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Estado de Minas CHECAMOS

Pesquisa na Cidade do M�xico n�o prova redu��o nas interna��es por covid pelo uso de ivermectina

Al�m disso, o estudo n�o � um ensaio cl�nico, mas foi feito por meio de consulta a bancos de dados


24/05/2021 20:27 - atualizado 25/05/2021 08:53


Captura de tela feita em 21 de maio de 2021 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 21 de maio de 2021 de uma publica��o no Facebook


Um estudo que mostraria que a ivermectina reduziu em at� 76% o n�mero de hospitaliza��es entre casos de covid-19 na Cidade do M�xico foi compartilhado mais de 52 mil vezes nas redes sociais desde meados de maio.
A pesquisa foi divulgada pelo governo da capital mexicana em 15 de maio, mas n�o comprova a seguran�a e a efic�cia do uso do verm�fugo contra o novo coronav�rus. Os dados s�o preliminares e n�o foram revisados e validados por outros cientistas.

 

Al�m disso, o estudo n�o � um ensaio cl�nico, mas foi feito por meio de consulta a bancos de dados, buscando medir os resultados da entrega de um kit composto por tr�s medicamentos, e n�o somente da ivermectina.


“� um crime negar tratamento precoce”, diz uma das publica��es compartilhadas no Facebook (1, 2, 3), no Instagram (1, 2, 3)  e no Twitter (1, 2, 3). 

Pr�-publica��o do governo mexicano

Em 14 de maio, o governo da Cidade do M�xico convocou uma coletiva de imprensa para apresentar os resultados de uma pesquisa sobre o uso da ivermectina contra a covid-19. Essas informa��es foram divulgadas, no dia seguinte, no site oficial do governo em um texto intitulado “Ivermectina e a probabilidade de hospitaliza��o por covid-19”.

 

De acordo com o documento, pesquisadores ligados ao governo teriam identificado uma “redu��o significativa” na chance de hospitaliza��o entre pacientes que receberam um kit m�dico baseado em ivermectina. Esse efeito variou entre 52% e 76% dependendo do modelo de an�lise, diz o texto — que defende a continuidade da distribui��o da droga no sistema de sa�de contra a covid-19, mesmo sem efic�cia e seguran�a comprovadas cientificamente.

 

A pesquisa est� dispon�vel em formato de pr�-publica��o (quando os pesquisadores divulgam os artigos mesmo sem terem sido avaliados por outros especialistas ou publicados em revistas cient�ficas) em uma plataforma chamada SocArXiv Papers. Isso permite que os resultados sejam difundidos mais rapidamente na �rea, mas tamb�m exige cautela na sua leitura e os resultados n�o devem ser tomados como definitivos.

 

A pesquisa � assinada pelo chefe da Ag�ncia Digital de Inova��o P�blica do M�xico, Jos� Merino; por um diretor do Instituto Mexicano de Seguridade Social, Victor Hugo Borja; pela titular da Secretaria de Sa�de da Cidade do M�xico, Oliva L�pez Arellano, pelo diretor da pasta, Jos� Alfredo Ochoa, e por outros tr�s funcion�rios da ag�ncia de inova��o.

 

A publica��o repercutiu no Brasil a partir de uma publica��o da r�dio Jovem Pan. Depois, a informa��o foi replicada por pol�ticos e p�ginas alinhadas com o governo federal nas redes sociais, em defesa do chamado “tratamento precoce”.

Captura de tela feita em 21 de maio de 2021 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 21 de maio de 2021 de uma publica��o no Facebook

O que diz o estudo

A pesquisa divulgada pelo governo da Cidade do M�xico � uma an�lise retrospectiva de dados sobre uma pol�tica p�blica controversa no pa�s. Segundo o artigo, a cidade conta com cerca de 230 unidades m�veis conhecidas como “quiosques”, respons�veis por atender casos suspeitos de covid-19 fora do ambiente hospitalar, incluindo a realiza��o de testes de ant�genos, entrega de kits m�dicos e monitoramento posterior por contato telef�nico, atrav�s de um call center conhecido como Locatel.

 

A partir de 28 de dezembro de 2020, come�aram a ser fornecidos kits m�dicos na cidade a pacientes com casos leves e moderados da doen�a. Segundo o artigo, esses kits continham ivermectina (quatro comprimidos para dois dias), �cido acetilsalic�lico (conhecido popularmente como aspirina, para 14 dias) e paracetamol (10 comprimidos para o caso de sintomas). Teriam sido entregues 83 mil kits em um m�s.

 

Um jornal local informou que tamb�m estavam sendo entregues junto ao conjunto de rem�dios o antibi�tico azitromicina e equipamentos de apoio, como m�scaras para os pacientes e seus familiares, �lcool em gel e ox�metro, aparelho que mede o n�vel de oxig�nio no sangue e � indicado para acompanhamento de doentes em cuidados domiciliares. Essa informa��o n�o � mencionada no artigo do governo da Cidade do M�xico. 

 

Os autores da pesquisa fizeram uma an�lise estat�stica a partir de tr�s fontes diferentes. Eles pegaram o total de casos reportados entre 23 de novembro de 2020 a 28 de janeiro de 2021, os registros de internados em hospitais p�blicos at� 8 de fevereiro de 2021 e as entradas no sistema de acompanhamento do Locatel. Esses dados foram cruzados por meio do c�digo de identidade das pessoas atendidas.

 

Para avaliar o impacto do kit m�dico, eles presumiram primeiro que todas as pessoas que testaram positivo e tiveram sintomas nos 30 dias depois da data de implementa��o do programa, em 28 de dezembro, receberam e usaram os rem�dios (77.381 casos). Eles compararam ent�o com o resultado das pessoas testadas entre 23 de novembro e o in�cio do programa, que n�o receberam as drogas nos postos de sa�de (156.468 pessoas).

 

Os dados ent�o foram equiparados por um modelo estat�stico. A pesquisa separou os casos pelo desfecho da hospitaliza��o, a disponibilidade do tratamento e por algumas caracter�sticas, como sexo, idade e comorbidades.

 

Segundo o levantamento final, foram identificadas 311 hospitaliza��es no grupo ativo (0,4%), que teriam recebido e usado os rem�dios, contra 1.884 (1,21%) no grupo controle, que n�o teriam passado pela interven��o.

 

Os registros do Locatel serviram para construir uma segunda planilha, em que foram contabilizadas as pessoas que informaram ao servi�o de acompanhamento telef�nico terem recebido o kit de rem�dios (18.074 pessoas) e aquelas que declararam n�o ter recebido (57.598 pessoas). O objetivo era verificar se a rela��o entre os dados se mantinha dessa maneira, o que os autores afirmaram ter acontecido.

 

“Em todas as especifica��es, encontramos um efeito negativo significativo do kit m�dico baseado em ivermectina na probabilidade de hospitaliza��o entre os pacientes que o receberam versus aqueles que n�o receberam”, afirma o artigo. “Dependendo da sub-amostra, o efeito varia entre 50% e 76% de diferen�a de chance de hospitaliza��o entre pacientes tratados e n�o tratados, estatisticamente significante em todos os casos”

Cr�ticas ao artigo

O estudo tem recebido cr�ticas quanto ao m�todo de avalia��o e � conclus�o apresentada. Um dos principais questionamentos � sobre a atribui��o do resultado ao rem�dio ivermectina, quando na realidade os kits continham tr�s medicamentos pelas informa��es do pr�prio artigo, al�m de equipamentos de apoio e outras orienta��es b�sicas de sa�de.

 

Al�m disso, a pesquisa n�o � capaz de determinar se as pessoas efetivamente usaram as medica��es, se tomaram no per�odo correto e se receberam drogas adicionais para o tratamento dos sintomas. O mesmo vale para o grupo controle, que os autores do estudo assumem que n�o usou o trio de rem�dios apenas porque n�o recebeu o kit nos postos de atendimento. Em outras palavras, n�o se pode estabelecer uma rela��o de causalidade entre o uso de ivermectina isolado e a suposta baixa nas interna��es.

 

O pesquisador Omar Yaxmehen Bello-Chavolla, especialista em estat�stica aplicada do Instituto Nacional de Geriatria da Cidade do M�xico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Aut�noma do M�xico (Unam), apontou ainda uma s�rie de problemas metodol�gicos na pesquisa em um fio no Twitter. Ele sustenta que os dois per�odos de coleta de dados n�o s�o compar�veis e podem ter influenciado nos resultados, ainda que os autores tenham tentando mitigar esse efeito atrav�s de modelagem estat�stica.

 

O motivo � que, antes do in�cio do fornecimento do kit, o n�mero de hospitaliza��es di�rias era menor na Cidade do M�xico, relata Bello-Chavolla. Diante da maior ocupa��o nos hospitais na �poca da interven��o, os crit�rios adotados pelos m�dicos para admitir novos pacientes podem ter sido mais rigorosos. “Satura��o hospitalar reduz a probabilidade de hospitaliza��o de casos leves”, pondera.

 

O pesquisador reproduziu uma das an�lises estat�sticas mencionadas pelo estudo em cima dos dados disponibilizados no GitHub e encontrou outros problemas. Ele identificou, por exemplo, que 56% dos casos foram eliminados da amostra por n�o conterem dados sobre entrega ou n�o do kit e, nestes, havia 959 casos com registro de hospitaliza��o. Esse fato demonstra que os autores n�o definiram previamente como a pesquisa seria feita.

 

A amostra contabilizada no estudo foi de 57.581 casos sem kit contendo 673 internados, contra 18.074 casos com kit e 56 internados. Nesse ponto, a diferen�a entre caracter�sticas dos grupos no momento do matching (por sexo, idade e comorbidades) sugere a exist�ncia de fatores confundidores pr�vios, segundo o cientista, o que coloca em d�vida a qualidade da compara��o.

 

Consultado pelo Comprova - projeto de verifica��o colaborativa do qual o AFP Checamos faz parte - Max Igor Lopes, infectologista do Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (USP), disse que o resultado do estudo “chama a aten��o”, mas destaca a presen�a de limita��es importantes, como a presen�a de tr�s rem�dios no kit m�dico e a falta de garantias de que os grupos n�o passaram por outro tipo de interven��o no per�odo analisado.

 

“Voc� n�o consegue falar que � a ivermectina, porque a estrat�gia era ivermectina e AAS (e paracetamol). E eles n�o avaliaram se quem eventualmente ia para a linha de rem�dio n�o fazia uso de outras medica��es com mais facilidade. �s vezes, quem est� mais propenso a tomar um rem�dio tamb�m toma outros”

 

Lopes esclarece que o estudo n�o � suficiente para comprovar efic�cia do verm�fugo contra a covid-19. “Voc� n�o consegue ter, em um estudo populacional, o controle das vari�veis. Toda vez que analisar a popula��o, voc� vai ter esse tipo de vi�s”, aponta. Ele tamb�m ressalta que os dados ainda n�o foram endossados por outros cientistas. “Para ter validade, precisa ser mais bem discutido, publicado de verdade em uma revista cient�fica. � um sinal positivo, mas ainda precisamos entender qual o real benef�cio de cada droga que foi utilizada”.

 

Tamb�m procurado pelo Comprova, Alexandre Zavascki, infectologista do Hospital de Cl�nicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) afirmou encarar o estudo com “ceticismo total”. Ele contesta o fato de os autores apresentarem a pesquisa como um quase-experimento. “O quase experimento � um ensaio cl�nico em que se apresenta uma interven��o ao paciente, s� que o seu controle [grupo para fins de compara��o que n�o recebe a interven��o] normalmente � hist�rico. Esse � o desenho cl�ssico. Eles teriam que ter convocado pacientes e dito que eles entrariam em um estudo, que iriam aplicar a ivermectina para ver o desfecho”.

 

Mas, para Zavascki, n�o � o caso desse estudo. “N�o tem nenhum crit�rio para avaliar se os pacientes realmente tomaram aquilo, em que momento eles tomaram, n�o tem avalia��o de efeito adverso. N�o � uma pesquisa de excel�ncia, um estudo s�rio, pelo menos da forma como est� apresentado. E colocam ainda no in�cio do segundo par�grafo da discuss�o que seria um ‘grande ensaio de interven��o n�o randomizado’. N�o � um ensaio, eles pegaram uma base de dados”.

 

O professor da UFRGS entende ainda que faltou transpar�ncia na apresenta��o dos m�todos e dos resultados no artigo, como quando os autores dizem ter pareado os casos por meio de um m�todo computacional e balanceado vari�veis para checar a exist�ncia de fatores de confus�o na amostra. “Em pesquisa cient�fica, n�o basta citar o m�todo, precisa mostrar como fez aquela sele��o, aquele controle das vari�veis”

 

Outro aspecto apontado � que os pesquisadores n�o mencionam a aprova��o por um comit� de �tica, necess�ria para o teste de qualquer terapia m�dica em humanos.

Ivermectina

A ivermectina � um medicamento recomendado para o tratamento de doen�as causadas por parasitas, como sarna e piolho, segundo registros do bul�rio eletr�nico da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa). O f�rmaco entrou no panorama da covid-19 depois que uma pesquisa na Austr�lia identificou que a droga era capaz de eliminar o novo coronav�rus in vitro, ou seja, em uma cultura de c�lulas em laborat�rio.

 

Uma mulher passa por um cartaz de aviso de uma área de alto risco de contágio de covid-19 na Cidade do México em 27 de abril de 2020 (Alfredo Estrella / AFP)
Uma mulher passa por um cartaz de aviso de uma �rea de alto risco de cont�gio de covid-19 na Cidade do M�xico em 27 de abril de 2020 (Alfredo Estrella / AFP)
 

A professora do Departamento de Farm�cia da Universidade de Bras�lia (UnB), Djane Braz, lembra que esse tipo de resultado in vitro n�o garante que o rem�dio funcione nos seres humanos. “Existe um princ�pio b�sico da a��o de qualquer f�rmaco no nosso organismo, chamado de farmacocin�tica”, explica. “� estudar o que o nosso corpo faz com um f�rmaco, como ele � absorvido e chega at� o local onde ele deve fazer o efeito esperado. Para que qualquer f�rmaco tenha efeito � preciso que ele chegue no local de a��o e na dose certa”.

 

No caso da ivermectina, a quest�o � saber se a dose que as pessoas ingerem � suficiente para que chegue ao pulm�o e demonstre efeito antiviral sobre o SARS-CoV-2. “Respondendo a essa quest�o, j� foram publicados dois artigos [1, 2] mostrando que a dose m�xima j� testada nos seres humanos n�o atinge a dose necess�ria para ter efeito antiviral”, relata. “Mesmo usando uma dose 10 vezes maior do que a aprovada hoje para tratar verminoses, n�o conseguimos chegar na dose necess�ria para ter efeito antiviral nos pulm�es”.

 

Braz acredita que a dose utilizada no kit analisado pelo estudo mexicano provavelmente n�o produziu efeitos adversos significativos, como anunciaram as autoridades porque a dosagem se assemelha com aquelas recomendadas para tratar verminoses. “O problema � que temos visto um uso indiscriminado deste f�rmaco, com o objetivo de preven��o da covid-19, com pessoas utilizando ivermectina a cada 15 dias. Este sim pode causar toxicidade. No tratamento antiparasit�rio, as doses s�o anuais, e n�o quinzenais”, alerta.

 

Existem diversos estudos cl�nicos em pacientes com covid-19 avaliando a efic�cia e a seguran�a do tratamento com ivermectina atualmente. Os principais �rg�os mundiais de sa�de n�o recomendam a utiliza��o da droga fora desse tipo de pesquisa. � o caso da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e da Organiza��o Pan-Americana de Sa�de (Opas), por exemplo. A Administra��o de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e a Ag�ncia Europeia de Medicamentos (EMA) tamb�m contraindicam a utiliza��o do rem�dio para a covid-19 fora de ensaios cl�nicos randomizados.

 

No Brasil, o chamado “tratamento precoce”, que inclui a ivermectina, foi repudiado por entidades m�dicas. A atualiza��o mais recente da Anvisa, publicada em julho do ano passado, diz que “n�o existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da covid-19, bem como n�o existem estudos que refutem esse uso”.

 

O AFP Checamos verificou outros conte�dos (1, 2) sobre a suposta efic�cia da ivermectina que circularam nas redes sociais em meio � pandemia. 

O M�xico soma mais de 220.800 mortes desde o in�cio da pandemia. Com esses n�meros, o pa�s ocupa o 15º lugar no mundo em n�mero de infec��es e o quarto como o pa�s com mais mortes por pandemia, atr�s de Estados Unidos, Brasil e �ndia, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

 

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Estad�o e do Correio. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.


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