dezembro de 2020, o Minist�rio da Sa�de definiu oficialmente quais seriam os grupos priorit�rios da vacina��o contra a covid-19 no Brasil.


Nesses cinco meses, por�m, foram v�rias as tentativas (legais e ilegais) de "furar a fila" ou permitir �s pessoas que n�o integram o p�blico-alvo tomarem as doses antes das outras.

O assunto voltou a ganhar f�lego nas primeiras semanas de abril, quando a C�mara dos Deputados aprovou um projeto de lei que permitiria a compra de lotes dos imunizantes pela iniciativa privada, que n�o precisaria necessariamente fazer doa��es ao Sistema �nico de Sa�de (SUS).

A pol�mica proposta encontra forte resist�ncia no Senado Federal e esbarra numa s�rie de quest�es pr�ticas, legais e �ticas.

Enquanto o debate legislativo segue em pleno vapor, no campo da ci�ncia o consenso � maior: a ordem de imuniza��o importa e definir os grupos priorit�rios tem o potencial de desafogar o sistema de sa�de e salvar vidas.

Mas como essa fila da vacina��o foi definida?

Cobertor curto

Antes de entender a ordem das campanhas, � preciso ter em mente que a discuss�o � ainda mais importante num contexto em que h� escassez de vacinas.

Passados tr�s meses desde o in�cio da vacina��o, o Brasil distribuiu cerca 53 milh�es de doses, quantia suficiente para proteger cerca de 26,5 milh�es de pessoas.

Ou seja: o montante disponibilizado at� o momento permite resguardar pouco mais de 10% da popula��o brasileira.

Agora, imagine que os gestores de sa�de n�o tivessem feito um plano e definido os grupos que receberiam o produto em primeiro lugar: a quantidade de pessoas que correria at� os postos de sa�de seria enorme.

Isso, por sua vez, aumentaria o risco de conflitos e disparidades: pode ser que milhares jovens tomassem a picada no bra�o antes de seus pais ou av�s, quando sabemos que o risco de complica��es e morte pela covid-19 sobe conforme a idade avan�a.

Poder�amos ver tamb�m problemas de desigualdade geogr�fica e social, com cidades e Estados de maior poder aquisitivo garantido uma fatia maior de doses em rela��o a outros locais mais pobres.

A limita��o das vacinas � um fator importante, mas vale uma ressalva: uma fila de prioridades seria necess�ria mesmo se tiv�ssemos garantido de uma s� vez doses suficientes para todos os brasileiros.

Essa organiza��o evita que as unidades b�sicas de sa�de fiquem lotadas — ainda mais quando sabemos que a aglomera��o � um dos maiores fatores de risco para a transmiss�o da covid-19.

A ordem estabelecida

De modo bastante resumido, a maioria dos pa�ses onde a campanha de vacina��o contra a covid-19 j� come�ou usaram tr�s crit�rios b�sicos para definir os grupos priorit�rios:

  • O risco de desenvolver formas graves da doen�a
  • O risco de exposi��o ao coronav�rus
  • Situa��es de vulnerabilidade social

"No primeiro grupo est�o os idosos e os indiv�duos com comorbidades, como doen�as card�acas, pulmonares e renais", exemplifica o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es.

J� a segunda turma inclui os profissionais de sa�de que est�o na linha de frente do combate � pandemia e outras categorias laborais, como professores, policiais, bombeiros e trabalhadores do setor de transporte e log�stica.


Enfermeira Monica Calazans foi primeira pessoa a ser vacinada contra a covid-19 no Brasil fora dos testes clínicos(foto: Reuters)
Enfermeira Monica Calazans foi primeira pessoa a ser vacinada contra a covid-19 no Brasil fora dos testes cl�nicos (foto: Reuters)

A terceira inclui popula��es ind�genas, quilombolas e ribeirinhas, al�m de pessoas em situa��o de rua e indiv�duos privados de liberdade.

Esses tr�s grupos podem ser subdivididos em uma s�rie de outras categorias mais detalhadas — e � justamente a partir da� que se define a ordem de vacina��o.

Vamos analisar o que foi feito no Brasil: a maioria dos Estados e munic�pios come�ou a campanha de imuniza��o pelos trabalhadores da �rea de sa�de, a popula��o ind�gena e os indiv�duos de idade avan�ada ou com defici�ncia que moram em institui��es de longa perman�ncia.

"Isso foi necess�rio para reduzir a taxa de �bitos por covid-19 e desafogar minimamente o sistema de sa�de, permitindo uma maior prote��o aos profissionais que atuam nesses ambientes", contextualiza a biotecnologista Larissa Brussa Reis, que integra a Rede An�lise Covid-19.

Quando essa primeira turma estava vacinada, o foco mudou para os idosos: primeiro aqueles com mais de 90 anos, depois os que tinham entre 85 e 89 anos e assim por diante.

A tend�ncia � que, se tudo der certo, todos os brasileiros com mais de 60 anos estejam imunizados entre o final de abril e in�cio de maio.

Com isso, ser� poss�vel partir para os pr�ximos contemplados, que devem envolver profissionais da educa��o, for�as de seguran�a e salvamento e portadores de comorbidades.

Justo ou injusto?

� claro que h� uma s�rie de controv�rsias nessa fila estabelecida: alguns especialistas chamam a aten��o e criticam a n�o-inclus�o priorit�ria dos trabalhadores de setores como transporte p�blico e cadeia de alimenta��o.

Eles entendem que os crit�rios de idade e das comorbidades s�o injustos e privilegiam as camadas mais abastadas da sociedade.

"A expectativa de vida em pobres, negros e homens � significativamente menor, portanto os mais idosos s�o mulheres-brancas-ricas. No entanto, a mortalidade da covid-19 tem sido maior em homens-pretos-pobres", raciocina o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Universidade de S�o Paulo, numa s�rie de postagens no Twitter.

"A mortalidade por covid-19 em homens-pretos-pobres n�o � gen�tica ou biol�gica, mas se deve ao fato de eles trabalharem nos setores essenciais e de maior risco na sociedade: sa�de, seguran�a, servi�os p�blicos, transportes e rede alimentar", completa.


Funcionários do transporte público devem integrar as próximas etapas da campanha de imunização em muitas cidades brasileiras(foto: Getty Images)
Funcion�rios do transporte p�blico devem integrar as pr�ximas etapas da campanha de imuniza��o em muitas cidades brasileiras (foto: Getty Images)

De acordo com a �ltima atualiza��o do Minist�rio da Sa�de, o Plano Nacional de Operacionaliza��o da Vacina contra a Covid-19 conta com 29 grupos priorit�rios, que totalizam 77,2 milh�es de brasileiros.

Esse planejamento pode ser adaptado e modificado pelos estados e munic�pios, de acordo com a realidade de cada local.

Os crit�rios de vacina��o. Por que o crit�rio et�rio � socialmente injusto? A expectativa de vida em pobres, negros e homens � significativamente menor, portanto os mais idosos s�o mulheres-brancas-ricas. No entanto, a mortalidade da COVID tem sido maior em homens-pretos-pobres.

— Paulo Lotufo (@PauloLotufo) April 19, 2021


A ordem importa

Como explicado mais acima, a defini��o dos grupos priorit�rios permite proteger justamente aquelas pessoas que, por diversos motivos, correm maior risco de se infectar com o coronav�rus ou desenvolver as formas graves da covid-19.

Numa perspectiva individual, isso � �timo para os vacinados: os estudos cl�nicos asseguram que os imunizantes aprovados t�m uma �tima capacidade de prevenir os casos mais s�rios da doen�a, que exigem hospitaliza��o, intuba��o e podem matar.

Mas do ponto de vista coletivo, a vacina��o organizada dos p�blicos-alvo faz bem para toda a sociedade.

"O objetivo da campanha � justamente diminuir a carga da doen�a. A partir do momento que avan�armos nos percentuais de pessoas vacinadas, conseguiremos diminuir o impacto da pandemia", esclarece Cunha.

E n�o d� pra se esquecer dos benef�cios indiretos dessa estrat�gia: com os grupos priorit�rios protegidos, a tend�ncia � que a necessidade de leitos de enfermaria e UTI diminua.

A menor press�o no sistema de sa�de significa uma situa��o muito mais tranquila para todos aqueles que precisam de um atendimento m�dico por covid-19, acidente de tr�nsito, ataque card�aco ou qualquer outra condi��o de sa�de.


O sistema de saúde saturado impede o atendimento adequado dos pacientes que chegam aos hospitais(foto: Getty Images)
O sistema de sa�de saturado impede o atendimento adequado dos pacientes que chegam aos hospitais (foto: Getty Images)

Infelizmente, nas �ltimas semanas, muitos brasileiros morreram � espera de um tratamento: com os hospitais saturados, n�o havia condi��es de prestar socorro a todos os casos que chegaram.

Ainda n�o � poss�vel ter ideia do tamanho dessa avalanche, mas, ao longo das pr�ximas semanas, meses e anos, os cientistas ter�o melhores condi��es de entender e estimar o impacto que a pandemia teve no nosso pa�s.

Menos mortes

N�o � exagero dizer que estabelecer e obedecer a ordem dos grupos priorit�rios tem o potencial de salvar vidas.

Essa no��o ficou mais clara em uma pesquisa feita na Universidade da Calif�rnia em Davis (EUA) e rec�m-publicada na revista cient�fica PNAS.

Os cientistas usaram as taxas de transmiss�o do coronav�rus e a aloca��o de doses de vacinas para estimar uma s�rie de cen�rios sobre a evolu��o da pandemia.

Eles calcularam que, ao seguir alguns crit�rios na vacina��o (como colocar profissionais de sa�de e idosos em primeiro lugar), o �ndice de infec��es, mortes e anos de vida perdidos para a covid-19 fica entre 17 e 44% mais baixo na compara��o com um cen�rio em que n�o h� um fluxograma do tipo.

"Tamb�m observamos que nas regi�es onde h� um aumento nas taxas de cont�gio e onde as pessoas n�o usam m�scaras ou n�o mant�m o distanciamento social, a prioriza��o nas vacinas � ainda mais importante para o controle da pandemia", disse o epidemiologista Jack Buckner, um dos autores da pesquisa, em comunicado � imprensa.

Vale mencionar que os c�lculos da pesquisa levaram em conta a realidade americana, mas � bem poss�vel que o cen�rio se repita, em maior ou menor grau, em outros pa�ses.

Os fura-filas

Seguindo o racioc�nio, as pessoas que tomam a vacina sem fazer parte dos grupos priorit�rios neste momento podem at� beneficiar a pr�pria sa�de, mas est�o prejudicando o resto da sociedade.

Para come�o de conversa, ao tomarem as duas doses de forma ilegal, elas "roubam" o lugar e a oportunidade de algu�m precisaria se proteger com mais urg�ncia.

E esse indiv�duo n�o vacinado segue por mais tempo com risco alto de pegar o coronav�rus e desenvolver as formas graves da infec��o.

No contexto amplo, isso significa que a pandemia se prolongar� e os hospitais continuar�o saturados por mais tempo — o que, como vimos, � ruim para todo mundo.

Segundo as fontes ouvidas pela BBC News Brasil, um cen�rio negativo desses, que por ora est� restrito a alguns desvios e situa��es pontuais, pode se institucionalizar se um projeto de lei em discuss�o no Senado Federal for aprovado.

A proposta, que j� foi discutida e votada na C�mara dos Deputados, permite que empresas privadas comprem vacinas e apliquem imediatamente metade das doses em seus "empregados, cooperados, associados e outros trabalhadores que lhe prestem servi�os".

Detalhe importante: os imunizantes poderiam ser tanto aprovados pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) ou por "qualquer autoridade sanit�ria estrangeira reconhecida pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS)".

A nova regra mudaria a lei em vigor, que foi sancionada h� pouco mais de um m�s.

Atualmente, empresas podem at� adquirir os imunizantes contra a covid-19, mas eles precisam ter libera��o da Anvisa e precisam ser doados integralmente ao SUS at� que todos os grupos priorit�rios sejam contemplados pela campanha nacional de vacina��o.

S� a partir da� os entes privados poderiam usar metade dos lotes que eles compraram (a outra parcela iria direto para a rede p�blica) e precisam oferecer as doses gratuitamente aos seus colaboradores.

Ser� que vai pra frente?

De acordo com as �ltimas manifesta��es, � bastante improv�vel que o novo projeto de lei tenha vida f�cil no Senado Federal.

Em primeiro lugar, a regra atual foi proposta e elaborada com a contribui��o direta do presidente da casa, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Segundo, pol�ticos de diversos partidos e espectros ideol�gicos j� se posicionaram contra a mudan�a.

Nas redes sociais, o senador Humberto Costa (PT-CE) definiu o projeto como "algo inaceit�vel, a institucionaliza��o de um apartheid social".

"Num pa�s onde morrem milhares de pessoas por covid todos os dias, a C�mara tomou uma decis�o extremamente grave, equivocada e excludente. O crit�rio principal para a vacina��o no pa�s passa a ser o da capacidade financeira de cada um. Quem pode pagar, se vacina. Quem n�o pode pagar, vai esperar o calend�rio do SUS. Vamos lutar no Senado para derrotar essa medida abomin�vel", escreveu.

Num pa�s onde morrem milhares de pessoas por Covid todos os dias, a C�mara dos Deputados tomou uma decis�o extremamente GRAVE, EQUIVOCADA e EXCLUDENTE ao aprovar o projeto de lei que permite que o setor privado possa comprar vacinas e aplic�-las independentemente do SUS.

— Humberto Costa (@senadorhumberto) April 7, 2021


O tamb�m senador Eduardo Braga (DEM-AM) classificou a ideia como um "vale tudo" na corrida pela vacina:

"A iniciativa privada deve, sim, se somar aos esfor�os para a aquisi��o de vacinas. Mas o objetivo tem que ser o fortalecimento do Programa Nacional de Imuniza��o, at� que todos que fazem parte dos grupos priorit�rios sejam vacinados. N�o d� para furar fila ou instituir um 'vale tudo' na corrida pela vacina, onde quem sai ganhando � quem tem dinheiro. O projeto apresentado pelo nosso presidente, senador Rodrigo Pacheco, foi bem claro nesse sentido. J� foi aprovado e j� virou lei. Vamos cumpri-la", defendeu o senador no Twitter.

Em terceiro lugar, a possibilidade de as empresas brasileiras adquirirem os imunizantes no mercado nacional ou internacional � algo dif�cil at� do ponto de vista pr�tico: as principais produtoras de vacinas do mundo j� deixaram bem claro que no atual momento s� negociar�o diretamente com governos.

Portanto, as op��es de compra ficariam restritas aos produtos n�o aprovados pela Anvisa ou que est�o numa fase preliminar das pesquisas — o que certamente levanta s�rias d�vidas sobre a efic�cia e a seguran�a deles.

A iniciativa privada deve, sim, se somar aos esfor�os para a aquisi��o de vacinas. Mas o objetivo tem que ser o fortalecimento do Programa Nacional de Imuniza��o, at� que todos que fazem parte dos grupos priorit�rios sejam vacinados.

— Sen. Eduardo Braga (@EduardoBraga_AM) April 7, 2021


A perspectiva dos cientistas

Apesar do ritmo lento de vacina��o contra a covid-19 no Brasil, em linhas gerais os grupos priorit�rios definidos desde o final de 2020 est�o sendo respeitados nas campanhas estaduais e municipais.

Nesse sentido, qualquer iniciativa que desvie o foco e permita mais gente furar essa fila pode ser bastante mal�fica aos progressos conquistados.

"Ao comprar vacinas para uso pr�prio, o setor privado desviaria doses que iriam para o Programa Nacional de Imuniza��es. No cen�rio de escassez que vivemos, � inaceit�vel que a imuniza��o seja oferecida primeiro para quem tem dinheiro para pagar", protesta Brussa Reis.

J� Cunha entende que � hora de acelerar a campanha e seguir as diretrizes estabelecidas pelo Minist�rio da Sa�de.

"Uma discuss�o sobre compra de vacinas por empresas privadas n�o deveria acontecer agora. O Brasil j� tem planos para vacinar toda a sua popula��o por meio da rede p�blica".

"E quanto mais r�pido terminarmos essa campanha, melhor para todo mundo", completa o m�dico.


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