postado em 12/07/2020 11:56 / atualizado em 12/07/2020 12:06
Av� e netos do cl� Kalderash durante pandemia, no Rio de Janeiro (foto: Arquivo/AMSK Brasil)
Conhecidos pela grande habilidade e desenvoltura comercial, os ciganos t�m sofrido com a impossibilidade de venderem seus produtos. Grande parte trabalha com venda e troca de diferentes tipos de produtos e utens�lios, mas foi necess�rio paralisar as atividades em meio � pandemia do novo coronav�rus. Sem alternativas de renda, muitas fam�lias t�m dependido da assist�ncia do poder p�blico e de doa��es, mas que n�o chegam a todos. � o caso da comunidade de ciganos que vive em Sousa, no sert�o da Para�ba, uma das maiores do pa�s, com mais de 450 fam�lias, e tamb�m uma das mais vulner�veis.
"Historicamente, n�s ciganos sempre encontramos muitas dificuldades para conseguir emprego, por isso a troca e a venda s�o t�o importantes, mas desde o in�cio da quarentena deixamos de trabalhar", afirma Francisco Bozzano, um dos l�deres ciganos em Sousa. Apesar de o acampamento n�o ficar na �rea urbana do munic�pio, a chegada do novo coronav�rus deixou a comunidade apreensiva. "A gente passou a deixar s� uma pessoa ir at� a cidade para comprar algo, para evitar ao m�ximo o cont�gio. Sabemos que se algu�m pegar esse v�rus, n�o vamos ter muito acesso � sa�de e essa pessoa pode morrer", diz Bozzano, que reclama do posto de sa�de que n�o tem m�dico e da dificuldade de obter o aux�lio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo federal. Como l�der de uma extensa fam�lia, Bozzano tentou inscrever as pessoas no programa, mas nem todos conseguiram se cadastrar ou tiveram o benef�cio concedido.
Marca da campanha da Associa��o Mayl� Sara Kal� com os dizeres "Homens e Mulheres, crian�as, fiquem em casa", em roman�s. (foto: Arquivo/AMSK Brasil)
De acordo com dados do Minist�rio da Cidadania, 5.604 fam�lias ciganas est�o inscritas no programa Bolsa Fam�lia. Elas passaram a receber o aux�lio emergencial durante a pandemia, mas o governo ainda n�o tem dados sobre os demais ciganos que conseguiram obter o benef�cio a partir do cadastro como trabalhadores informais, realidade da grande maioria. "Foi solicitado � Secretaria Especial do Desenvolvimento Social do Minist�rio da Cidadania, em 20 de maio de 2020, as informa��es dispon�veis sobre o acesso dos povos e comunidades tradicionais ao aux�lio emergencial, sobre o total de beneficiados, casos em an�lise e casos n�o deferidos", informou a Secretaria Nacional de Pol�ticas de Promo��o da Igualdade Racial (SNPIR) do Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos (MMFDH), em nota enviada � reportagem.
Dados
Um dos principais desafios para lidar com a situa��o dos ciganos na pandemia � a falta de dados. N�o se sabe ao certo o tamanho dessa popula��o no Brasil nem sua distribui��o geogr�fica. O �nico dado oficial come�ou a ser coletado em 2011, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) concluiu um levantamento sobre a exist�ncia de acampamentos ciganos em 291 munic�pios de 21 estados. No entanto, o levantamento � impreciso, j� que s� foram contabilizadas as prefeituras que responderam � pesquisa. Al�m disso, a maioria dos ciganos no pa�s n�o est� mais localizada em acampamentos e muitos j� se fixaram em �reas urbanas, constituindo em bairros inteiros onde praticamente s� vivem ciganos, j� que a cultura de viver em proximidade � muito forte entre eles.
"O IBGE s� contabiliza acampamento, e acampamento � o m�nimo. Voc� s� pode conduzir pol�tica p�blica s�ria no pa�s � se voc� tiver dados e n�meros", afirma Elisa Costa, diretora da Associa��o Internacional Mayl� Sara Kal� (AMSK), uma entidade sem fins lucrativos, com sede em Bras�lia, que atua na divulga��o da cultura cigana e na defesa dos direitos humanos dessa popula��o tradicional.
"Outro imenso problema � que, como parte dos ciganos mant�m uma mobilidade, eles n�o costumam ter registro de nascimento de seus filhos, a partir de quando grande parte dos ciganos n�o tem nem exist�ncia jur�dica. Os que t�m, muitas vezes n�o conseguem ter os demais registros, como CPF [Cadastro de Pessoa F�sica], carteira de identidade. Quando chega uma pandemia, encontra um grupo j� fragilizado economicamente, civilmente, juridicamente, n�o consegue estar no Cadastro �nico de programas sociais do governo, ent�o a crise cai sobre a cabe�a dos ciganos de uma maneira mais dolorosa", afirma Luciano Mariz, subprocurador-geral da Rep�blica, considerado um dos precursores da causa cigana no Minist�rio P�blico Federal (MPF), �rg�o que tem sido importante no reconhecimento e na garantia de direitos dessa popula��o.
Segundo a Secretaria Nacional de Pol�ticas de Promo��o da Igualdade Racial, o IBGE far� um censo populacional dos ciganos, mas ainda n�o h� data definida. "A SNPIR trabalha junto ao IBGE para a constru��o deste trabalho com a realiza��o de semin�rios para aprimoramento dos mecanismos de pesquisa do instituto junto �s institui��es representativas", informou o �rg�o.
Da di�spora ao reconhecimento
(foto: Arquivo Ag�ncia Brasil)
A teoria mais aceita entre os estudiosos � que os ciganos t�m origem na �ndia, a partir de uma dissid�ncia de castas no pa�s asi�tico, h� cerca de mil anos, que fez com que o grupo se espalhasse primeiro pela Europa e depois para o resto do mundo (di�spora). No Brasil, acredita-se que os primeiros ciganos chegaram em 1574 ou um pouco antes, segundo registros dos padres jesu�tas. H� tr�s etnias mais importantes: os Calon, grande maioria no pa�s, oriundos da Espanha e Portugal, os Rom, com origem na Rom�nia, Turquia e Gr�cia, e os Sinti, que vieram principalmente da Alemanha e da Fran�a.
A persegui��o constante estimulou o car�ter n�made do povo cigano e desenvolveu sua caracter�stica mercantil, mas tamb�m fez com que uma s�rie de mitos, preconceitos e estere�tipos fossem associados � comunidade. "As sociedades locais na Europa e nas Am�ricas atribu�am qualquer tipo de aberra��o a esse grupo de forasteiros para eles irem embora, foi a� que se formou um imagin�rio. Como se fosse tra�o cultural, passou-se a acreditar que ciganos roubam crian�as, que s�o ladr�es, mas isso foi atribu�do ao nosso povo por pessoas que n�o queriam que a gente ficasse no mesmo local que eles", conta Anne Khelen, de Macei� (AL), uma cigana descendente dos Louvara, um sub-cl� dos Rom.
A primeira legisla��o a mencionar a presen�a cigana no Brasil s� foi editada na d�cada de 1930, no governo Get�lio Vargas, mas com o objetivo de proibir a entrada dessa popula��o no pa�s. Nas d�cadas seguintes, os ciganos permaneceram na invisibilidade e sobreviveram, no plano internacional, at� mesmo ao nazismo, quando a persegui��o de Adolf Hitler na Alemanha do final da d�cada de 1930, durante o Terceiro Reich, resultou no holocausto de cerca de 1 milh�o de ciganos.
Em territ�rio brasileiro, os ciganos s� passaram a ter um reconhecimento p�blico mais vis�vel no final da d�cada de 1990, durante as primeiras discuss�es �tnico-raciais no plano nacional de direitos humanos. Mas a agenda passou a ganhar mais impulso a partir de 2003, com a cria��o da Secretaria Especial de Promo��o da Igualdade Racial, com status de minist�rio. Em 2006, um decreto criou o Dia Nacional do Cigano, celebrado em 24 de maio. Em 2011, o Minist�rio da Sa�de editou a Portaria 940, que dispensou a apresenta��o de comprovante de resid�ncia para ciganos itinerantes obterem o cart�o do Sistema �nico de Sa�de (SUS). No ano seguinte, o Minist�rio da Educa��o publicou uma resolu��o para assegurar �s crian�as, adolescentes e jovens em situa��o de itiner�ncia o direito � matr�cula em escola p�blica, outra demanda dos ciganos. Na pr�tica, no entanto, muitos ciganos reclamam que as medidas n�o s�o cumpridas na ponta. "S�o pol�ticas ainda insuficientes, mas come�ou a mover o poder p�blico", afirma Igor Shimura, presidente da Associa��o Social de Apoio Integral aos Ciganos (Asaic).
A expectativa agora � que o governo avance numa agenda mais ampla de garantia de direitos, mas tamb�m da sua promo��o. Al�m do Plano Nacional do Cigano, que est� em constru��o no �mbito do Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que cria o Estatuto do Cigano, que prev� um conjunto de pol�ticas p�blicas na �rea de sa�de, educa��o e cultura para o povo cigano e pode representar um passo importante para tirar essa popula��o da invisibilidade hist�rica. Se aprovado, o estatuto vai assegurar a obrigatoriedade do ensino da hist�ria geral da popula��o cigana nas escolas, a preserva��o das l�nguas tradicionais e do patrim�nio cultural cigano.
"A gente vive numa sociedade que odeia ou obriga a comunidade cigana a se estereotipar. Se eu n�o uso dente de ouro, saia, roupas coloridas, n�o sou cigano, isso � muito doloroso. Muitas fam�lias preferem simplesmente anular isso, anular essa ancestralidade, mas a� quando a gente vai estudar e pesquisar, a gente se reconhece, por isso � importante dar a esse cigano o direito de conhecer a pr�pria hist�ria e se reconhecer nela. Acho que pouco a pouco temos avan�ado, sou otimista", afirma Anne Khelen.
O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte. V�deo: Por que voc� n�o deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.