
Meu telefone tem uma lista de informa��es essenciais que guardo anotadas. Bem perto do topo, acima do n�mero do meu passaporte e da minha conta banc�ria, est� o nome Moalimu, o n�mero 16.5 e as observa��es: "gosta de padr�es azuis e brancos".
Este � o tamanho da camisa e as cores preferidas do meu querido amigo Mohamed Ibrahim Moalimu, que trabalhou como rep�rter da BBC na Som�lia e agora � porta-voz do governo.
Sempre que vou a Mogad�scio levo camisas para Moalimu como presente.
Adoro ir � Jermyn Street em Londres, a Meca das roupas elegantes para homens. Eu analiso as dezenas e dezenas de cores, padr�es e designs, procurando a coisa certa. Na verdade, tenho duas dessas camisas esperando na minha mala para a pr�xima vez que for � Som�lia.
O problema � que Moalimu pode n�o estar l�. Ele est� internado na Turquia, para onde foi levado de avi�o. N�o foi f�cil manobrar a maca onde ele estava deitado para dentro da pequena aeronave.
No domingo, Moalimu foi atingido por um ataque suicida pela quinta vez. Desta vez ele foi o alvo direto.
Um homem-bomba correu em dire��o ao seu carro e detonou os explosivos quando chegou ao local onde Moalimu estava sentado. O grupo extremista al-Shabab, que combate o governo da Som�lia h� anos, assumiu a autoria do ataque.
Sobrou pouco do atacante. O carro ficou em peda�os. N�o entendo como Moalimu sobreviveu. Ele quebrou uma perna, ficou com ferimentos no peito e machucado em outros lugares no corpo, mas est� consciente e l�cido.

Se recusa a sair
Se voc� conhecesse Moalimu, provavelmente a primeira coisa que notaria seriam as terr�veis cicatrizes em seu rosto. Ele as obteve em 2016, no segundo ataque suicida do qual v�tima.
Ele estava em seu restaurante favorito � beira-mar. Combatentes do grupo militante isl�mico al-Shabab invadiram a praia, cercando o local por horas.
Moalimu sobreviveu deitado em seu pr�prio sangue, fingindo estar morto.
Ele me contou como os militantes chutaram os corpos das pessoas para ter certeza de que haviam morrido, atirando naqueles que se mexiam.
Foram necess�rios meses de tratamento na Som�lia, no Qu�nia e no Reino Unido para cur�-lo. Seu principal medo era que algo acontecesse com seus filhos.
� dif�cil relacionar o personagem de Moalimu ao mundo perigoso em que vive e do qual se recusa a sair. Ele � gentil, de fala mansa e calmo.
Mogad�scio, e muitas das pessoas na cidade, s�o agitadas, barulhentas e ansiosas. N�o � surpreendente, dado que a cidade est� em guerra h� mais de tr�s d�cadas.
Eu estava em Mogad�scio logo depois que Moalimu foi v�tima de um primeiro ataque suicida. Foi em junho de 2013, quando o al-Shabab invadiu um complexo das Na��es Unidas na cidade, passando cerca de uma hora no interior dos pr�dios matando o m�ximo n�mero de pessoas que podiam.
Moalimu estava passando quando os militantes atacaram. Os restos de um homem-bomba ca�ram em seu carro, quebrando o p�ra-brisa.
Com seu jeito educado e despretensioso de sempre, Moalimu me mostrou seu p�ra-brisas, que estava completamente amassado. Ele tirou uma foto horr�vel de seu carro ap�s o ataque.
Ele perguntou se eu achava que a BBC poderia pagar pelo conserto do p�ra-brisas. Afinal, ele estava trabalhando na �poca. Escrevendo, como fazia tantas vezes, sobre a viol�ncia em sua cidade natal.
N�o h� como a BBC cobrir o que acontece na Som�lia sem pessoas como Moalimu.
Ele agora trabalha como porta-voz do governo, mas quando estava na BBC, al�m de publicar suas mat�rias, Moalimu estava sempre pronto para explicar o que estava acontecendo.
At� hoje, sempre que ligo para ele, ele come�a com uma lista do que exatamente aconteceu naquele dia - os assassinatos, as explos�es, as lutas pol�ticas.
Ele faz isso mesmo quando o prop�sito da minha liga��o � perguntar que tipo de camisa eu devo levar para ele.

Her�is desconhecidos do jornalismo
Quando Moalimu era meu colega da BBC, ele e uma outra pessoa foram os �nicos para quem liguei antes de ir para a Som�lia.
Se Moalimu dissesse: "N�o venha" - eu n�o iria, mesmo que parecesse relativamente seguro. Se Moalimu dissesse: "Venha" - eu iria, mesmo que a seguran�a parecesse um pouco complicada.
Eu confiei minha vida a Moalimu. Ele foi um dos her�is desconhecidos da minha profiss�o.

Acho dif�cil entender por que o jornalismo se apega ao nome de um rep�rter glorioso e corajoso, quando muitas vezes h� muitos outros envolvidos.
O produtor, o cinegrafista, o t�cnico de som e, talvez o mais importante de tudo, o jornalista "local", �s vezes chamado de "fixer", que sabe praticamente tudo e de quem a equipe depende quase inteiramente.
Moalimu foi uma dessas pessoas, assim como v�rios outros jornalistas somalis com quem trabalho e que tamb�m arriscam suas vidas todos os dias.
Depois que ele deixou o jornalismo, eu disse a Moalimu como fiquei desapontada quando ele se tornou o porta-voz do governo. Como poderia um jornalista t�o justo e honesto se juntar ao "outro lado"?
Como sempre, sua resposta foi precisa: "Quero fazer a diferen�a. N�o poderia fazer isso como jornalista. Preciso trabalhar dentro do sistema. Quero ser parlamentar e este � meu primeiro passo para isso."
Depois que ele assumiu seu novo emprego, tive que desenvolver um relacionamento mais formal com ele.
Suas camisas tamb�m se tornaram mais formais. Elas s�o r�gidas e brancas, pois agora ele precisa us�-las com ternos elegantes.
Mas sempre que des�o a Jermyn Street, penso na alegria de escolher camisas para ele, tentando combinar cores e padr�es com seu car�ter sereno e gentil.
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