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Estado de Minas FUTURO DUVIDOSO

Preju�zo de Bolsonaro � imagem do Brasil no mundo � em parte irrevers�vel, diz Ricupero

Para diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, sempre haver� d�vida sobre futuro do pa�s e temor de 'reca�da'. '� preciso mudar o ministro (Salles) para algu�m melhor, mas mudar tamb�m a pol�tica', defende Ricupero.


04/05/2021 10:49 - atualizado 04/05/2021 11:31


'Governo Bolsonaro é o primeiro que rompe com a continuidade que tínhamos desde que começou a Nova República, com o final da ditadura militar, em 1985', avalia ex-ministro Rubens Ricupero(foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
'Governo Bolsonaro � o primeiro que rompe com a continuidade que t�nhamos desde que come�ou a Nova Rep�blica, com o final da ditadura militar, em 1985', avalia ex-ministro Rubens Ricupero (foto: Valter Campanato/Ag�ncia Brasil)

Mesmo que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seja derrotado nas urnas em 2022, uma parte do preju�zo causado por sua gest�o � imagem do Brasil no exterior � irrevers�vel, avalia o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero.

"O mundo se acostumou, durante d�cadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compat�veis. Todos tinham uma fidelidade aos princ�pios da Constitui��o, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos ind�genas e dos direitos humanos", explica Ricupero.

"Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experi�ncia Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela d�vida sobre o futuro do Brasil. At� que ponto o Brasil n�o vai ter uma reca�da nesse tipo de comportamento?".

Para Ricupero, que comandou a pasta do Meio Ambiente e da Amaz�nia Legal entre setembro de 1993 e abril de 1994, e esteve � frente do Minist�rio da Fazenda de mar�o a setembro de 1994, sob o governo Itamar Franco (PMDB), o ultraliberalismo prometido pelo ministro Paulo Guedes nunca chegou a ser colocado em pr�tica.

"Guedes nunca foi capaz de dar um rumo coerente � pol�tica econ�mica. Tanto � assim que, da equipe original dele, restam muito poucos", diz Ricupero.

"Estamos agora com uma economia que n�o cresce, e em que a �nica coisa que cresce s�o os pre�os dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida. Estamos, de novo, com a pior situa��o econ�mica que se possa imaginar, que � a combina��o de estagna��o com infla��o", sentencia o ex-ministro.

Ricupero avalia que a not�cia-crime aberta contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no caso da defesa de madeireiros ilegais da Amaz�nia n�o deve ser suficiente para derrub�-lo.

"Os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Ent�o, ao proteger esses criminosos, Salles est�, na verdade, solidificando essa base", afirma.

Ricupero ministra nesta ter�a-feira (04/05), �s 19h, a aula inaugural do curso "Hist�ria da Diplomacia Brasileira", que ser� oferecido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Rela��es Internacionais). O curso ter� desconto de 50% para mulheres, com o objetivo de incentivar a presen�a feminina no meio diplom�tico.

"Agora que nos livramos do [ex-ministro das Rela��es Exteriores] Ernesto Ara�jo, temos que recuperar nosso patrim�nio, que durante dois anos e pouco foi espezinhado e esquecido por essa fase de pesadelo pela qual passou o Itamaraty", diz Ricupero, quanto � relev�ncia do curso neste momento.

"Como acontece na pandemia, � s� quando nos falta o ar que respiramos, que n�s valorizamos a capacidade de respirar. A mesma coisa acontece na diplomacia. Agora, estamos valorizando uma coisa que n�s perdemos durante pouco mais de dois anos."

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - O senhor disse no passado que h� uma contradi��o inerente entre uma pol�tica econ�mica ultraliberal e uma pol�tica externa antiglobalista. Passados mais de dois anos de governo Bolsonaro, � poss�vel dizer que, nesse embate, o liberalismo foi o derrotado?

Rubens Ricupero - A promessa do liberalismo nunca foi aplicada nesse governo. Como nas demais �reas, � um governo sem rumos. Que tem uma inspira��o vagamente liberal, mas com desvios muito frequentes.

V�-se, por exemplo, que houve muito pouca privatiza��o, apesar das promessas repetidas. As reformas que tinham sido anunciadas n�o sa�ram do papel. A situa��o fiscal, contrariamente aos postulados liberais, tem se agravado cada vez mais.

N�o se pode dizer que seja uma pol�tica econ�mica efetivamente liberal. � uma pol�tica econ�mica confusa, com sinais contradit�rios, e que foi atropelada pela pandemia. No come�o da crise, at� respondeu razoavelmente, com o aux�lio emergencial. Mas depois se perdeu totalmente.

Estamos hoje com uma condi��o econ�mica que � a pior de todas, porque o pa�s n�o cresce - � uma exce��o no mundo, onde todas as economias est�o se recuperando com um ritmo bastante vigoroso. E, ao mesmo tempo que n�o cresce, estamos assistindo ao agravamento da infla��o. Quer dizer, voltamos � situa��o de estagfla��o que tivemos h� alguns anos. � esse o resumo que se pode dar da pol�tica econ�mica do governo.


'Ernesto Araújo era um militante dessa seita mais lunática que nós temos, que são os seguidores do Olavo de Carvalho. Isso, felizmente, acabou', diz Ricupero(foto: Ministério das Relações Exteriores)
'Ernesto Ara�jo era um militante dessa seita mais lun�tica que n�s temos, que s�o os seguidores do Olavo de Carvalho. Isso, felizmente, acabou', diz Ricupero (foto: Minist�rio das Rela��es Exteriores)

BBC News Brasil - O senhor tem expectativa de alguma mudan�a de rumo na pol�tica externa com a sa�da de Ernesto Ara�jo do Minist�rio das Rela��es Exteriores?

Ricupero - Houve uma mudan�a que � bem-vinda, que merece at� aplauso. Porque o caso do Ernesto � que ele agravava uma situa��o que j� era dif�cil. Pelos pr�prios postulados da pol�tica que ele adotou. Uma vis�o distorcida da realidade do mundo, teorias conspirat�rias. Mas, al�m disso, ele agregava um fator pessoal: era um militante dessa seita mais lun�tica que n�s temos, que s�o os seguidores do Olavo de Carvalho. Isso tudo, felizmente, acabou. H� uma sensa��o de al�vio.

O Itamaraty, hoje em dia, tem uma atmosfera muito mais positiva do que tinha antes. E o pr�prio estilo dos documentos, dos pronunciamentos, melhorou bastante.

O que n�o mudou � a subst�ncia dessa pol�tica. Porque uma pol�tica externa n�o pode nunca ser dissociada da pol�tica interna. A pol�tica externa tem maior ou menor �xito, se a pol�tica interna estiver indo bem. Os grandes momentos da pol�tica externa do Brasil no passado coincidiram com momentos em que o pa�s estava muito bem na economia, na pol�tica, no social, no cultural.

Atualmente, mesmo que a pol�tica externa tenha mudado um pouco no estilo de discurso, a pol�tica geral � muito ruim. N�s continuamos com essa crise. Com o presidente atuando como ele sempre atuou. E, sobretudo, h� um aspecto que n�o se pode esquecer nunca: boa parte da imagem p�ssima que o Brasil tem no exterior vem das quest�es ambientais e das quest�es pr�ximas a essa, como o tratamento aos povos ind�genas. Ora, isso n�o mudou em nada.

N�s continuamos com a mesma pol�tica, ou falta de pol�tica. A devasta��o da Amaz�nia cresce, como vimos no m�s de mar�o, que foi o pior m�s para o desmatamento nos �ltimos dez anos, apesar de ser ainda a esta��o das chuvas na Amaz�nia.

Ent�o, devido a esses sinais que v�m do meio ambiente, da pol�tica indigenista, dos direitos humanos, da deteriora��o da situa��o social, � muito dif�cil que a pol�tica externa, deixada a si mesma, possa fazer alguma coisa. Pode pelo menos evitar de agravar o quadro, que era o que acontecia com o Ernesto. Mas, mais do que isso, n�o vejo possibilidade de acontecer.

BBC News Brasil - � poss�vel reverter o efeito da gest�o Bolsonaro sobre a imagem do Brasil no exterior? E h� como recuperar nosso soft power?

Ricupero - Neste governo, n�o. Eu n�o acredito que isso possa acontecer, porque tamb�m n�o creio que o presidente v� mudar de personalidade, de car�ter, de opini�o, de grupos apoiadores.

Nada disso vai acontecer. Ent�o, at� a elei��o, n�o vejo nenhuma possibilidade de que essa situa��o melhore. Depois das elei��es, isso pode suceder, desde que haja a elei��o de um governo mais "normal", digamos, entre aspas. De um governo que volte a colocar o Brasil nos trilhos. E que seja capaz de adotar pol�ticas diferentes, em meio ambiente, em povos ind�genas, em direitos humanos, em igualdade de g�nero, e assim por diante.

A partir de uma mudan�a interna, pode-se fazer um esfor�o para melhorar a nossa imagem externa. Isso � perfeitamente fact�vel. Mas vai demorar muito. Vai ser um trabalho gigantesco e, eu diria que uma parte do preju�zo � irrecuper�vel, � irrevers�vel. Essa parte que se devia � continuidade e � confiabilidade do Brasil e da sua pol�tica externa.

O mundo se acostumou, durante d�cadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compat�veis. Todos tinham uma fidelidade aos princ�pios da Constitui��o, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos ind�genas e dos direitos humanos.

Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experi�ncia Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela d�vida sobre o futuro do Brasil. At� que ponto o Brasil n�o vai ter uma reca�da nesse tipo de comportamento que n�s assistimos nos �ltimos anos.

BBC News Brasil - O senhor chegou a prever nos anos anteriores que o Brasil poderia sofrer boicotes e repres�lias em suas exporta��es agr�colas, pela forma como Bolsonaro tem gerido a quest�o ambiental. Isso n�o s� n�o se concretizou, como o Brasil tem exportado mais commodities agr�colas do que nunca, com a ajuda da desvaloriza��o cambial. A necessidade global de alimentos se sobrep�e � agenda verde que as grandes pot�ncias dizem agora ser prioridade?

Ricupero - Em parte sim. O que voc� diz � verdade, sobretudo em rela��o � China e aos asi�ticos. Porque, de fato, o aumento das exporta��es brasileiras de soja, de milho, de min�rio de ferro, se deveu sobretudo � China, n�o a outros pa�ses. Para outros destinos as exporta��es t�m ca�do.

No caso da China, de fato, � um pa�s que olha mais a sua pr�pria demanda. Mas, mesmo a�, existe uma incerteza em rela��o ao futuro, porque as grandes empresas importadoras chinesas, as tradings, j� anunciaram que v�o come�ar a ter uma pol�tica de tra�ar a origem dos produtos que elas importam. Ent�o, � medida que a China possa diversificar suas fontes de suprimento, haver� alternativas aos fornecedores brasileiros.

Mas as repres�lias que o Brasil j� est� sofrendo n�o s�o apenas medidas comerciais. As medidas comerciais s�o o �ltimo limite. � aquilo que acontece quando realmente a situa��o chega a um ponto muito, muito grave.

Mas a verdade � que, devido a essas pol�ticas que o governo Bolsonaro tem seguido, o Brasil hoje j� se converteu numa esp�cie de "p�ria" do mundo. Isso se v� agora na pandemia.

H� poucos dias, o jornal Washington Post publicou um artigo muito interessante comparando a solidariedade do mundo com a �ndia na pandemia, com a falta de resposta em rela��o ao Brasil. O jornal dizia que � chocante de ver.

Os Estados Unidos est�o se mobilizando, aprovaram mais de US$ 100 milh�es em ajuda e medicamentos para a �ndia. Alemanha, Fran�a, Inglaterra est�o mandando avi�es especiais, recheados de produtos de ajuda. Enquanto isso, em rela��o ao Brasil, n�o h� nenhum movimento compar�vel, apesar de o n�mero de mortes no Brasil ser maior do que o da �ndia.

Por qu�? Porque o Brasil se tornou um pa�s rejeitado pelo mundo. Ent�o, � �bvio que, na hora que o Brasil precisa, n�o existe da parte do mundo exterior, uma rea��o de solidariedade. E � por isso que eu diria que o castigo pelo que n�s fazemos j� � evidente. N�o � alguma coisa que vir� depois. � algo que j� est� acontecendo.

BBC News Brasil - O que muda para a pol�tica externa e ambiental brasileira com a chegada de Joe Biden ao poder nos Estados Unidos?

Ricupero - Muda o discurso. V�-se isso j� na carta que o presidente Bolsonaro enviou alguns dias antes da C�pula do Clima, no dia 22 de abril.

Na carta, ele disse coisas que s�o o contr�rio do que ele vinha dizendo at� ent�o. Fala no compromisso em combater o aquecimento global. Reafirma o compromisso do Brasil do Acordo de Paris, de p�r fim ao desmatamento ilegal na Amaz�nia at� 2030. Esse compromisso tinha sido retirado das promessas brasileiras pelo Ricardo Salles, em dezembro de 2020. O que mudou entre dezembro de 2020 e abril de 2021? A posse do Biden.

Ent�o mudou o discurso e a promessa. Mas n�o mudaram as pol�ticas, as verbas para combater o desmatamento, o desprest�gio do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis], as atitudes de impedir que os fiscais do Ibama cumpram o seu dever. Ent�o, s�o promessas ret�ricas. Superficiais. Como se dizia antigamente, "para ingl�s ver". S� que hoje � "para americano ver".

BBC News Brasil - E que balan�o o senhor faz da C�pula do Clima?

Ricupero - A c�pula foi muito importante, porque mudou a agenda mundial por completo. N�s perdemos quatro anos no combate ao aquecimento global devido ao governo Trump. Ent�o era preciso um gesto dram�tico para fazer com que a quest�o voltasse a ocupar o centro da agenda mundial. Isso foi feito pela C�pula do Clima.

Ela n�o tinha o objetivo de produzir resultados negociados. Porque esses resultados ter�o que ser produzidos no final do ano, no m�s de novembro, na reuni�o de Glasgow, na Esc�cia, quando haver� a COP-26. O passo seguinte ao Acordo de Paris.

Na reuni�o de Glasgow � que vamos ter que ir al�m, porque os compromissos de Paris somados n�o v�o permitir atingir a meta que est� no pre�mbulo do acordo, que � limitar o aumento da temperatura global a apenas 1,5 grau. Atualmente, pelos compromissos de Paris, vamos ter um aumento de 4 graus. Portanto, � preciso ir muito, muito al�m.

BBC News Brasil - O senhor acredita que o ministro Ricardo Salles deve novamente sobreviver � crise gerada pela not�cia-crime aberta contra ele no caso da defesa de madeireiros ilegais?

Ricupero - Aparentemente sim, porque os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Ent�o, ao proteger esses criminosos, ele est�, na verdade, solidificando essa base.

N�o vi at� agora nenhum sinal de que algo mude. E, ainda que mude, s� a mudan�a do ministro n�o resolve nada. Se for para trocar o Ricardo Salles por um outro general Pazuello [Eduardo Pazuello, ex-ministro da Sa�de] ou alguma pessoa parecida, n�o resolveria.

� preciso mudar o ministro para algu�m melhor, mas mudar tamb�m a pol�tica. Ter o compromisso de querer, de fato, acabar com o desmatamento, com a minera��o ilegal, com a grilagem. Voltar a prestigiar os fiscais do Ibama e do Instituto Chico Mendes. Voltar a aprovar um plano como o que a [ex-ministra do Meio Ambiente] Marina Silva aplicou e que permitiu baixar a destrui��o de mais de 12 mil, pra menos de 4 mil quil�metros quadrados. Esse plano existia, mas foi abandonado. Ele tem que voltar.

Ent�o, � isso que precisaria. E n�o vejo sinais de que v� acontecer, infelizmente. N�o h� nada al�m de promessas vagas, imprecisas, sem nenhum compromisso objetivo.

BBC News Brasil - E como o senhor avalia a gest�o de Paulo Guedes � frente da Economia?

Ricupero - � um grande desapontamento. Desde a campanha, ele sempre criou expectativas exageradas, at� por causa do estilo pessoal que ele tem.

Ele, por exemplo, dizia, antes de tomar posse, que iria zerar o d�ficit p�blico brasileiro em um ano. E como � que ele pretendia fazer isso? Ele pretendia privatizar e vender os im�veis do governo federal. Em cada caso, segundo ele, produziria mais de R$ 1 trilh�o. Ora, tudo isso eram fantasias. Fantasias de quem nunca tinha passado pelo Minist�rio da Fazenda.

Quem j� passou pelo minist�rio, como eu, sabe a dificuldade que existe para privatizar uma s� companhia. Quanto mais todas. Ent�o, tudo isso se desfez ao contato da realidade.

Ele nunca foi capaz de dar um rumo coerente � pol�tica econ�mica. Tanto assim que, da equipe original dele, restam muito poucos. A maioria daqueles que o acompanharam foram gradualmente deixando o governo. E muitos admitiram que faziam isso porque viram que nada daquela inten��o original ia ser transformada em algo de concreto.

O balan�o melhor n�o � o balan�o que se faz com palavras, � o balan�o dos fatos. E o fato � que n�s agora estamos com uma economia que n�o cresce. Em que a �nica coisa que cresce s�o os pre�os dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida.

N�s estamos, de novo, com a pior situa��o econ�mica que se possa imaginar, que � a combina��o de estagna��o econ�mica com infla��o.

BBC News Brasil - A pandemia deve resultar num retrocesso hist�rico na desigualdade e nos avan�os conquistados por mulheres e pela popula��o negra nas �ltimas d�cadas. O que precisar� ser feito para se reverter esses retrocessos nos pr�ximos anos?

Ricupero - Ser� necess�rio um esfor�o gigantesco. Porque o retrocesso n�o � s� nessas �reas que voc� mencionou e que s�o de fato uma realidade. H� um retrocesso em algo mais surpreendente: na expectativa de vida. � a primeira vez em mais de 100 anos que a expectativa de vida no Brasil vai recuar dois anos praticamente.

A mortalidade tem sido gigantesca e, em alguns casos, a perda � irrecuper�vel. Por exemplo, nas tribos ind�genas, boa parte da cultura tradicional, das tradi��es, e at� do conhecimento da l�ngua, est� concentrado nos mais idosos, que s�o os que est�o desaparecendo muito rapidamente.

� claro que uma parte dessas mortes teria sido inevit�vel, mas uma quantidade gigantesca de pessoas que adoeceram e morreram poderiam ter sido poupadas, se desde o in�cio tiv�ssemos seguido os caminhos corretos de combate � pandemia.

Se tivesse existido uma coordena��o de pol�ticas do governo central, com Estados e munic�pios. Tivesse se adotado confinamento no momento certo e com o n�vel de rigor necess�rio. Se tivesse aumentado o n�mero de testes e, uma vez comprovadas as pessoas infectadas, se tivesse feito o acompanhamento para evitar que essas pessoas infectassem outras. Se tiv�ssemos adotado no momento certo a decis�o de comprar vacinas, quando a Pfizer, por exemplo, nos ofertou 70 milh�es de doses.

Se tudo isso tivesse sido feito, o n�mero de mortes seria muito menor. Infelizmente, perdeu-se essas oportunidades. E agora, no futuro, um novo governo ter� que redobrar os esfor�os durante anos, para que possamos recuperar o n�vel em que est�vamos e que perdemos. Eu n�o sei quantos anos vai demorar. Mas, seguramente, n�o ser�o poucos.

BBC News Brasil - Muitos economistas liberais t�m defendido a necessidade de o liberalismo contemplar a quest�o social e ter a desigualdade como foco, para que a agenda liberal possa ganhar maior ades�o na sociedade. Alguns, como Arm�nio Fraga, t�m inclusive defendido pol�ticas como uma renda b�sica para pelo menos metade da popula��o brasileira. Como o senhor v� esse redesenho do liberalismo nacional?

Ricupero - � bem-vindo. Mostra que o liberalismo, se bem entendido, n�o � de forma nenhuma excludente de uma consci�ncia social aguda.

E acho que esses economistas t�m raz�o de que � necess�rio sintetizar os in�meros programas que n�s temos. Porque, para poder ter um programa como o Arm�nio aconselha, de renda b�sica, � preciso examinar bem os diferentes programas sociais que o Brasil tem - e s�o muitos - e avaliar quais os mais exitosos, que atingem mais a popula��o alvo, como � o caso do Bolsa Fam�lia.

Outros programas que n�o s�o t�o eficazes devem ser descontinuados, para poder concentrar os recursos e ter um programa que seja de fato coerente e bem desenhado. Que procure cobrir toda a popula��o carente, de maneira satisfat�ria, mas acabando com os desperd�cios, acabando com os paralelismos de v�rios programas que �s vezes desperdi�am recurso.

Portanto, precisa de muita racionalidade. N�o se v� hoje no governo capacidade de fazer isso.

E n�o � dif�cil. Olhando para o Biden, nos Estados Unidos, por exemplo, temos um bom modelo. Os americanos est�o focando muito claramente nas crian�as pobres, porque um dos aspectos mais graves dos problemas sociais, que tende a perpetuar a mis�ria, � a mis�ria da inf�ncia.

Ent�o, h� muitos modelos que poderiam ser adotados no Brasil. Mas � preciso convocar pessoas capazes de desenhar esses programas, para concentrar os recursos naquilo que realmente vai ter frutos imediatos.

Que � mirar nas crian�as pobres, nas fam�lias com crian�as, nas fam�lias que passam fome. Em todos aqueles que constituem essa gigantesca parte da popula��o carente, que n�o t�m um emprego regular e que sobrevivem, sabe l� Deus como, atrav�s de bicos, da economia informal, sem carteira assinada, sem direitos, sem garantia de aposentadoria, sem nada.

� isso que n�s temos que fazer. Uma racionaliza��o da pol�tica social.

BBC News Brasil - Por fim, o senhor participou no ano passado de um movimento de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central pressionando por uma retomada verde da economia no p�s-pandemia. Vimos movimentos semelhantes de ex-ministros da Sa�de, do Meio Ambiente e da Educa��o de governos diversos, unidos contra as pol�ticas da atual gest�o. O senhor acredita que esses movimentos ser�o suficientes para criar um projeto alternativo ao bolsonarismo em 2022?

Ricupero - Suficientes, creio que n�o. Mas s�o necess�rios. S�o passos em dire��o a esse objetivo.

Isso come�ou, na verdade, com os ex-ministros de Meio Ambiente. O nosso grupo foi criado ainda na �poca da discuss�o do C�digo Florestal, no governo Dilma Rousseff [PT]. Os outros movimentos se inspiraram no nosso, inclusive esse a que eu tamb�m perten�o, de ex-ministros da Fazenda.

O que isso indica? Indica que a totalidade das pessoas que passaram pelo setor p�blico no Brasil reprova a linha atual.

E reprova por qu�? Porque esse governo � o primeiro que rompe com toda a continuidade que n�s t�nhamos, desde que come�ou a Nova Rep�blica, com o final da ditadura militar, em 1985.

Desde ent�o, todos os governos que se sucederam - uns com mais �xito, outros com menos - tinham a mesma vis�o, o mesmo projeto de Brasil, que � o da Constitui��o. N�o precisa outro. A Constitui��o tem o projeto de Brasil que n�s queremos. � preciso dar cumprimento a ela.

Esse governo se divorciou desta linha de continuidade. E inaugurou uma linha que � contr�ria ao esp�rito e, �s vezes, � pr�pria letra da Constitui��o.

Ent�o n�s temos que restabelecer aquele rumo claro constitucional, atrav�s de elei��es que produzam um governo capaz de dar ao Brasil uma vis�o coerente, articulada, racional do seu futuro. E que consiga promover uma melhoria da vida das pessoas, para que elas se engajem nesse projeto. Mas isso vai depender das elei��es. Enquanto elas n�o chegarem, n�s infelizmente vamos ter que continuar a multiplicar essas tomadas de posi��o.


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