
J� em seus instantes finais, a Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da Covid abriu um novo flanco de investiga��o sobre poss�veis crimes cometidos no enfrentamento da pandemia de coronav�rus.
O �ltimo esc�ndalo envolve a empresa de planos de sa�de Prevent Senior, alvo de den�ncias em um dossi� elaborado de forma an�nima por m�dicos e ex-m�dicos da empresa.
Segundo o portal G1, que primeiro teve acesso a essa documenta��o sigilosa, o dossi� acusa a Prevent Senior de ter submetido pacientes a tratamentos experimentais contra covid-19 sem o consentimento deles. Al�m disso, diz que a empresa teria fraudado os resultados de um estudo sobre uso da hidroxicloroquina no tratamento da doen�a, ao omitir mortes de pacientes ao longo desse experimento.
O dossi� diz ainda que esse estudo — que foi usado pelo presidente Jair Bolsonaro para exaltar o uso da hidroxicloroquina — seria fruto de um acordo entre a Prevent Senior e o governo federal, embora detalhes do que seria esse acordo n�o tenham sido revelados at� o momento.
Procurada pela BBC News Brasil, a Secretaria de Comunica��o da Presid�ncia da Rep�blica n�o se manifestou at� o fechamento desta reportagem.
Em depoimento � CPI da Covid na quarta-feira (22/09), o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista, negou as acusa��es e disse que o dossi� apresentado � comiss�o � fruto de dados roubados e manipulados. A empresa pede que a Procuradoria-Geral da Rep�blica investigue o caso.
Entenda melhor a seguir as acusa��es contra a Prevent Senior, quais crimes e infra��es �ticas podem ter sido cometido, segundo investiga��o, e a defesa da empresa.
Acusa��o de fraude em estudo por oculta��o de mortes
Em abril de 2020, in�cio da pandemia de covid-19, Bolsonaro usou suas redes sociais para exaltar o que seriam excelentes resultados obtidos pela Prevent Senior no tratamento da covid-19 usando a hidroxicloroquina — medicamento sem efic�cia comprovada contra a doen�a.
O presidente compartilhou o que seriam resultados de um "levantamento cl�nico" indicando redu��o do n�mero de �bitos devido ao uso da subst�ncia.
Dia ruim p quem torce pelo v�rus. Parab�ns �
@preventsenior
.Isto � uma pesquisa s�ria, feita com CI�NCIA e n�o com politicagem.
A esquerda far� de tudo para derrubar esta pesquisa, a exemplo do que se viu com a pseudo pesquisa feita em Manaus:
https://t.co/vynRw1EGTD
pic.twitter.com/6kATgJlltj
Segundo os dados divulgados por Bolsonaro, de 636 pacientes com covid-19 atendidos na Prevent Senior, 412 usaram a hidroxicloroquina e outros 224 n�o receberam o medicamento. No grupo medicado, anunciou Bolsonaro, apenas oito teriam evolu�do para uma interna��o e nenhuma morte havia sido registrada. J� no grupo que n�o recebeu hidroxicloroquina, 12 teriam sido hospitalizados e cinco teriam morrido.
A postagem do presidente foi compartilhada por seus filhos e aliados, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). "Dia ruim p quem torce pelo v�rus. Parab�ns � @preventsenior .Isto � uma pesquisa s�ria, feita com CI�NCIA e n�o com politicagem", postou na ocasi�o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), usando o Twitter.
O dossi� apresentado � CPI, no entanto, diz que esses dados teriam sido fraudados . Uma planilha inclu�da nesse material obtida pelo portal G1 lista, segundo a reportagem, nove pessoas que morreram dentro desse experimento, das quais seis estariam no grupo que tomou hidroxicloroquina e duas estariam no grupo que n�o tomou. Sobre o nono paciente n�o h� informa��o se recebeu ou n�o a subst�ncia.
Em resposta �s acusa��es, o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista, disse que m�dicos que se desligaram da empresa no ano passado teriam roubado prontu�rios de pacientes e adulterado dados para montar o dossi� entregue � comiss�o.
Segundo ele, sete mortes citadas na planilha n�o foram inclu�das nos resultados porque ocorreram depois do intervalo analisado no estudo (26 de mar�o a 4 de abril de 2020).

"Eles invadiram o sistema, acessaram a planilha e, mesmo n�o tendo mais responsabilidade sobre esse processo, adulteraram a planilha e encaminharam a planilha para a advogada", disse, em refer�ncia � advogada Bruna Morato, que representa o grupo de m�dicos an�nimos autores das den�ncias.
Para al�m das acusa��es de fraude, o m�dico e advogado Daniel Dourado, do Centro de Pesquisa em Direito Sanit�rio da Universidade de S�o Paulo (USP), diz que o pr�prio estudo jamais poderia ter sido feito porque a Prevent Senior n�o obteve autoriza��o da Comiss�o Nacional de �tica do Conselho Nacional de Sa�de (Conep) para realizar esse procedimento.
O Conep fixa regras r�gidas para a realiza��o de testes com subst�ncias experimentais, entre elas a necessidade de que os riscos envolvidos sejam muito bem esclarecidos aos pacientes, que devem dar seu consentimento "livre e esclarecido" para o uso da subst�ncia testada.
"As acusa��es contra a Prevent Senior s�o grav�ssimas e v�rias ainda precisam ser provadas. Mas o que eles fizeram do ponto de vista da pesquisa cl�nica, sem autoriza��o do Conep, em si j� � muito grave", critica Dourado.
Questionada pela BBC News sobre a falta de autoriza��o para realizar a pesquisa, a assessoria da Prevent Senior disse que n�o se tratava de um estudo, mas de uma "an�lise de dados" a partir de pacientes que estavam usando as subst�ncias, ressaltando que havia amplo uso da hidroxicloroquina para tratamento da covid-19 no in�cio da pandemia.
Ainda segundo a empresa, por n�o ser um estudo cient�fico, n�o haveria necessidade de aprova��o da Conep.
Mortes teriam sido ocultadas tamb�m em 2021, segundo dossi�
Al�m desses nove casos relacionados ao estudo da hidroxicloroquina realizado em 2020, o dossi� traz, segundo reportagens, outras mortes por covid-19 ocorridas no in�cio deste ano que teriam sido ocultadas, como o falecimento do pediatra Anthony Wong, de 73 anos, e de Regina Hang, de 82 anos, m�e do empres�rio Luciano Hang , dono da Havan.

Segundo os prontu�rios desses pacientes encaminhados � CPI, ambos foram diagnosticados com covid-19, receberam tratamentos sem comprova��o cient�fica e seus atestados de �bito n�o mencionam a infec��o pelo coronav�rus como causa do falecimento.
Em nota enviada � revista Piau�, primeiro ve�culo a revelar as acusa��es de fraude no caso de Wong, a fam�lia do pediatra disse "que n�o tem poder para alterar nenhuma informa��o no atestado de �bito e v� com incredulidade a invas�o do prontu�rio".
Procurado pela BBC News Brasil, Luciano Hang enviou uma nota em que atribui a morte de sua m�e �s comorbidades que tinha, como diabetes, insufici�ncia renal, sobrepeso e ser card�aca. "Quando os sintomas apareceram levamos para S�o Paulo e a doen�a evoluiu r�pido. Lutamos com ela por mais de um m�s, nesse tempo o Covid passou, mas ficaram as complica��es por conta das comorbidades e, por isso, infelizmente ela se foi", diz o comunicado.
"Tenho total confian�a nos procedimentos adotados pelo Prevent Senior e que tudo que era poss�vel foi feito. Deixei claro a causa do falecimento de minha m�e em v�rias manifesta��es p�blicas e nas redes sociais, nunca foi segredo", disse ainda.
Al�m disso, ele criticou a CPI, ap�s ser chamado de "desalmado" pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM), respectivamente relator e presidente da comiss�o.
"Lamento que um assunto t�o delicado seja usado como artif�cio pol�tico para me atingir, pelo simples fato de eu n�o concordar com as ideias de alguns membros que fazem parte dessa CPI. Medem os outros pela pr�pria r�gua. S� quem perde uma m�e sabe a dor que �", afirma a nota de Hang.
Questionado na CPI, Pedro Batista disse que n�o estava autorizado pelas fam�lias a comentar os casos.
Ele reconheceu que a Prevent Senior tem como procedimento mudar o c�digo de diagn�stico (CID) dos pacientes com covid-19 ap�s duas ou tr�s semanas de interna��o.
"Todos os pacientes com suspeita ou confirmado de covid, na necessidade de isolamento, quando entravam no hospital, recebiam o B34.2, que � o CID de covid. E, ap�s 14 dias, ou 21 dias para quem estava em UTI, se esses pacientes j� tinham passado dessa data, o CID podia ser modificado porque n�o representavam mais risco para a popula��o do hospital", disse.
Caso fique comprovado que houve a adultera��o de documentos como prontu�rios m�dicos e atestados de �bitos para ocultar o real diagn�stico e causa da morte dos pacientes, eventuais envolvidos nessa pr�tica poder�o responder pelo crime de falsidade ideol�gica, explicou � reportagem a professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie Fl�via Cambraia, especialista em direito penal m�dico.
Acusa��o de uso de tratamentos sem consentimento
Outra acusa��o trazida pelo dossi� � que pacientes com suspeita ou diagnosticados com covid-19 teriam sido usados como "cobaias humanas" em experimentos, ao receberem tratamentos sem efic�cia comprovada contra a doen�a, mesmo sem terem consentido com essa pr�tica.
Segundo a den�ncia, esses tratamentos n�o-convencionais inclu�am ozonioterapia, flutamida, heparina inalat�ria, al�m do chamado kit covid, que inclui subst�ncias como hidroxicloroquina e azitromicina.
O dossi� diz ainda que a prescri��o do kit covid era imposta aos m�dicos, em vez de ser uma decis�o pautada na autonomia de cada profissional, como a Prevent Senior alega ser a orienta��o interna.

O portal G1 localizou um desses casos em que o paciente teria sido tratado sem consentimento pr�vio. Segundo a reportagem, Rog�rio Antonio Ventura, de 83 anos, faleceu em 25 de abril do ano passado ap�s ser inclu�do no estudo passado sobre hidroxicloroquina e ter recebido a subst�ncia sem consentimento da fam�lia, mesmo sendo card�aco, condi��o que � contraindicada para uso da subst�ncia, j� que ela tem como poss�vel efeito colateral afetar o funcionamento do cora��o.
Em nota ao portal G1, a Prevent Senior disse que "o paciente citado deu anu�ncia ao atendimento m�dico prestado como todos as demais pessoas acolhidas" e que "os m�dicos da empresa sempre tiveram total autonomia para prescrever os tratamentos que julguem mais eficazes".
� CPI, Batista disse que os 3 mil m�dicos do plano de sa�de tinham autonomia e decidiam com os pacientes sobre o uso de medicamentos.
Segundo a especialista em direito penal m�dico Fl�via Cambraia, a aplica��o de tratamentos sem consentimento de pacientes pode ser enquadrada no crime de les�o corporal. E, se esse paciente vir a �bito, os respons�veis podem responder pelos crimes de les�o corporal seguida de morte ou homic�dio doloso.
Esses crimes podem ocorrer mesmo se tiver sido assinado algum tipo de consentimento, caso esse aval tenha sido dado sem que o paciente estivesse suficientemente informado sobre os riscos ou caso ele tenha sofrido alguma press�o indevida. "O consentimento, para produzir efeitos (legais), tem que ser um consentimento livre e esclarecido. Ent�o, o m�dico tem que deixar claro os riscos envolvidos, ainda mais no caso de um tratamento experimental", diz a professora.
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