Publica��es que dizem que a cloroquina � usada desde a gripe espanhola e mostram como “prova” um an�ncio que recomenda um “comprimido de chloro quinino” foram compartilhadas mais de 6,4 mil vezes nas rede sociais desde 19 de agosto de 2020.
“Cloroquina s� � usada desde 1918, o que fizeram foi genoc�dio e algu�m tem de pagar por isso!”, afirmam as publica��es no Facebook (1, 2, 3) acompanhadas pelo an�ncio que diz: “Contra a hespanhola. Comprimido de chloro quinino. Tome 1 ao dia. Especifico infallivel contra a grippe epidemica. Drogaria e Pharmacia Americana. Rua da Bahia N. 1022 Telephone central n. 74”.
A mesma imagem, juntamente com a afirma��o de que a cloroquina tem salvado vidas desde a �poca da gripe espanhola, circulou amplamente tanto no Instagram (1, 2), quanto no Twitter (1, 2, 3).
Muitos usu�rios demonstraram indigna��o pelo fato da cloroquina, ou seu derivado hidroxicloroquina, seguirem sem ser oficialmente recomendadas no tratamento, ou preven��o, da covid-19 por institui��es.
A Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) assinalou ao Checamos em 1º de setembro que “at� o momento n�o h� nenhum medicamento registrado no Brasil com indica��o espec�fica para o tratamento” desta doen�a.
Desde a chegada do novo coronav�rus ao Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem defendido o uso da cloroquina. Em julho, ao anunciar que testou positivo para a covid-19, indicou que estava tomando este medicamento em conjunto com o antibi�tico azitromicina.
Cloroquina desde 1918?
Segundo os sites da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e dos Centros de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos, a gripe espanhola infectou um ter�o da popula��o mundial, deixando mais de 50 milh�es de mortos.
De acordo com a Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), a epidemia chegou ao Brasil em setembro de 1918, quando pessoas infectadas desembarcaram do navio “Demerara”, sa�do de Lisboa, em Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Em algumas semanas, come�aram a ser registrados casos da gripe em outras cidades da regi�o nordeste e em S�o Paulo.
Segundo o site da Fiocruz, durante a gripe espanhola houve uma s�rie de receitas (1, 2) para evitar, ou tratar, a doen�a: “pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso para evitar o cont�gio e desinfetar o ar. [...] Sal de quinino, rem�dio usado no tratamento da mal�ria e muito popular na �poca, passou a ser distribu�do � popula��o, mesmo sem qualquer comprova��o cient�fica de sua efici�ncia contra o v�rus da gripe”.
A cloroquina, no entanto, n�o poderia ter sido usada durante a pandemia de gripe espanhola j� que ela foi sintetizada em 1934, 16 anos depois, como indicou Flavio Emery, presidente da Associa��o Brasileira de Ci�ncias Farmac�uticas.
A assessoria de imprensa do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) afirmou ao Checamos, por sua vez, que a cloroquina, usada no tratamento da mal�ria, � “um composto que entrou no mercado no in�cio dos anos 1950, sendo as primeiras patentes [no Brasil] dos anos 1940”.
A hidroxicloroquina, derivada da cloroquina, mas menos t�xica, est� no mercado pelo menos desde 1955, e tem sido usada para tratar enfermidades como mal�ria, l�pus e artrite reumatoide.

“Chloro quinino” = cloroquina?
Emery destacou que n�o � poss�vel relacionar o “chloro quinino”, cujo nome correto � cloridrato de quinina, com a cloroquina, pois “a quinina � natural e a cloroquina � totalmente sint�tica, � um outro composto”.
No mesmo sentido indicou � equipe de checagem da AFP, em mar�o deste ano, a pediatra e pesquisadora da Uganda Jane Achan, autora de estudos acad�micos (1 e 2) sobre tratamentos contra a mal�ria: “a quinina e outros derivados da �rvore de cinchona [Cinchona officinalis] s�o componentes org�nicos, que prov�m de sua casca, enquanto a cloroquina � um composto antimal�rico sint�tico”.
O presidente da Associa��o Brasileira de Ci�ncias Farmac�uticas explicou que o cloridrato de quinina � um tipo de sal de quinina. Elas diferem na especificidade da nomenclatura, mas a sua forma de obten��o � a mesma e n�o h� qualquer modifica��o na estrutura qu�mica.
Embora os nomes “chloro quinino” e “cloroquina” realmente se pare�am, isso se deu pela raz�o de, quimicamente, terem “um padr�o estrutural muito semelhante” cuja base � a raiz da palavra: “a quina, que tem a ver com uma parte da estrutura que � igual, tanto na quinina quanto na cloroquina”.
A pesquisadora ugandense concordou: tanto a quinina quanto a cloroquina “s�o membros das quinolinas, compartilham as mesmas estruturas qu�micas”.
Embora a quinina e a cloroquina sejam antimal�ricos, Emery destaca que existem “diferen�as suficientes para dizer que os compostos atuam de formas diferentes, que t�m propriedades farmacol�gicas diferentes”.
Um artigo sobre a hist�ria dos tratamentos contra a mal�ria, publicado pelo MMV, um cons�rcio de acad�micos e farmac�uticos para a pesquisa m�dica contra a mal�ria, detalha que dois qu�micos franceses isolaram, em 1820, a quinina que conseguiram extrair da quina e a converteram no tratamento de refer�ncia. Contudo, em 1934, cientistas alem�es criaram um substituto sint�tico: a cloroquina.
O an�ncio da drogaria
Uma busca na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional n�o mostrou nenhum an�ncio igual ao da imagem viralizada, ou outro que mencionasse a utiliza��o do “chloro quinino”, mas permitiu identificar que a farm�cia mencionada ficava em Belo Horizonte.
A equipe do Checamos entrou em contato com a Biblioteca Nacional, que igualmente n�o pode localizar o recorte no acervo digitalizado. Foi poss�vel encontrar, contudo, artigos indicando que o governo interveio, por exemplo, no aumento do pre�o da quinina.
Uma segunda pesquisa, dessa vez pelas palavras-chave “comprimido + chloro quinino”, levou a um texto publicado em 15 de agosto de 2020 na coluna do jornalista Ancelmo Gois no site do jornal O Globo. O artigo, no qual h� a foto do mesmo an�ncio sobre o chloro quinino viralizado nas redes sociais, fala sobre o lan�amento do livro “A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil”, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling.

O Checamos entrou em contato com a historiadora Heloisa Starling, que explicou que o an�ncio n�o estava “dispon�vel em meio digital”, apenas por meio de busca presencial no arquivo da Hemeroteca de Minas Gerais, permitindo-a chegar � origem do jornal.
O peri�dico em quest�o se chamava “Minas Geraes” e, segundo Starling, a edi��o era a de 3 de novembro de 1918. “O an�ncio est� na p�gina 8. Ali�s � uma p�gina s� de an�ncios. � de uma drogaria mineira interessada em ganhar dinheiro com a epidemia de gripe espanhola em 1918”, contou.
Ao Checamos, a historiadora cedeu uma c�pia digitalizada da p�gina onde est� a propaganda do “chloro quinino”, al�m de outros “rem�dios” contra a gripe espanhola, como o “‘neo-tonico Rodrigues’, que d� for�a e garante uma convalecen�a r�pida e efficaz” e “uma garrafa do ‘Cognac de Ameixas’ e uma dita de agua Syph�o”.
O presidente da Associa��o Brasileira de Ci�ncias Farmac�uticas ainda apontou que essas campanhas publicit�rias eram tentativas de “vender uma op��o de tratamento que, na verdade, n�o tinha nenhum fundamento”.
Artigos escritos sobre a situa��o vivida durante a gripe espanhola abordam a indica��o da quinina (1, 2) como tratamento da doen�a na �poca, mas mencionam que n�o havia qualquer tipo de comprova��o, ou confirma��o da exist�ncia de medicamentos (3) que pudessem trat�-la.
Para al�m deste fator, Emery indica que a gripe espanhola e a covid-19 s�o doen�as distintas, causadas por v�rus diferentes - H1N1 e SARS-CoV-2, respectivamente. “N�o necessariamente o que funcionou para um - que no caso n�o funcionou -, funcionaria para outro”.
Em resumo, � falso que a cloroquina seja usada desde 1918, j� que este medicamento foi sintetizado somente em 1934. O “chloro quinino”, cujo nome correto � cloridrato de quinina, � uma subst�ncia natural e n�o h� comprova��o de que tenha sido eficaz contra a gripe espanhola. Atualmente tamb�m n�o h� unanimidade sobre a efic�cia da cloroquina contra a covid-19.
Esta verifica��o foi realizada com base em informa��es cient�ficas e oficiais sobre o novo coronav�rus dispon�veis na data desta publica��o.
Leia mais sobre a COVID-19
- Vacinas contra COVID-19 usadas no Brasil e suas diferen�as
- Minas Gerais tem 10 vacinas em pesquisa nas universidades
- Entenda as regras de prote��o contra as novas cepas
- Como funciona o 'passaporte de vacina��o'?
- Os protocolos para a volta �s aulas em BH
- Pandemia, endemia, epidemia ou surto: entenda a diferen�a
- Quais os sintomas do coronav�rus?