
A afirma��o � de Maycol Vargas, de 33 anos e graduado em engenharia aeron�utica, com mestrado e doutorado em engenharia e tecnologia espaciais, na �rea de combust�o e propuls�o, pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Depois de defender sua tese no in�cio de 2020, o morador de Pindamonhangaba, no interior de S�o Paulo, se viu desempregado com doutorado.
"Mandei curr�culo at� para auxiliar de servi�os gerais, mas est� dif�cil. Montei um neg�cio pr�prio e estou fazendo doces, porque eu estava sem nenhuma renda. Isso me rende uns R$ 400, R$ 500 por m�s, no m�ximo. Um profissional da minha �rea normalmente ganha na faixa de R$ 13 mil a R$ 15 mil."
Maycol � um dos milh�es de profissionais brasileiros qualificados e subutilizados em meio � pandemia do coronav�rus.
Entre o quarto trimestre de 2019 e igual per�odo de 2020, o n�mero de trabalhadores com ensino superior subutilizados passou de 2,5 milh�es para 3,5 milh�es, um aumento de 43%.
Na popula��o em geral, considerando todos os n�veis de qualifica��o, os subutilizados passaram de 26,1 milh�es a 32 milh�es nesse mesmo intervalo, crescimento de 23%.
Quem s�o os subutilizados
A subutiliza��o da for�a de trabalho � um indicador mais amplo do que a desocupa��o.
Al�m dos desempregados, a subutiliza��o tamb�m inclui aqueles que est�o trabalhando menos horas do que gostariam; que desistiram de procurar emprego (os chamados desalentados); ou que gostariam de trabalhar, mas por algum motivo - como ter que cuidar dos filhos que est�o fora da escola ou de idosos, por exemplo - n�o estavam dispon�veis.
"A taxa de desemprego � uma medida super importante, mas ela deixa de fora todas essas pessoas que tamb�m est�o numa situa��o de insatisfa��o com a situa��o de trabalho delas", explica Ana Tereza Pires, pesquisadora da consultoria IDados e autora do levantamento, elaborado a partir de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios) Cont�nua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).
"A subutiliza��o � um retrato mais amplo do mercado de trabalho e dessa inefici�ncia em alocar todo mundo que tem potencial de trabalhar dentro da for�a de trabalho", acrescenta a economista.
"Especialmente nessa �poca de pandemia, essa � uma medida muito importante, porque muita gente desistiu de procurar trabalho ou estava procurando emprego, mas ficou indispon�vel para trabalhar, como no caso das m�es. Ent�o esse indicador d� conta de um contingente maior de brasileiros num momento de crise."

O desemprego para quem tem ensino superior
A taxa de desocupa��o entre os trabalhadores com ensino superior � historicamente mais baixa do que a dos trabalhadores em geral. Entre o quarto trimestre de 2019 e igual per�odo de 2020, ela passou de 5,6% para 6,9%, aumento de 1,3 ponto percentual.
Nesse mesmo intervalo, a taxa de desemprego para a popula��o em geral subiu de 11% para 13,9%, um aumento de 2,9 ponto percentual.
A diferen�a hist�rica no n�vel de desocupa��o entre os mais e os menos qualificado se explica pela parcela ainda relativamente pequena de pessoas com ensino superior no pa�s. Segundo o IBGE, no quarto trimestre de 2020, apenas 16,5% da popula��o brasileira em idade de trabalhar havia conclu�do o n�vel superior.
Como esse profissionais mais qualificados s�o relativamente escassos no pa�s, em geral, eles t�m mais facilidade de encontrar uma vaga no mercado de trabalho.
"Olhando a taxa de desemprego entre o final de 2019 e o final de 2020, ela cresceu muito no mercado de trabalho como um todo. Para quem tem ensino superior, houve um crescimento, mas n�o muito elevado", observa a pesquisadora do IDados.
"Isso poderia levar a crer que os trabalhadores com ensino superior n�o foram muito afetados pela crise decorrente da pandemia. Mas, quando olhamos para a subutiliza��o, fica claro que as pessoas com ensino superior est�o bastante representadas."

Por que a subutiliza��o aumentou entre os mais qualificados
A economista avalia que os mais instru�dos foram menos afetados pelo desemprego na pandemia devido � maior possibilidade desses trabalhadores de fazerem home office.
Segundo dados da pesquisa Pnad Covid-19 referentes a novembro de 2020 (o �ltimo dado dispon�vel, posto que a pesquisa foi descontinuada pelo IBGE), dos 7,3 milh�es de pessoas que estavam trabalhando de forma remota naquele m�s, 76% tinham ensino superior completou ou p�s-gradua��o.
"Muitos dos trabalhadores com ensino superior que sa�ram da for�a de trabalho n�o foram para o desemprego, foram direto para a inatividade. N�o foram procurar emprego, seja por terem uma situa��o econ�mica melhor e poderem esperar uma melhora do mercado, ou por terem que cuidar da casa e dos filhos, no caso das mulheres."
O IBGE s� considera como "desempregado" quem efetivamente procurou emprego no per�odo recente.
Das tr�s categorias de subutiliza��o dos trabalhadores com ensino superior analisadas pela pesquisadora, o n�mero de trabalhadores subocupados por insufici�ncia de horas trabalhadas cresceu 13%; o n�mero de desocupados aumentou 33%; e o contingente de pessoas na chamada for�a de trabalho potencial (que inclui os desalentados e os indispon�veis) mais do que dobrou, com um avan�o de 138% entre o fim de 2019 e o de 2020.

O drama dos rec�m-formados
Um grupo importante desses trabalhadores subutilizados com ensino superior s�o os rec�m-formados.
Historicamente no Brasil, o desemprego sempre foi maior para a popula��o mais jovem, de todos os n�veis de instru��o. Isso porque o mercado costuma exigir uma experi�ncia que esses trabalhadores n�o t�m.
"Muitos dos que acabaram de se formar podem ter optado por n�o sair para procurar emprego agora, porque sabem que a dificuldade � muito grande. Ent�o eles acabam entrando nessa for�a de trabalho potencial", explica Pires.
Marianna Rodrigues Martelo, de 27 anos, tem vivido na pele essa realidade. A moradora de Guarulhos (SP) se formou na faculdade de odontologia em dezembro de 2020, mas ainda n�o conseguiu encontrar um emprego na �rea.
"J� devo ter mandado pelo menos 100 curr�culos, s� hoje mandei uns 20", conta Marianna.
"A maioria das vagas pede experi�ncia e que se tenha pelo menos um ou dois anos de formado. Isso complica, porque eu sou rec�m-formada", afirma. "A pandemia tamb�m pode estar dificultando, porque diminuiu a oferta de vagas, j� que a economia n�o est� girando corretamente."

Os empregadores que est�o trabalhando menos do que gostariam
Um outro grupo relevante de pessoas qualificadas e subutilizadas na pandemia s�o os empregadores que est�o trabalhando menos do que gostariam, devido �s restri��es ao funcionamento de empresas, particularmente no setor de servi�os.
"H� um n�mero muito alto entre os subutilizados qualificados na pandemia de pessoas que s�o chefes de fam�lia e homens e mulheres brancos, que geralmente n�o ficam fora da for�a de trabalho e agora passaram a ficar", observa Pires, do iDados.
"Ent�o isso pode estar relacionado a esses pequenos empres�rios que acabaram fechando ou dando um tempo nos seus neg�cios at� a coisa melhorar ou cujas empresas n�o est�o produzindo tanto quanto poderiam."
Conforme o levantamento, 41% dos trabalhadores qualificados e subutilizados eram chefes de fam�lia no quarto trimestre de 2020 e 58% eram brancos.
A empres�ria Renata Dornelles da Cruz, de 38 anos e moradora de S�o Leopoldo (RS), n�o � branca, mas � um exemplo desses pequenos empres�rios que est�o trabalhando menos do que gostariam na pandemia. S�o os chamados subutilizados por insufici�ncia de horas trabalhadas.
Formada em turismo e jornalismo, com especializa��o em Moda, Criatividade e Inova��o pelo Senac, Renata � propriet�ria, ao lado de duas s�cias, do sal�o de beleza especializado em cabelo afro African�ssimas.
Com a queda de movimento devido �s restri��es impostas pelo coronav�rus e sem conseguir renegociar o aluguel, em mar�o deste ano, as s�cias tiveram de devolver o espa�o que ocupavam numa galeria na regi�o central de S�o Leopoldo e instalaram o sal�o num im�vel pr�prio no bairro mais afastado de Cohab Feitoria.
"Antes eu ia ao sal�o todo dia. No ano passado, passei a ir no m�ximo duas vezes por semana e ficar s� meio turno, para deixar mais espa�o para as clientes e porque moro com meus pais que s�o grupo de risco", conta Renata, que cuida do marketing, das redes sociais e da gest�o financeira da empresa.
"Esse ano, com a mudan�a de endere�o, estou totalmente em modo remoto.
Como n�o tem mais tantos clientes, n�o tenho mais tanto conte�do para produzir. Antes eu trabalhava com as tarefas do sal�o todos os dias, de segunda a s�bado, quando n�o domingo. Agora, resolvo tudo em duas manh�s", relata, quanto � redu��o das suas horas de trabalho.

Os efeitos para a economia como um todo
Apesar de as hist�rias de desemprego e subutiliza��o entre os mais qualificados serem menos dram�ticas do que entre os menos qualificados, que em geral s�o a popula��o de baixa renda, a perda de rendimentos entre os mais escolarizados tem efeito sobre a economia como um todo.
Isso porque s�o esses trabalhadores que recebem a maior parcela da massa de rendimentos do pa�s - a massa de rendimentos � a soma de todos os sal�rios. Com isso, eles tamb�m s�o respons�veis pela maior parte do consumo, movimentando a economia.
"Quem tem ensino superior no Brasil n�o � a maioria, mas sem d�vida � quem concentra a maior quantidade de renda e quem mais acaba demandando produtos e servi�os", explica a pesquisadora do IDados.
"Por exemplo, o servi�o de empregada dom�stica e servi�os n�o essenciais como sal�o de beleza e restaurantes, s�o muito mais demandados por pessoas com ensino superior e maior n�vel de renda. Ent�o esses servi�os acabam sendo afetados", diz Pires.
Segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos) publicado ao fim de abril, entre o quarto trimestre de 2019 e igual per�odo de 2020, o contingente de trabalhadores dom�sticos do Brasil diminuiu de 6,4 milh�es para 4,9 milh�es, o que representa 1,5 milh�o de pessoas a menos prestando esse tipo de servi�o.
"Todo o cen�rio econ�mico nesse momento est� condicionado ao combate � pandemia e � estrat�gia de vacina��o", avalia a economista.
"Se tivermos uma campanha de vacina��o efetiva, os mais qualificados v�o voltar a trabalhar como antes, j� que eles no geral s�o mais demandados. Mas � dif�cil tra�ar um cen�rios quando as estrat�gias de vacina��o est�o t�o incipientes", conclui.
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