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Estado de Minas ESTAT�STICAS

'N�o se veem brancos espancados em supermercados', diz advogado sobre homic�dio no Carrefour

Doutor em Direito, Thiago Amparo, falou sobre as poss�veis repercuss�es jur�dicas do assassinato de Jo�o Alberto, ocorrido na v�spera do dia da Consci�ncia Negra


21/11/2020 18:47 - atualizado 21/11/2020 21:45

Porta do supermercado Carrefour do bairro Floresta, em BH, foi pintada de vermelho, simbolizando o sangue de João Alberto, espancado até a morte em Porto Alegre na véspera do dia da Consciência Negra(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Porta do supermercado Carrefour do bairro Floresta, em BH, foi pintada de vermelho, simbolizando o sangue de Jo�o Alberto, espancado at� a morte em Porto Alegre na v�spera do dia da Consci�ncia Negra (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
O dia da Consci�ncia Negra de 2020 ficar� ainda mais marcado em 2020 por causa da morte de Jo�o Alberto Silveira Freitas, ocorrida na v�spera, mas que reverberou durante todo o dia 20 de novembro. O homem negro foi espancado e asfixiado at� a morte pelo policial militar Giovane Gaspar da Silva e pelo seguran�a Magno Braz Borges – ambos brancos – no estacionamento de uma unidade do supermercado Carrefour de Porto Alegre.

Assassinatos contra negros s�o estatisticamente superiores aos praticados contra outras etnias, o que escancara a exist�ncia do racismo no Brasil. “N�o se vislumbra jovens brancos espancados at� a morte em supermercados. Ent�o, o componente racial ï¿½ algo importante nesse crime, e deveria ser considerado”, afirma Thiago Amparo, advogado e secret�rio-adjunto de Direitos Humanos e Cidadania na Prefeitura de S�o Paulo, em entrevista ao Estado de Minas.

Segundo o Atlas da Viol�ncia 2020, negros (soma de pretos e pardos, de acordo com a classifica��o adotada pelo IBGE) representam 75,7% das v�timas de homic�dios no Brasil. Homic�dios contra negros subiram 11,5% entre 2008 e 2018, enquanto os assassinatos de pessoas de outras etnias ca�ram 12,9%.

Apesar do vice-presidente Hamilton Mour�o ter declarado nessa sexta-feira, que “no Brasil n�o existe racismo”, os n�meros mostram o contr�rio. De acordo com o supracitado Atlas, 120 negros s�o assassinados por dia no Brasil.

O estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Ra�a no Brasil, do IBGE, mostra que no mercado de trabalho, 68,6% dos cargos de ger�ncia s�o ocupados por brancos, contra 29,9% preenchidos por pretos e pardos. Entre as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza (com menos de 5,50 d�lares, ou R$29,59 por dia), 15,4% s�o brancos e 32,9% s�o negros. A taxa de analfabetismo entre brancos � de 3,9%, enquanto a de negros � de 9,1%. Entre os deputados federais eleitos em 2018, 75,6% se autodeclaram brancos e 24% se consideram pretos e pardos.

A morte de Jo�o Alberto causou uma onda de manifesta��es por todo o Brasil e declara��es de solidariedade de diversas autoridades. Ministros do STF, os presidentes da C�mara dos Deputados e do Senado Federal, o governador do Rio Grande do Sul, o prefeito de Porto Alegre, entre outros, lamentaram o caso e ressaltaram a necessidade de se combater o racismo estrutural no Brasil.

Na contram�o, a delegada Roberta Bertoldo, respons�vel pelo caso, disse em entrevista � Folha de S. Paulo, que ainda n�o era poss�vel definir se o crime teve motiva��o racista. O posicionamento da policial foi citado por Thiago Amparo durante a entrevista.

“� interessante, quando aqueles que deveriam investigar t�m um ju�zo de valor t�o contundente, antes mesmo da investiga��o ser iniciada. Isso � sintom�tico de um sistema policial e de Justi�a que n�o v� racismo em nada mesmo quando ele est� bem � sua frente”, afirmou.

Na entrevista, al�m das poss�veis repercuss�es jur�dicas do homic�dio ocorrido no Carrefour, Amparo apresentou suas impress�es e perspectivas pessoais sobre o caso. Como homem negro e, portanto pertencente ao grupo mais vulner�vel � viol�ncia, conforme demonstram as estat�sticas, o advogado se mostra, em certa medida, esperan�oso de uma melhora no quadro nacional.

“Se a classe pol�tica parar de emitir notas de rep�dio e efetivamente tomar medidas concretas, � poss�vel reverter esse genoc�dio negro. E � poss�vel a gente come�ar hoje fazendo isso”, declara.

Graduado em Direito pela PUC-SP, o advogado Thiago Amparo � professor da Funda��o Get�lio Vargas, mestre em direitos humanos pela Central European University (Budapeste, Hungria) e doutor pela mesma universidade. Foi pesquisador visitante na Universidade de Columbia (Nova Iorque, Estados Unidos). � especialista em direito constitucional, pol�ticas p�blicas e empresariais de diversidade e antidiscrimina��o e participa da Alian�a Jur�dica pela Equidade Racial.

Veja abaixo a �ntegra da entrevista com Thiago Amparo

Quais as poss�veis repercuss�es jur�dicas deste caso? Para a empresa, para as pessoas filmadas agredindo e asfixiando Jo�o Alberto, para quem estava pr�ximo e n�o fez nada.

H� diferentes possibilidades jur�dicas neste caso. Para os autores (das agress�es), a investiga��o deveria se dar, na minha opini�o, sobre um crime de homic�dio e um crime de racismo. A lei de combate ao racismo (Lei nº 7.716/1989) pune quem discrimina ou pratica preconceito de cor e ra�a. Se ficar provado que h� um �dio racial neste caso – e eu acho que � dif�cil n�o ficar provado, considerando que n�o se vislumbra jovens brancos espancados at� a morte em supermercados. Ent�o, o componente racial � algo importante ali e deveria ser considerado. � um concurso de crimes quando na mesma conduta se pratica dois crimes. No caso, crimes de homic�dio e de racismo.

Al�m disso, as pessoas que estavam ali e n�o fizeram nada, podem ser enquadradas e investigadas por omiss�o de socorro, que tamb�m � crime.  Havia uma pessoa sendo morta e elas n�o fizeram nada para impedir que aquilo acontecesse.

Com a empresa, h� certa dificuldade de responsabiliza��o, por serem terceirizados. Por outro lado, � poss�vel e se argumente sobre a responsabilidade da empresa (Carrefour) em fiscalizar as a��es desses terceirizados.

� poss�vel que a empresa seja responsabilizada coletivamente, por meio de uma a��o civil p�blica, e tenha que pagar indeniza��o por dano coletivo. E que tamb�m seja condenada a rever suas pr�ticas estruturais internas. Por exemplo, qual o protocolo na empresa a respeito da atua��o de seus seguran�as? Qual treinamento eles t�m? Leva em considera��o a quest�o racial ou n�o?

Al�m da responsabiliza��o penal, h� a possibilidade de responsabiliza��o civil daqueles que cometeram homic�dio, que seriam tamb�m condenados a pagar uma indeniza��o vital�cia para a fam�lia da v�tima ou at� a dura��o prov�vel da vida daquela v�tima.

A delegada que conduz o caso j� se manifestou para imprensa afirmando que n�o viu racismo no homic�dio. Como voc� avalia isso?

� interessante que a delegada teve senso para chegar a uma conclus�o que s� deveria chegar no fim do inqu�rito. Deveriam, primeiramente ser investigadas as circunst�ncias do que aconteceu, se houve �dio racial ou n�o, se por meio daquela a��o houve a perpetua��o do crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716. � interessante quando aqueles que deveriam investigar, t�m um ju�zo de valor t�o contundente, antes mesmo da investiga��o ser iniciada. Isso � sintom�tico de um sistema policial e de Justi�a que n�o v� racismo em nada. Mesmo quando ele est� bem � sua frente. A priori, estamos falando do espancamento de uma pessoa negra sem nenhum motivo. N�o que houvesse algum motivo poss�vel para esse tipo de brutalidade. Mas n�o h� nada que pudesse dar alguma razoabilidade, sen�o simplesmente a perpetua��o do racismo. Deve-se, pelo menos, investigar se al�m do crime de homic�dio houve o crime de racismo. E depois de investigado, a delegada pode emitir o seu ju�zo valorativo. A princ�pio, com tanta contund�ncia, � estranho para quem nem come�ou a investiga��o.

O fato de um dos autores ser policial agrava sua conduta de alguma forma?

Sendo policial, ele � treinado para usar t�cnicas de imobiliza��o que n�o sejam de viol�ncia letal. O policial tem essa expertise. Se ele a emprega para o espancamento deliberado de uma pessoa, significa que isso pode ser considerado agravante, pela motiva��o. Por exemplo, motivo torpe, pelo �dio que ele expressou contra aquela pessoa. Como policial, ele deveria usar a t�cnica para n�o permitir que sua for�a causasse o �bito, como aconteceu. Deve ser investigado se ele agiu com �dio racial. E isso tem que ser valorado posteriormente pelo juiz.

O ordenamento jur�dico brasileiro, apesar de extenso, parece n�o ser suficiente para inibir crimes como este. O problema est� realmente na legisla��o ou em como ela � aplicada?

� poss�vel se aprimorar a legisla��o tanto no que diz respeito � responsabilidade das empresas por seus terceirizados em casos como esse do supermercado. E n�o � de hoje. Nos �ltimos dois anos, tivemos casos de pessoas sendo espancadas no Extra, depois uma adolescente de 17 anos em outro supermercado em S�o Paulo. Em segundo lugar, seria importante tamb�m que houvesse um tipo penal espec�fico para esse tipo de morte, que provavelmente tem uma motiva��o por �dio racial. � o que existe por exemplo com rela��o ao feminic�dio, quando se mata por causa da condi��o de mulher da v�tima. Tamb�m deveria se punir mais gravemente quando h� �dio contra a identidade da v�tima. Essas mudan�as poderiam ser bem-vindas para ajudar a aperfei�oar o sistema jur�dico.

Por�m, j� temos, no nosso ordenamento jur�dico, condi��es para responsabilizar todos os envolvidos. Quem perpetrou essa brutalidade, quem assistiu e a empresa. � necess�rio que o sistema policial e o judici�rio levem isso em considera��o e n�o se eximam da sua responsabilidade, para que haja justi�a para o Jo�o Alberto, que faleceu.

O vice-presidente Hamilton Mour�o disse, no dia da Consci�ncia Negra, que ‘n�o existe racismo no Brasil’ e que isso � uma coisa que ‘tentam importar’ para o nosso pa�s. Como voc� avalia isso do ponto de vista jur�dico e tamb�m simb�lico?

O vice-presidente Mour�o, com essa declara��o, mostra efetivamente que n�o vive na realidade brasileira. Talvez ele esteja em um del�rio de democracia racial e n�o existe no pa�s. Qualquer �ndice que olharmos, de viol�ncia policial, de n�mero de assassinatos, renda, acesso � sa�de, educa��o, em tudo que olharmos, veremos essa perpetua��o do racismo hoje e todos os dias no pa�s. N�o � uma ideia ‘importada’, especialmente para um pa�s que teve 300 anos de escravid�o. Muito mais do que nos Estados Unidos. � um pa�s onde a pol�cia mata muito mais pessoas negras do que nos Estados Unidos. Quando ele diz que algo � importado, como se viesse de outro lugar, ele n�o leva em considera��o a realidade brasileira. A frase do Mour�o ignora a realidade concreta do racismo que se perpetua todos os dias no Brasil. Tamb�m ignora a hist�ria brasileira de escravid�o muito mais profunda e abrangente do que a dos pa�ses onde ele acredita que existe racismo e com os quais ele compara o Brasil.

Voc� v� perspectiva de melhora dessas estat�sticas negativas de morte de negros? Desse verdadeiro genoc�dio?

Epis�dios como do Jo�o Alberto trazem cansa�o. Porque s�o hist�rias que se repetem todos os dias. Mas acredito que esse cansa�o gera indigna��o e, em �ltima inst�ncia, tem que levar � a��o, como tem levado. Vimos movimentos nas ruas depois de v�rios epis�dios de viol�ncia racial no Brasil. � necess�rio que a gente construa juntos um pa�s onde esse genoc�dio n�o aconte�a de fato. Minha perspectiva � de que se escutarmos mais os movimentos de pessoas negras no pa�s, se a classe pol�tica parar de emitir notas de rep�dio e efetivamente tomar medidas concretas, � poss�vel reverter esse genoc�dio negro. E � poss�vel a gente come�ar hoje fazendo isso.


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