
Assim como anunciado em locais como Dinamarca, Fran�a e Reino Unido, v�rias cidades e Estados brasileiros come�aram recentemente a relaxar todas as medidas restritivas contra a covid-19.
Em alguns munic�pios, como no Rio de Janeiro, o uso de m�scaras n�o � mais obrigat�rio em locais abertos ou fechados desde o dia 8 de mar�o.
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Medidas semelhantes foram implementadas recentemente em Estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Maranh�o, al�m do Distrito Federal.
Em outros locais, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, o governo estadual delegou �s prefeituras a decis�o de manter ou n�o o uso desse equipamento de prote��o.
A ideia dos gestores � substituir aos poucos as obriga��es da lei por recomenda��es e orienta��es.
Em postagens feitas nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro tamb�m declarou que "o ministro da Sa�de, Marcelo Queiroga, estuda rebaixar para endemia a atual situa��o da covid-19 no Brasil".Essas modifica��es nas pol�ticas p�blicas acontecem na esteira da onda da variante �micron, que provocou um recorde de novos casos da doen�a nas primeiras semanas de 2022 no Brasil, mas arrefeceu e est� em queda livre desde a segunda quinzena de fevereiro.
Entenda a seguir o atual est�gio da pandemia no Brasil, como os especialistas interpretam esse momento e se as medidas que come�am a ser tomadas fazem sentido ou n�o.
Tsunami de infec��es
Detectada pela primeira vez em novembro de 2021, a variante �micron carrega uma s�rie de muta��es que deixaram o v�rus ainda mais infeccioso.
O resultado disso foi observado na pr�tica: em v�rios pa�ses, o n�mero de novos casos superou de longe todos os recordes observados at� ent�o.
O Brasil, por exemplo, registrou uma m�dia m�vel de 189,5 mil infec��es no dia 3 de fevereiro de 2022, de acordo com o painel sobre covid-19 do Conselho Nacional de Secret�rios da Sa�de, o Conass.
At� ent�o, o limite m�ximo que esse n�mero havia alcan�ado era 77,3 mil, em 23 de junho de 2021.
Ou seja: a onda da �micron levou a um pico de casos 2,4 vezes maior em compara��o com o recorde anterior.

O epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas, destaca que essa linhagem cumpriu � risca todas as proje��es que foram feitas sobre ela logo no in�cio.
"Quando a �micron apareceu, surgiram informa��es de que ela teria uma capacidade de transmiss�o absurda, conseguiria infectar vacinados, levaria de forma geral a quadros menos agressivos e provocaria uma onda r�pida, que subiria e diminuiria em poucas semanas", lista.
"E foi exatamente isso o que vimos nesses meses", completa.
Felizmente, quando observamos a mortalidade, o tamanho do estrago da �micron foi significativamente menor. A m�dia m�vel de mortes bateu em 951 no dia 11 de fevereiro de 2022 — em 12 de abril do ano passado, o pa�s chegou a registrar uma m�dia de 3.124 �bitos.

Fato � que, passada a pior fase da onda da variante �micron, os n�meros voltaram a despencar.
Assim como observado em outras partes do mundo, a detec��o de novos casos de covid est� em queda desde o in�cio de fevereiro: a m�dia m�vel do Brasil passou de 189,5 mil em 3/2 para 40,2 mil em 7/3.
Mas ser� que essa melhora nas estat�sticas j� � suficiente para relaxar de vez e decretar o fim da pandemia?
'Um tiro no p�'
Embora reconhe�am que estamos numa situa��o relativamente melhor, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que ainda � cedo demais para considerar a covid-19 como uma doen�a end�mica no pa�s.
"Endemia significa que determinada enfermidade est� presente numa regi�o de forma permanente, com n�meros constantes por v�rios anos", explica o cientista de dados Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeir�o Preto da Universidade de S�o Paulo (USP).
O pesquisador entende que, entre as subidas e as quedas das curvas da atual pandemia, ainda n�o chegamos num plat� por um tempo prolongado, que indique um n�vel de transmiss�o mais est�vel do coronav�rus no longo prazo.
� isso o que acontece com outras enfermidades que s�o consideradas end�micas, como a dengue, a tuberculose e aids.
"Essas medidas que est�o sendo anunciadas no Brasil e no resto do mundo, portanto, est�o alinhadas primeiramente a uma retomada econ�mica, mas n�o seguem necessariamente a sa�de p�blica", avalia Alves.
"S�o tentativas de mostrar � popula��o que as coisas melhoraram o suficiente para voltar � normalidade. E isso pode se transformar num tiro no p�", critica.
O professor lembra de outras ocasi�es nos �ltimos dois anos em que as previs�es otimistas sobre os rumos da pandemia se mostraram absolutamente equivocadas.
"Falou-se, por exemplo, que atingir�amos a imunidade de rebanho s� com a infec��o natural pelo coronav�rus. E, mesmo com a vacina��o, ainda n�o chegamos nem perto desse cen�rio", diz.

Para o advogado e professor Carlos Lula, presidente do Conass, o relaxamento total das medidas �, no m�nimo, precipitado.
"Assim como tivemos a corrida para ver quem conseguia vacinar antes, temos agora uma disputa para quem vai decretar primeiro o fim da pandemia, com o objetivo de colher os frutos pol�ticos disso", entende.
"E, por mais que exista muita vontade pol�tica por tr�s desses an�ncios, quem deve pautar essa decis�o � a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). � ela que determina quando a pandemia vai terminar, assim como aconteceu em outros epis�dios do passado", complementa Lula, que tamb�m � secret�rio de Sa�de do Maranh�o.
J� Hallal entende que � preciso modular as medidas de acordo com cada momento — entre obrigar e liberar o uso de m�scaras h� uma s�rie de pol�ticas p�blicas que podem ser adotadas a depender do local, das caracter�sticas individuais, do n�mero de vacinas aplicadas…
"Pode ser que, em ambientes abertos, n�o seja mais necess�rio usar m�scara. Agora, num local fechado com pessoas n�o vacinadas ou mais vulner�veis, talvez seja uma lei que ainda precise vigorar por um tempo", explica.
"O que n�o d� pra entender � a falta de crit�rios dos respons�veis pelas pol�ticas p�blicas no Brasil. Em outubro de 2021, antes de a �micron aparecer, t�nhamos uma m�dia di�ria de 200 �bitos e havia obriga��o de usar m�scaras at� em ambientes abertos. Agora estamos com 400 a 500 mortes por dia e eles querem tirar esse equipamento de prote��o", continua o epidemiologista.
"O caminho � esse: conforme os n�meros melhoram, aliviaremos as restri��es e n�o ser� mais obrigat�rio usar m�scara. S� precisamos ter cuidado com as precipita��es", completa.
Mas, se ainda n�o chegamos l�, o que � preciso acontecer para que a covid vire realmente uma endemia?
O fim da crise sanit�ria
Por ora, n�o existe uma defini��o exata entre as institui��es ou os especialistas de quais s�o os requisitos m�nimos para que a covid deixe de ser considerada uma pandemia.
Numa s�rie de postagens no Twitter, o m�dico sanitarista N�sio Fernandes, que � secret�rio de Sa�de do Esp�rito Santo e vice-presidente do Conass, prop�s alguns crit�rios para determinar essa transi��o.
Na vis�o dele, precisar�amos ter pelo menos 90 a 120 dias com baixa incid�ncia de novos casos de covid, sem o surgimento de novas variantes de preocupa��o, uma cobertura vacinal acima de 90% com o esquema completo, um controle na taxa de �bitos, a incorpora��o de medicamentos ao sistema p�blico de sa�de, a manuten��o da capacidade de assist�ncia em sa�de dos Estados e um consenso internacional com organismos multilaterais (como a OMS).
"Lutamos pelo fim da pandemia e ela acabar�, n�o temos d�vidas. [No momento certo,] ser� reconhecido o comportamento end�mico real e viveremos a nossa normalidade p�s-pand�mica", escreveu.

Se considerarmos o cen�rio atual da pandemia, o Brasil parece estar na dire��o desta nova realidade, mas o pa�s ainda n�o alcan�ou a maioria desses requisitos listados por Fernandes.
A incid�ncia de novos casos da doen�a, por exemplo, est� em descenso, mas n�o se estabilizou por um tempo prolongado, como tr�s ou quatro meses, para ser considerada baixa ou est�vel.
Nenhum medicamento aprovado contra a covid-19, como os anticorpos monoclonais e os antivirais, foi incorporado no Sistema �nico de Sa�de (SUS). Muitos deles j� est�o amplamente dispon�veis em outras partes do mundo.
Para completar, embora a taxa de vacina��o do Brasil no geral seja boa, existem alguns Estados com n�meros bem preocupantes, apontam os especialistas.
"Tocantins, Amazonas, Maranh�o e Acre t�m menos de 60% da popula��o vacinada com duas doses. Em Roraima e no Amap�, essa porcentagem ainda n�o chegou aos 50%", calcula Alves.
"E isso sem contar que apenas 31% dos brasileiros tomaram a terceira dose, o que � um n�mero bem baixo", chama a aten��o.
A endemia n�o � o fim
Um outro aspecto que os especialistas fazem quest�o de esclarecer � que, mesmo quando a covid-19 se tornar uma endemia, isso n�o significar� que estaremos 100% livres da doen�a.
"O que muda num cen�rio end�mico � a postura do sistema de sa�de e dos cidad�os. Do ponto de vista individual, � poss�vel relaxar um pouco, pois falamos de doen�as com uma incid�ncia menor e para as quais existem formas de preven��o e tratamento", explica o sanitarista Christovam Barcellos, da Funda��o Oswaldo Cruz (FioCruz).
Do ponto de vista pr�tico, pode ser que o uso de m�scaras continue a ser recomendado em alguns lugares, como no transporte p�blico e nos hospitais. Nessa mesma linha, h�bitos como lavar as m�os constantemente e ficar em casa quando aparecerem sintomas t�picos de infec��o respirat�ria se incorporar�o � rotina de todos.
No sentido oposto, o cuidado maior de alguns grupos vulner�veis, como idosos e imunossuprimidos, tende a ser maior nesse novo cen�rio. E medidas muito r�gidas, como o lockdown e o fechamento total de estabelecimentos e escolas deixam de fazer qualquer sentido.

"J� o sistema de sa�de incorpora aquela doen�a na sua rotina e possui as ferramentas necess�rias para lidar caso a caso", diferencia o especialista, que tamb�m � membro do Observat�rio Covid-19 da FioCruz.
"Ou seja: n�o h� nenhum relaxamento para o sistema de sa�de quando a covid virar uma endemia. Precisaremos, na verdade, de mais recursos para absorver essa demanda e cuidar das pessoas", completa.
Hallal concorda. "Doen�as que est�o nesse est�gio tamb�m demandam controle constante das autoridades."
"N�o � porque entraremos numa endemia que n�o vamos nos preocupar nunca mais com a covid", finaliza o epidemiologista.
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